Acórdão nº 186/14.7T4AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 186/14.7T4AVR.P1 Secção Social do Tribunal da Relação do Porto Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório O Ministério Público instaurou a presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra “B…, SA” (NIPC ………, com sede na …, n.º … – ..º B, ….-… Lisboa), pedindo a condenação desta a reconhecer a existência de um contrato de trabalho que mantém com a trabalhadora C…, com início em 02 de Julho de 2007.

Alegou para tanto, em síntese: - a Ré tem por objecto a concepção, projecto, instalação, financiamento, exploração e transferência para o Estado Português do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, nos termos previstos no Contrato de Prestação de Serviços aprovado por Despacho de 27-02-2006, do Ministro da Saúde; - no exercício dessa actividade mantém um local de trabalho na Rua …, n.º ..-..º, sala ., Porto; - nesse local exerce funções a trabalhadora C…, como “farmacêutica-comunicadora”, utilizando os equipamentos e instrumentos de trabalho da Ré, observando as horas de início e de termo da prestação do trabalho determinadas pela Ré, com sistema informático e biométrico de registo de entrada e saída, e recebendo desta como contrapartida uma quantia no valor de € 8,75/hora, paga em periodicidade mensal, acrescida de outros montantes por se encontrar classificada no “escalão 4”; - a trabalhadora C… apenas desenvolvia a actividade para a Ré.

Conclui, por isso, que existe entre as partes um contrato de trabalho.

Contestou a Ré, a sustentar, muito em resumo: - entre as partes foi celebrado um contrato de prestação de serviços, sendo estes prestados por via telefónica, nas suas instalações; - atenta a natureza e forma de execução, os serviços têm que ser prestados num único espaço físico e através de uma logística necessária, nomeadamente de plataforma de atendimento multicanal e de computador central; - C… não dispõe de instrumentos de trabalho próprios (com excepção do auricular, que por razões de saúde e higiene é atribuído a cada prestador de serviços), nem de lugares pré-definidos para a prestação dos serviços, utilizando indistintamente um dos instrumentos disponíveis; - os prestadores de serviços informam a Ré da sua disponibilidade para a prestação dos serviços contratados, escolhendo o período temporal que entendem adequado, de acordo com a sua conveniência e disponibilidade, podendo trocar entre si a prestação dos serviços em concreto adjudicados pela Ré, assim como fazer-se substituir por colegas na execução desses serviços, sem necessidade de autorização da Ré; - a Ré não controla a assiduidade ou absentismo dos seus prestadores de serviços, incluindo C…, sendo que o valor que lhe é pago mensalmente varia em função do número de horas de serviço prestadas; Conclui, por isso, que o contrato foi executado como de prestação de serviços, pelo que deve improceder a acção.

Foi proferido despacho saneador tabelar, após o que veio C… a apresentar articulado – a sustentar, em síntese, a existência de um contrato de trabalho entre as partes –, no qual pede não só que se declare e reconheça a existência de um contrato de trabalho entre as partes, com início em 02 de Julho de 2007, como ainda formula diversos pedidos em consequência daquele reconhecimento.

Todavia, em relação a estes pedidos, os mesmos não foram admitidos na 1.ª instância, no entendimento que extravasavam o objecto da presente acção.

A Ré respondeu ao articulado, a reafirmar, em suma, o constante da contestação que anteriormente havia apresentado, e a concluir pela improcedência da acção.

Procedeu-se à audiência de julgamento, após o que, em 18-07-2014, foi proferida sentença – na qual se respondeu e se motivou a matéria de facto –, sendo a parte decisória do seguinte teor: «Face ao exposto, julga-se a ação improcedente, e em consequência decide-se não reconhecer a existência de contrato de trabalho entre a autora C… e a ré “B…, SA”.

Valor da ação (artº 186º-Q, nº 2 do CPT): € 5.000,01 (…)».

Inconformada com o assim decidido, C…, através de mandatário entretanto constituído, interpôs recurso para este tribunal, tendo apresentado alegações, que concluiu nos seguintes termos: «I. Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que o Tribunal “a quo” efectuou uma deficiente aplicação do direito, no que se refere à subsunção fáctica e jurídica do contrato e relação em causa nos autos, e fez ainda uma incorreta fixação e interpretação da prova produzida e, por esse motivo também, efectuou a referida deficiente aplicação do direito.

  1. Com especial interesse para a boa decisão da causa e no que respeita à caracterização factual da relação em causa nos autos, que se entende ser de natureza laboral, ficaram provados, nomeadamente, os factos constantes dos números 1 a 6, 9, 11, 12, 16, 17, 18, 19, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 34, 35, 37, 38, 39, 40, 42, 44, 46, 47, 48, 50, 51 e 52 da douta sentença, cujo teor, por razões de brevidade processual, aqui se dá por integralmente reproduzido.

