Acórdão nº 701/10.5TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução08 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 701/10.5TVPRT.P1 Sumário do acórdão: I. Antes da vigência do novo regime processual aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, perante a omissão de qualquer referência a alegações orais na redacção do artigo 304.º do CPC, era discutível se o pleno cumprimento do princípio do contraditório impunha ou não a exigência dessa fase processual na produção de prova nos incidentes.

  1. Tal discussão deixou de fazer sentido face à actual redacção do artigo 295.º do CPC.

  2. Tendo o M.º Juiz omitido a formalidade processual referida, ocorre nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, considerando que a irregularidade em apreço é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.

  3. No entanto, não estando em causa qualquer das nulidades previstas nos artigos 186.º a 194.º, do CPC, ou outra de conhecimento oficioso, o tribunal apenas poderá conhecer de tal vício após reclamação do interessado, nos termos do artigo 196.º do citado diploma legal.

  4. Tendo a parte estado presente na inquirição de testemunhas, e não tendo sido a nulidade arguida durante esse acto processual, torna-se intempestiva a sua reclamação em sede de alegações de recurso.

  5. A obrigação de prestação de contas reconduz-se, estruturalmente, à obrigação de informação genericamente enunciada no artigo 573.º do CC, e ao princípio de que quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses.

  6. Para além da obrigação de prestação de contas poder emergir directamente de disposição legal [caso do mandatário (art. 1161.º, d) do CC), e do gestor de negócios (art. 465.º, c), do CC)], pode ter como fonte o princípio da boa fé ou o negócio jurídico.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B…, na qualidade de herdeira legitimária e cabeça de casal da herança de C…, falecida em 1 de Maio de 2009, veio propor a presente acção especial de prestação de contas contra D…[1], alegando em síntese: a requerente é filha de C…, como comprava a escritura de habilitação de herdeiros junta aos autos a fls. 16; C… tinha uma outra filha, entretanto falecida: E…; o requerido é filho de E…, neto de C…, e herdeiro desta em representação de sua mãe; o requerido viveu com a sua avó, entre 2001 e 2006; a mãe da requerente e avó do requerido viveu sempre uma vida abastada, rodeada de empregados e com todo o conforto; o requerido vendeu ou levou a falecida avó a vender bens móveis e imóveis, deixando-a numa situação de absoluta miséria, com a electricidade cortada por falta de pagamento, vivendo da caridade do seu antigo motorista F….

    Com os fundamentos referidos, peticiona a requerente: «[…] a apresentação de contas pelo requerido, da administração dos bens da falecida, no período de 2001 a 2006, sob a forma de conta corrente, com especificação das receitas e despesas, menção do respectivo saldo, e sempre com junção dos competentes documentos justificativos, e relativamente aos seguintes actos de gestão:

    1. Valor de 361.628,58€ recebido em 21.08.2003, pelo requerido da G…, Ldª (relativamente à venda do prédio urbano pertencente à falecida, sito na Rua …, nº …, e …, nº .., freguesia …, Concelho do Porto, descrito na CRP do Porto sob o nº 366 e inscrito na respectiva matriz sob o artº 178) e que foi, depositado em conta do requerido, no H… – Agencia …, Porto.

    2. Valor de 140.000,00€ recebidos pelo requerido relativamente à venda das fracções autónomas B e D do prédio urbano inscrito sob o artº 1586, sito na freguesia …, Porto, que o requerido vendeu em representação da falecida avó, a I…, Ldª, em 14.01.2003.

    3. Valor de 69.831,71€, recebido pelo requerido relativamente à venda que efectuou em representação da falecida avó, a J…, em 09.07.2003, do prédio urbano sito em …, Amadora, inscrito na matriz sob o artº 54.

    4. Valores monetários pertencentes à falecida e levantados da conta bancária nº ……….., titulada por C…, no Banco K… que se descriminam: […]» Data nº Cheque Montante 02.05.2001 ……19 250.000$00 23.05.2001 …03 380.000$00 04.06.2001 ……04 300.000$00 28.06.2001 ……06 1000.000$00 02.07.2001 ……99 200.000$00 09.07.2001 ……98 100.000$00 26.07.2001 ……07 300.000$00 31.07.2001 ……08 100.000$00 06.08.2001 ……09 150.000$00 14.08.2001 ……11 82.000$00 11.09.2001 ……12 300.000$00 28.09.2001 ……16 273.000$00 28.09.2001 ……15 300.000$00 30.10.2001 ……17 1246,99€ 02.11.2001 ……18 897,84€ 05.11.2001 ……14 997,60€ 30.11.2001 ……21 1745,79€ 11.12.2001 …..719 349,16€ 12.12.2001 ……22 249,40€ 20.12.2001 ……25 498,80€ 03.01.2002 ……27 1250,00€ 22.01.2002 ……30 500,00€ 30.01.2002 ……31 1500,00€ 26.02.2002 ……33 1200,00€ 28.02.2002 ……34 1500,00€ 26.03.2002 ……36 1750,00€ 29.04.2002 ……29 1500,00€ 30.04.2002 ……41 2000,00€ 21.05.2002 ……44 500,00€ 31.05.2002 ……45 1500,00€ 03.06.2002 ……46 1500,00€ 12.06.2002 ……47 500,00€ 21.06.2002 ……59 250,00€ e) Valores monetários pertencentes à falecia e levantados da conta bancária nº ………….-., do l…, titulada por c…: Data Levantamento Montante 22.06.2001 numerário 100.000$00 08.02.2002 numerário 4400,00€ 03.06.2003 numerário 1100,00€ 03.03.2005 numerário 10.000,00€ 04.03.2005 numerário 8000,00 € 10.03.2005 numerário 5000,00€ f) Valores monetários pertencentes à falecida e levantados da conta bancária nº …….-…-…, do M…, titulada por C…: Data Levantamento Montante 21.02.2002 Outros débitos 4.499,83€ 26.06.2002 ch …..371 1.586,00€ 08.07.2002 outros débitos 4.493,98€ 05.06.2003 transferência 4.569,08€ g) Valores monetários pertencentes à falecida e levantados da conta bancária nº …./……/…, da N…, titulada por C…: Data Cheque Valor 19.03.2004 ……558 1632,48€ 23.04.2004 ……191 2292,86€».

