Acórdão nº 80/14.1TTVLG.P1-A de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução01 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 80/14.1TTVLG.P1-A Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 788) Adjuntos: Des. Rui Penha Des. Maria José Costa Pinto Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, aos 20.03.2014, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C…, S.A, pedindo, para além do mais, a condenação desta pagar-lhe a quantia global de €6.295,00, a título de diferenças salariais em dívida apuradas, como média de uma retribuição variável auferida no período de 1993 a 2007 e de 2009 a 2012, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alegou em síntese que, nesse período, auferiu mensalmente diversas prestações de natureza retributiva cuja média deveria ter integrado a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal nesses períodos.

Citada a Ré e realizada (aos 08.04.14[1]) a audiência de partes, que se frustrou, aquela contestou, invocando, no que se reporta aos juros de mora: a) o abuso de direito quanto ao pedido, nas modalidades de venire contra factum proprium e de supressio, uma vez que o A., nunca antes da propositura da ação, deu a entender à Ré que não concordava com a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados, pelo que a Ré continuou a proceder ao seu pagamento tal como o vinha fazendo há anos; b) os juros só são devidos desde o trânsito em julgado da decisão; c) os juros vencidos há mais de cinco anos por reporta à data da citação encontram-se prescritos atento o disposto no art. 310º, al. d), do Cód. Civil, não sendo aplicável o disposto no art. 38º da LCT, 381ºdo CT/2003 e 337/2009.

O A. respondeu, concluindo pela improcedência das mencionadas exceções.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção da prescrição dos juros de mora, mais determinando o prosseguimento da ação quanto “ao fundo da causa” e tendo fixado à ação o valor de €6.295,00.

Inconformado com tal decisão, veio a Ré recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: “I) Vem o presente recurso interposto, em parte, da Despacho que julgou improcedente a exceção de prescrição dos juros arguidos pela Ré, decisão com a qual a Recorrente não se conforma por entender que, ao assim decidir, a, aliás, Douta Sentença, violou a Lei, em especial o disposto no artº 310º do Código Civil (C. C.); II) - O que aqui se discute tem subjacente uma relação entre a Recorrente e o Recorrido decorrente da celebração, entre eles, de um contrato concretamente definido e tipificado na Lei e regulado em legislação especial, nos termos do disposto nos arts. 1152º e 1153º do Código Civil, denominado “Contrato de Trabalho”, pelo qual esta última se obrigou, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual à primeira, sob a autoridade e direcção desta; III) - À semelhança do referido contrato de trabalho previsto e tipificado no Código Civil, também aqui estão previstos tantos outros contratos de natureza e tipologia diversa, tais como o contrato de prestação de serviços, o contrato de compra e venda, o contrato de aluguer, o comodato, o mandato, etc., cada um com o seu regime especial, mas todos eles sujeitos às regras da caducidade, da prescrição e do cômputo de juros, previstas no Código Civil; IV) - O que acontece, também, com o contrato de trabalho, já que em lado algum se prevê, no Código Civil (C. C.) ou no Código do Trabalho (a legislação especial referida no artº 1153º do C. C.), que o facto de o contrato de trabalho, enquanto tal, se encontrar sujeito a legislação especial, afasta automaticamente o regime do C. C. a ele aplicável, nomeadamente no que respeita a matéria de juros de mora; V) - Relativamente aos contratos previstos no Código Civil, entre os quais, como vimos, o contrato de trabalho, estão previstos prazos de caducidade e de prescrição diferentes, variando esses prazos entre os poucos meses e os vinte anos, mas nem por isso as regras dos juros se alteram de acordo com tais prazos, aplicando-se sempre a regra geral de que os juros vencidos há mais de cinco anos prescrevem, se entretanto não se fizer valer o direito aos mesmos – artº 310º C. C.; VI) - Ao prever-se que o contrato de trabalho seria sujeito a legislação especial, pretendeu-se, tão-somente, atenta a extensão e complexidade da matéria em causa, comparativamente à demais incluída no C. C., que tudo o que regulasse o contrato, enquanto tal, deveria constar de legislação própria, especial, e não o afastamento do regime geral, mormente do referente aos juros, previsto no C. C.; VII) - Também não se pode sustentar que o facto de, no Código do Trabalho de 2003 se prever que todos os créditos prescrevem no prazo de ano após a cessação do contrato de trabalho, significa que também os juros estão aí incluídos por se tratar de obrigação acessória à obrigação principal de pagamento das prestações em causa, pois, se assim fosse, dada a importância que tal matéria reveste, certamente que o legislador a teria expressamente previsto; VIII) - Por outro lado, e mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria que determinar a razão de, no Código do Trabalho presentemente em vigor, se ter retirado a expressão “todos os créditos”, passando a prever-se, no nº 1 do artº 337º do C.T. que “1. O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

  1. O crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo.”; IX) - Tal regime não colide com o aplicável aos créditos laborais, entendendo-se como tais as prestações retributivas reclamadas pelo trabalhador, decorrentes de contrato de trabalho, os quais só prescrevem no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho (artigo 337º do CT); X) – Como refere Pedro Romano Martinez – in Direito do Trabalho, 5ª edição, Almedina – “(…) III. O regime especial de prescrição aplica-se às prestações retributivas emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação, não se justificando aplicar este regime excepcional a todos os créditos do trabalhador. (…) Também não ficam abrangidos por este regime de tutela os juros de créditos laborais. De facto, do regime especial constante do art. 337º do CT 2009 decorre que, na pendência do contrato de trabalho, a prescrição do crédito emergente deste vínculo fica suspensa nos termos do artigo 318º do CC. (…) Trata-se de um regime de tutela do credor que permite que «as contas» se façam no termo da relação jurídica e por isso está unicamente em causa a dívida de capital especificamente referida. Não faria sentido que, concedendo-se uma situação de benefício ao credor, se lhe permitisse ainda «ganhar» com o valor de prestações acessórias, mormente a dívida de juros, particularmente quanto esta decorrer de mora no cumprimento da obrigação principal. Em suma, a prescrição só se inicia no termo da relação jurídica relativamente à dívida de capital (p.ex. retribuição não paga), mas esta regra de especial tutela do credor não se aplica à obrigação acessória de juros, que é autónoma daquela. De outro modo estar-se-ia a permitir que o credor beneficiasse de um venire contra factum proprium: não reclama o pagamento da dívida durante um período longo porque a prescrição não corre e vem depois exigir o pagamento de juros durante esse longo período. Tal hipótese, admitindo que o credor poderia reclamar juros de mora relativos a dezenas de anos quando beneficiou de uma suspensão da prescrição, conformaria, por via de regra, abuso de direito (art. 334º do CC) e, mesmo que assim não fosse, não poderia ser essa a solução pretendida pelo legislador de conferir simultaneamente suspensão da prescrição da prestação de capital e de manter a obrigação e juros durante todo o período de suspensão; a vantagem conferida ao credor (suspensão da prescrição) redundaria em prejuízo desmesurado para o devedor (pagamento de capital acrescido de juros de mora referentes a um longo período de suspensão da prescrição). Há ainda uma outra razão que inviabiliza a reclamação de juros moratórios durante todo o período em que a prescrição não correu: os juros de mora resultam do incumprimento culposo de uma...

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