Acórdão nº 3541/10.8TBGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 3541/10.8TBGDM.P1 [Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, casado, profissional de hotelaria, residente em Rio Tinto, Gondomar, instaurou no Tribunal Judicial de Gondomar acção judicial contra o Fundo de Garantia Automóvel, com sede em Lisboa, pedindo a condenação do réu a a) reconhecer que ocorreu o acidente invocado, com as alegadas consequências para o autor em sede de lesões de natureza patrimonial e não patrimonial; b) pagar ao autor a quantia global de €40.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, e €35.471,00 a título de indemnização por danos patrimoniais já líquidos; c) pagar ao autor quantia destinada a compensá-lo pela perda de capacidade aquisitiva que as lesões decorrentes do acidente lhe determinam, cuja liquidação pretende ver relegada para decisão ulterior; d) pagar ao autor quantia destinada a indemnizá-lo pela perda da sua retribuição entre o dia seguinte à propositura da acção e o dia em que o autor vier a retomar o seu trabalho, cuja liquidação pretende ver relegada para decisão ulterior.

Antes da citação do réu, invocando lapso de escrita, o autor apresentou nova petição inicial acrescentando à alínea b) do pedido a expressão “tudo com juros à taxa legal desde a citação e até efectivo pagamento”.

Para o efeito, alegou, em síntese, que quando conduzia o seu motociclo foi embatido por um veículo automóvel cujo condutor se pôs em fuga, não permitindo identificar o veículo, sendo que o sinistro ocorreu por culpa exclusiva do condutor desse veículo e causou ao autor lesões corporais e danos materiais de que advieram prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial cuja compensação reclama do réu.

Em requerimento ulterior o autor procedeu à ampliação do pedido, alegando que entretanto foi sujeito a novas intervenções e tratamentos médicos que lhe causaram mais danos de natureza não patrimonial, reclamando para indemnização dos mesmos quantia não inferior a €24.500,00, a acrescer à anteriormente pedida.

O réu contestou impugnando, por desconhecimento, os factos alegados na petição inicial sobre as circunstâncias do acidente e os danos resultantes do mesmo. Mais sustentou que tendo o acidente alegado a natureza, em simultâneo, de acidente de trabalho e de viação, a sua eventual responsabilidade se encontra limitada nos termos do nº 1 do artigo 51º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, aos danos materiais e os danos corporais não abrangidos pela lei de reparação dos acidentes de trabalho.

Foi provocada e admitida a intervenção principal do Hospital Geral Santo António e do Hospital de São João, os quais, citados, não intervieram na acção.

A acção prosseguiu até julgamento, findo o qual foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, condenando o réu a pagar ao autor somente a) o valor do motociclo de matrícula ..-..-QE, calculado à data de 5 de Junho de 2010, cuja liquidação se relega para decisão ulterior, com o limite de €1.500,00; b) a quantia global de €20.000,00 (leia-se para indemnização dos danos não patrimoniais emergentes das lesões corporais).

Do assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. O Autor/Recorrente foi vitima de um acidente viário in itinere, na produção do qual não lhe coube qualquer parcela de culpa e de que lhe resultaram danos corporais de natureza patrimonial e não patrimonial e uma incapacidade parcial e permanente para o trabalho.

  1. Dado que não foi possível identificar o autor da lesão, e porque o Recorrente beneficiava de um seguro de acidentes de trabalho em que era segurada a sua entidade patronal, a seguradora desta última e a própria entidade patronal (quanto ao montante de retribuição não coberto pelo seguro laboral) pagaram-lhe, após a “alta” uma remição global de €8.853,22.

  2. Essa remição global obrigatória constituiu a prestação em dinheiro a que alude o artº 47º nº 1 d) da NLAT, ou seja, a indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho.

  3. O Recorrido FGA por mor do disposto no artº 51º nº 1 do DL 291/2007 terá de responder por todos os danos corporais, de natureza patrimonial, não contemplados na nova lei de reparação do acidentes de trabalho (NLAT - Lei 98/2009).

  4. Ou seja, o FGA, responde pela diferença entre os danos corporais de natureza patrimonial efectivamente sofridos e os que, definitivamente, por força da NLAT lhe foram pagos (€8.853,22) já que outros em sede de dano futuro aquela NLAT não contemplava.

  5. Para tanto, o Mmo. Juiz a quo deveria ter calculado o dano corporal global (tinha à sua disposição todos os elementos: retribuição, idade e grau de IPP), subtraído o montante devido e pago, entretanto, ao Recorrente, por mor da natureza laboral do acidente, e tinha condenado o FGA no remanescente.