      O requerido contestou a acção (articulado de fls. 93 e seguintes), aceitando prestar contas relativamente ao pedido formulado na al. “c)”, mas negando a obrigação de prestar contas relativamente às demais alíneas por alegado desconhecimento “em absoluto” do aí referido.

      No mesmo articulado prestou contas relativamente à alínea “c)”, confessando que outorgou, em 09.01.2003, em nome da sua Avó, a escritura de compra e venda do prédio urbano submetido ao regime de propriedade horizontal pela inscrição F-um, situado na …, …, número dois, freguesia …, concelho de Amadora, descrito na 23 Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o número quinhentos e cinco, inscrito na matriz da dita freguesia sob o artigo 54, com o valor patrimonial de 5.260,02 Euros. Alega, no entanto o requerido, que a sua avó “em jeito de agradecimento pelo apoio e companhia que o neto sempre lhe deu, entendeu por bem doar tal quantitativo pecuniário ao requerido”.

      A requerente respondeu à contestação (articulado de fls. 181 e seguintes), desistindo quanto ao pedido formulado na al. “b)”, impugnando as contas apresentadas quanto à al. “c)”, e mantendo a sua posição quanto aos pedidos de prestação de contas quanto às alíneas a), d), e), f) e g).

      Alegou a requerente: mantém que o requerido se apropriou indevidamente do valor referido em A), inscrito no cheque no valor de 361.628,58€, emitido pela G… e que lhe foi entregue pessoalmente pelo Dr. O…, e que foi depositado em conta do requerido ou de alguém de quem o requerido se serviu para encobrir o acto, desafiando o requerido a indicar a conta da falecida em que o mesmo foi depositado; o mesmo se diga relativamente às quantias e valores discriminados nas alíneas D, E, F e G do artº 15 da pi.; tais valores foram despendidos pelo requerido naquilo que ele muito bem sabe, e que a sua falecida mãe, E…, não teve problemas em alegar, para fundamentar a acção que intentou para interditar a C… já falecida, os factos que transcreve[2].

      Recebidos os autos na 4.ª Vara Cível, o M.º Juiz proferiu em 12.09.2002 o seguinte despacho (fls. 342): «Apesar do decidido no apenso “A” quanto à competência deste tribunal (aí nada se diz quanto ao facto de o requerido ter também contestado a obrigação de prestar contas nos termos do art. 1014-A do Código de Processo Civil), permitimo-nos insistir que a acção não está ainda pronta para seguir os termos do processo ordinário porquanto, como já dissemos, ainda não foi decidida a questão de se saber se o requerido está ou não obrigado a apresentar contas relativamente às verbas A), D), E), F) e G) do art. 15 da petição inicial.

      Temos assim que, neste momento, o processo se encontra a prosseguir simultaneamente para apreciação de duas fases distintas: 1- Saber se o requerido tem de prestar contas relativamente às verbas acima referidas, o que se processará nos termos do art. 1014 nº 3 do Código de Processo Civil (aplicando-se o disposto no art. 304 do C.P.C); 2- Apreciação das contas apresentadas relativamente às restantes verbas, apreciação a processar nos termos do art. 1017 do Código de Processo Civil (aplicando-se as disposições do processo ordinário de declaração).

      Salvo o devido respeito, não podemos dar seguimento a esta segunda fase sem antes termos decidido a primeira. […]».

      Em despacho proferido em 11.10.2012 (fls. 352, o M.º Juiz reiterou o entendimento expresso no despacho anterior, designado data para a “produção de prova[3]”.

      Foi realizada a inquirição de testemunhas em 14.01.2014 (acta de fls. 458).

      Através do requerimento de 15.01.2014 (fls. 462), veio o requerido arguir a nulidade por omissão de notificação relativamente à junção por parte da requerente, de 23 documentos, em 29.12.2010.

      Em 27.01.2014, foi proferido despacho no qual se indeferiu a arguição de nulidade, concluindo-se: «Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais acima referidas, declarando sanada a irregularidade por omissão de ato (notificação da junção de documentos) julgo improcedente o requerimento do réu para que seja declarado nulo o processado posterior à junção dos documentos de fls. 45 e ss.».

      Na mesma data (27.01.2014), foi proferida sentença (fls. 474 a 482), com o seguinte dispositivo: «Tudo ponderado, nos termos expostos e aos abrigo das disposições legais acima referidas, declarando que o réu D… se encontra obrigado a prestar contas da sua gestão à herança de...

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