Acórdão nº 309/14.6TTGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Dezembro de 2014
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
ACÓRDÃO PROCESSO Nº 309/14.6TTGDM.P1 RG 427 RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS 1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA 2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO PARTES: RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO RECORRIDA: B…, S.A.
◊◊◊ ◊◊◊Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:◊◊◊I – RELATÓRIO 1.
O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra “B…, S.A.
”, com sede na …, nº …, .º B, Lisboa, pedindo que a acção seja julgada procedente, por provada, e por via disso: 1) ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e C…, com início, pelo menos, em 3 de Março de 2014, nos termos do qual esta exerce, por conta da mesma, as funções de enfermeira comunicadora e aufere uma retribuição mensal não inferior a 485,00€ (quatrocentos e oitenta e cinco euros); 2) ser a Ré condenada no reconhecimento da existência do referido contrato de trabalho, com as legais consequências.
Alegou, para tanto, em suma, que embora a Ré e a enfermeira C… tenham outorgado no dia 03/03/2014 aquilo a que apelidaram de contrato de prestação de serviços, a verdade é que esta sempre trabalhou para a Ré de forma subordinada, pelo que se está na presença de um contrato de trabalho.
◊◊◊2.
Citada a empregadora apresentou contestação onde alega, na essência, que não existe entre ela e a enfermeira C… qualquer relação de trabalho subordinado, mas apenas um contrato de prestação de serviços. Por tal motivo, termina pedindo a sua absolvição do pedido.
◊◊◊3.
Notificada a C… de que poderia aderir ao articulado apresentado pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir advogado, a mesma não o fez.
◊◊◊4.
Dado início à Audiência de Partes, na qual se encontravam presentes o Magistrado do Ministério Público, a ilustre mandatária da Ré, munida de procuração com poderes especiais e a enfermeira C…, foi exarado na respectiva acta o seguinte: “Aberta a audiência de partes à hora designada para o efeito, foi tentada a conciliação das mesmas nos termos do disposto no artigo 186º - O do CPT, tendo então a Senhora Enfermeira C… dito que não tem vencimento fixo, recebendo conforme as horas que presta à Ré e que o valor/hora diurno é de € 7,50. Disse ainda que não há lugar a aplicação de qualquer sanção disciplinar por parte da Ré, mesmo nos casos em que não compareça aos turnos que em princípio deveria prestar. Quanto aos turnos disse que a troca de turnos é perfeitamente livre com qualquer outro dos denominados enfermeiros comunicadores, não tendo de haver um prévio consentimento para essa troca por parte da Ré. A Ré não paga qualquer quantia a título de subsídio de Natal ou subsídio de Férias.
Refere também que trabalha no D… com contrato de trabalho sendo o mesmo prestado no regime de turnos rotativos.
Considera assim que a situação em causa nos autos consubstancia um contrato de prestação de serviços desde a data em que começou a sua actividade para a Ré em Março do corrente ano.
*Neste momento, pela Ilustre Mandatária da Ré foi dito estar de acordo com a Sra. Enfermeira C… e que efectivamente a relação em causa consubstancia não um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviços.
*Em seguida, e perante o acordo obtido, foi dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público que no uso da mesma disse opor-se ao acordo ora obtido.
*Seguidamente pelo Mm.º Juiz de Direito foi proferido o seguinte:DESPACHOAtento o acordo firmado entre a Sra. Enfermeira C… e a Ré de que o contrato em causa nos autos consubstancia um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho e por entender que a matéria não tem natureza de direito indisponível, homologo o acordo alcançado e consequentemente absolvo a Ré "B…, S.A." do pedido.
Sem custas dado não ter sido apresentado articulado próprio pela enfermeira C… - artigo 186º-Q, n.º 4 do Código de Processo de Trabalho.
Comunique à A.C.T..
Registe e Notifique.”◊◊◊5.
Inconformado com a decisão dela recorre o MINISTÉRIO PÚBLICO, pugnando pela revogação da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões: A - No âmbito de uma acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a Ré "B…, S. A." e a Trabalhadora C… celebraram "acordo", considerando que a relação entre elas existente não tem natureza de contrato de trabalho mas antes sempre foi contrato de prestação de serviços.
B - Não obstante a oposição do Ministério Público, o M. Juiz a quo proferiu decisão homologando o referido "acordo".
C - Acontece que, neste tipo de acções prevalece um interesse público assente nas exigências constitucionais e legais de dignificação das relações laborais, D - visando, assim, o reconhecimento/regularização de situações como a dos presentes autos como relações de trabalho subordinado e assim sejam reconhecidas pelas partes.