  2. É ainda especialmente relevante o teor dos seguintes documentos: “Extrato de remunerações da Recorrente emitido pela Segurança Social” (a fls.), “Mapas de horário dos Farmacêuticos” (doc. nº 46 a 95 juntos com o articulado inicial da Recorrente), “diversos documentos internos da Recorrida sobre os procedimentos e controlo da actividade da Recorrente” (doc. 96 a 135 - juntos com o articulado inicial da Recorrente), “Manual de Responsável de Turno” e “Anexo A – Procedimentos Internos” (ambos a fls.), sendo que tais documentos não foram impugnados devendo, consequentemente, considerar-se aceites e integrantes da matéria provada.

    Alteração da Matéria de Facto IV. Os factos alegados nos arts. 21, 22, 26, 29, 30, 39 e 41 do articulado inicial autonomamente apresentado pela Recorrente, que foram julgados, de forma genérica, não provados, deveriam ter sido julgados provados, nomeadamente em face dos depoimentos testemunhais produzidos na audiência de discussão e julgamento, bem como em face da ponderação dos documentos juntos aos autos, antes indicados (art. 640º, nº 1, al. a)) V. Considerando o teor desses documentos e o depoimento das testemunhas, D…, E…, F…, G… e H… supra transcrito no corpo das alegações, deve este Tribunal “ad quem” alterar a resposta aos arts. 21, 22, 26, 29, 30, 39 e 41 do articulado inicial autonomamente apresentado pela Recorrente, julgando-os provados, nos termos expressos no corpo destas alegações, o que se requer art. 640º, nº 1, al. a)) VI. Nomeadamente deve julgar provados os seguintes factos (art. 640º, nº 1, al. a)): VII. A Recorrente teve sempre um horário de trabalho denominado de “flexível”, nomeadamente em relação ao número concreto de dias e horas de trabalho por mês, dadas as características das suas concretas funções e em face dos planos de trabalho delineados mensalmente pela Recorrida (art. 17º).

  3. A Recorrida controlava o cumprimento desses horários, nomeadamente através de um sistema biométrico de registo de entradas e saídas do edifício e ainda através de um registo de Login e Logoff, de todos os trabalhadores que aí prestam a sua actividade (art. 21º).

  4. A Recorrente desempenhou sempre as suas funções de acordo com as normas de procedimento interno da Recorrida, de acordo com as instruções expressas desta e sempre em benefício da Recorrida, as quais se concretizavam quer por ordens verbais, quer por ordens escritas (art. 26º).

  5. Durante a relação laboral em apreço, a Recorrente sempre recebeu ordens da Direcção Clínica, designadamente Dr.ª I…, sua Supervisora, Dr.ª H… e da Directora de Centro de Atendimento da Ré, Enfermeira J…, das quais dependia, sobre a forma, local e tempo da execução das suas tarefas laborais (art. 29º) XI. A Recorrente era ainda visitada no seu local de trabalho, nomeadamente a partir do segundo trimestre de 2010, pelos seus Supervisores e demais superiores hierárquicos, trabalhadores da Recorrida, visitas que se destinavam, nomeadamente, a avaliar quantitativamente e qualitativamente a Autora na execução das tarefas laborais e também para dar instruções e ordens sobre a forma de desempenho das mesmas (art. 30º) XII. A partir de Novembro de 2010, a Autora laborou em exclusivo para a Ré e dependia economicamente do pagamento das descritas contrapartidas, sendo esse o único suporte económico que dispunha para fazer face aos encargos, diários e mensais, que tinha e tem. (art. 39º) XIII. Durante a relação laboral em apreço, a Autora quando tinha de faltar ao trabalho estava obrigada a comunicar tal facto aos seus superiores hierárquicos (art. 41º).

    SUBSUNÇÃO FÁCTICA E JURÍDICA – ALTERAÇÃO DA DECISÃO CONTIDA NA SENTENÇA NOVO REGIME LEI 63/2013 XIV. A questão em apreço neste recurso, como nos autos, é a determinação da natureza da relação estabelecida entre as partes, a qual se entende revestir, indiscutivelmente, a natureza laboral.

  6. A presente acção judicial insere num novo normativo (Lei 63/2013 de 27 de Agosto) criado com o intuito de combater os falsos recibos verdes, em cujo art. 1º se refere “ A presente Lei institui mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado”.

  7. O legislador assume expressamente a necessidade de intervir, instituindo mecanismos de detecção e correção das situações em que se pretende encapotar um contrato de trabalho denominando-o como prestações de serviços.

  8. Esta norma impõe um carácter oficioso da obrigação da apresentação da acção judicial, atribuindo essa competência ao Ministério Publico, na decorrência da acção inspectiva, e independentemente da vontade do próprio visado (trabalhador).

  9. O legislador deu assim corpo a uma obrigação social, criando uma norma imperativa, como aliás acontece em algumas das mais fundamentais normas do direito laboral.

  10. No caso concre[]to, a ACT efectuou uma inspecção à Recorrida e entendeu existirem indícios...

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