  6. Sem prescindir, os autos evidenciam factos que, só por si, permitem a condenação do Recorrido a título de ressarcimento por danos morais, em quantia não inferior a €40.000,00.

  7. A decisão recorrida violou, de forma flagrante, os comandos dos artº 9º nº 1, 483º, 496º, 566º nº 2 e 3 CCivil bem como o disposto no artº 412 º CPC (pelo que concerne ao carácter notório dos factos dados como não provados) bem como o disposto no artº 51º nº 1 do DL 291/2007.

    Nestes termos … deve a) Ser julgada nula a sentença recorrida por omissão de pronuncia quanto ao montante global a atribuir ao Recorrente a titulo de ressarcimento pelo dano corporal de natureza patrimonial – artº 615º nº 1 d) NCPC, ordenando-se a repetição do julgamento, ou, b) Ser declarada anulada a sentença recorrida, nos termos do disposto no artº 662º nº 2 c) NCPC, ordenando-se a baixa dos autos para que o Tribunal amplie a matéria de facto, considerando os valores globais recebidos pelo Recorrente a titulo de remição e que se acham certificados a fls. 32 1 a 328 dos autos, por forma a poder posteriormente, efectuar as necessárias deduções.

    1. Ser alterada, oficiosamente, a resposta de “não provado” dada à matéria alinhada sob as alíneas b) (2ª parte), e) e h) (Factos Não Provados) dando tal matéria como “provada” face ao seu carácter de notoriedade (artº 412º CPC).

    2. Ser o FGA condenado no pagamento ao Recorrente da quantia peticionada a titulo de ressarcimento pelo dano corporal de natureza patrimonial, deduzida da quantia de €8.853,22 (global da indemnização recebida por força do disposto na Lei 98/2008).

    3. Ser condenado o FGA em quantia não inferior a €40.000,00 em sede de danos de natureza não patrimonial.

    4. Ser o FGA condenado no pagamento de juros legais desde a citação e até efectivo pagamento sobre o montante global da condenação.

    A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.

    Após os vistos legais, cumpre decidir.

    1. Questões a resolver: Devidamente interpretadas e colocadas na correcta sequência lógica, as alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver as seguintes questões: i)Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia.

      ii)Se existem factos notórios a que o tribunal deva atender.

      iii)Se a prova produzida impunha decisão diferente quanto a três factos concretos.

      iv)Se é necessário anular o julgamento para ampliação da matéria de facto.

      v)Como interpretar o artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, no tocante à delimitação dos danos pelos quais responde o Fundo de Garantia Automóvel quando o acidente de viação também é de trabalho.

      vi)Qual o valor da indemnização a atribuir ao autor para ressarcimento dos danos não patrimoniais.

      vii)Se o Fundo de Garantia Automóvel deve ser condenado a pagar também juros de mora.

      III.

      Da nulidade da sentença: O recorrente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida por violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do novo Código de Processo Civil, ou seja, por omissão de pronúncia decorrente de o Mmo. Juiz a quo não se ter pronunciado sobre o montante global da indemnização para ressarcimento dos danos patrimoniais provenientes das lesões corporais.

      É manifesto que a sentença não padece deste vício.

      Nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. A omissão de pronúncia afere-se por referência a este dever de pronúncia: há omissão de pronúncia quando o juiz deixa de conhecer das questões de que devia conhecer. Ora se o juiz não tem de conhecer das questões que estão prejudicadas pela solução dada a outras, obviamente não comete omissão de pronúncia quando não se pronuncia sobre as questões prejudicadas.

      Assim, tendo o Mmo. Juiz a quo entendido, por interpretação do disposto no artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, que sendo o acidente que vitimou o autor simultaneamente de viação e de trabalho, o Fundo de Garantia Automóvel, única demandada na acção, não responde pelos danos patrimoniais provenientes das lesões corporais sofridas pela vítima, não tinha mais de se pronunciar sobre o montante da indemnização desses danos porque, na sua óptica, esta questão estava prejudicada.

      Refira-se que ainda assim e ao contrário do que o recorrente reclama, a existir essa nulidade, a mesma não tinha como consequência a “repetição do julgamento”. Isso mesmo resulta do artigo 665.º do novo Código de Processo Civil, que consagra a regra da substituição ao tribunal recorrido, segundo a qual ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação, sendo que se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão...

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