E - Do exposto, resulta que o acordo/conciliação a que alude o artigo 186-O do Código do Processo do Trabalho deve assentar em critérios de legalidade estrita, sendo apenas admissível para regularizar a situação laboral em apreciação, reconhecendo-a como contrato de trabalho.
F - Pelo que o Meritíssimo Juiz a quo não deveria ter homologado o "acordo" celebrado entre a Ré "B…, S. A" e a Trabalhadora, C….
G - Desta forma, a douta decisão ora recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 52º, nº 2, e 186-O, ambos do Código de Processo do Trabalho.
◊◊◊6.
A Ré apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção da decisão recorrida e a improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1.ª A consagração no processo do trabalho da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho constituiu instrumento para enfrentar a tendência para a fuga ilícita ao Direito do Trabalho, por via da contratação de falsas prestações de serviços.
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Não se trata, porém, de prosseguir interesse público, de toda a colectividade, mas de conferir a cada putativo trabalhador outro meio para a obtenção da tutela legal que lhe é devida, com eficácia acrescida por efeito de tramitação processual mais célere e do patrocínio pelo Ministério Público.
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Uma vez iniciada a instância, o interesse protegido em cada acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é o do sujeito da concreta relação jurídica em apreço, que na forma se apresenta como trabalho autónomo, mas relativamente à qual há indícios de subordinação jurídica.
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Assim sendo, o titular do interesse processualmente protegido e autor da acção é o putativo trabalhador, cujo contrato de trabalho pretende ver reconhecido.
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Na acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o legislador não estatuiu que o Ministério Público actua em representação do Estado, nem que lhe caiba a defesa de interesse público, que não surge identificado.
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Ao invocar nos autos o interesse público, o Recorrente importa considerações próprias do Direito das condições do trabalho, de reconhecida natureza pública, para o plano do Direito individual do trabalho, em que está em causa a relação jurídica emergente de contrato celebrado entre dois sujeitos de Direito Privado.
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Porém, os autos esgotam-se no pedido de declaração da existência de vínculo de natureza contratual, pelo que o interesse neles prosseguido só pode ser o de uma ou de ambas as partes do contrato, por serem as únicas cujas situações jurídicas podem (ou não) conhecer mudança por efeito da decisão da causa.
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O Ministério Público não tem poder para conformar todas as relações jurídicas, designadamente as de natureza privada, com o ordenamento jurídico vigente em cada momento.
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Justificar a possibilidade de recusa do acordo obtido e homologado nos autos com a “defesa da legalidade democrática”, obriga a que o Ministério Público intervenha em todas as acções judiciais, de qualquer natureza, cuja causa de pedir inclua a infracção de comando legal, pois em qualquer uma delas está em causa a tutela do cumprimento da lei, a qual, emanando dos órgãos competentes em conformidade com a Constituição da República, é necessariamente “democrática”.
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O reconhecimento ao Ministério Público de direito autónomo de acção, alheio aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação, infringiria os valores da autonomia privada e da liberdade contratual, acolhidos no artigo 405.º do Código Civil e, bem assim, os princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de acção, previstos, respectivamente, nos artigos 47.º/1 e 20.º/1 e 4 da Constituição da República.
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Sendo de simples apreciação positiva e, por isso, limitando-se à declaração da existência ou inexistência de direito ou facto jurídico, a acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho justifica-se apenas quando há interesse específico em clarificar ou esclarecer determinada situação jurídica.
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Quando os titulares da relação jurídica estão de acordo quanto à configuração desta, não há questão a clarificar ou esclarecer, nem há outros interesses a satisfazer por via de sentença que se limita a declarar a natureza do vínculo estabelecido.
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A declaração da existência de contrato de trabalho só pode socorrer-se da presunção prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho se o processo correspondente visar a protecção do interesse individual do putativo trabalhador e este nele ocupar a posição de autor, o que constitui razão adicional para concluir pela incompatibilidade entre o interesse público ou do Estado-Colectividade e a forma de processo sob a qual tramitam os presentes autos.
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Ao preconizar que a conciliação realizada in casu apenas pode “termin[ar] no reconhecimento por parte da entidade empregadora da existência de um contrato de trabalho subordinado”, o Recorrente rejeita a relevância de qualquer manifestação de vontade contrária, seja do putativo trabalhador, seja do alegado empregador.
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Do que decorre a possibilidade de haver contrato...
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