Acórdão nº 924/11.0TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução29 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Sumário (da responsabilidade do relator): 1 – Age de má fé e não merece proteção do Direito a sociedade que, representada pelo Presidente do Conselho de Administração, intervém no negócio jurídico de dação em pagamento, aceitando a propriedade de um imóvel que se encontra na titularidade desse Presidente (que, nesta outra qualidade, também intervém na escritura) quando este mesmo estava obrigado, enquanto fiduciário, a não dispor do imóvel. 2 – Não age em abuso de direito quem reclama judicialmente o pagamento de um mútuo feito há catorze anos e sem observância da forma legal.

Processo 924/11.0TVPRT.P1 Recorrente – B… Recorridas – C…, por si e em representação da Herança aberta por óbito de D… Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 - Relatório 1.1 – Os autos na 1.ª instância C…, por si e na qualidade de cabeça de casal da Herança aberta por óbito de D…, instaurou esta ação declarativa e, demandando B…, E… e F…, SA, pediu a) a condenação dos primeiros réus a cumprirem o “pactum fiduciae” transmitindo a titularidade da fração para as demandantes; b) a condenação dos mesmos a distratarem a hipoteca que incide sobre a fração e ainda c) que seja declarado nulo o contrato de dação em cumprimento celebrado entre o primeiro réu e a segunda ré ou, em alternativa, d) Serem os primeiros réus condenados a pagar às demandantes o valor que quantifica na quantia mínima de 316.660,50€, sem prejuízo de eventual ampliação do pedido com a valorização da fração no decurso da ação e e) Mais serem os primeiros réus condenados a pagarem à autora a quantia de 222.092, 86€, acrescida de juros moratórios, contados desde a citação.

Fundamentando a pretensão, a autora alegou o que ora se sintetiza: - É viúva do falecido D…, com quem foi casada em comunhão geral e desse casamento nasceram o 1.ª réu e G…. Em 1989, autora e marido pretendiam comprar uma fração autónoma sita no Porto, mas havia risco de reverterem sobre ambos dívidas da sociedade de que eram sócios, pelo que ponderaram que a fração ficaria em nome da filha. Com a concordância desta foi feito assim o negócio e a autora e o marido passaram a habitar a fração. Passados quatro anos, a filha pretendeu casar e o risco e reversão fiscal mantinha-se; por isso, ponderaram transmitir a fração ao filho, aqui 1.º réu, então divorciado. Com a concordância deste e da filha, esta procedeu à transmissão, declarando vender a fração ao irmão, o qual, tal como anteriormente a irmã, nunca a habitou.

- No entanto, a partir de 2008, o 1.º réu passou a intitular-se dono da fração e recusou-se transmitir a sua titularidade para a autora e para a herança (em 2000 faleceu o marido da autora e pai do 1.º réu) e contraiu, juntamente com a atual mulher, um mútuo junto da H…, com garantia bancária sobre a fração e, posteriormente, transferiu a sua propriedade para a sociedade, 2.ª ré, na qual preside ao Conselho de Administração.

Os réus – conjuntamente – contestaram a fls. 72 e ss., igualmente reconvindo. Referem que a autora e seu marido também foram acionistas da sociedade contestante e que, logo por ocasião da morte do pai do 1.ª contestante acordam na partilha e este réu foi cumprindo, com entregas de dinheiro, até 2008. Até 2008, a sociedade e o réu por interposta pessoa entregaram à autora e à irmã daquele as quantias de 837.980,64€ e de 167.595,68€, além do ordenado da empregada doméstica (64.000,00€) da autora e do uso, por esta, de um veículo propriedade da sociedade. Além disso, os primeiros réus avalizaram as operações bancárias da sociedade e pagaram o passivo da empresa. A conta do L… era pertença da sociedade e foi a autora quem pediu ao filho para dela ser titular; o réu e a sociedade pagaram dívidas que eram próprias da herança e autora sempre teve cartão de crédito e cheques da conta que pertencia à empresa. A autora sempre soube da necessidade da hipoteca da fração, em razão da situação económica da sociedade e, se é certo que foram os pais quem pagou a fração, o 1.º réu, por si e por intermédio da empresa, “já pagou a casa dez vezes”, casa que, conforme declaração da autora, nunca integraria o acervo hereditário. Em reconvenção, os contestantes pedem a condenação da autora “a pagar à ré F… e ao réu B… a quantia global de 921.980,64€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento”.

A autora replicou a fls. 171 e ss. Estranha que os réu invoquem um “acordo de partilha” e não reconvencionem, nem sequer cautelarmente, a restituição dos montantes entregues em cumprimento daquele, o que traduz uma contradição entre o pedido e a causa de pedir reconvencionais. No mais, diz desconhecer se é sua a assinatura aposta no documento junto com a contestação e, se foi, não foi aposta com a noção do que o documento continha, pois é de notar que a filha (irmã do 1.ª réu) não foi “convidada” a assinar documento semelhante, o qual, seja como for, é nulo por falta de forma e revela uma acordo de partilha leonino, ou seja, padece de fraude à lei. Impugna os demais documentos juntos e afirma que as entregas feitas a si e à sua filha não tinham como fonte o pretenso acordo de partilha. Conclui que a reconvenção deve ser julgada não provada e improcedente.

Os réus treplicaram, afirmando que a autora bem soube o que assinou e que o fim da sociedade nunca seria a concessão de benefícios: os pagamentos derivavam do acordo que agora é impugnado pela demandante, mas, a fls. 194/196 a autora peticionou o desentranhamento do articulado dos réus, porque a considera legalmente inadmissível.

A fls. 205 e ss. a autora apresentou articulado superveniente. Invocando ter tido conhecimento de uma penhora sobre a fração, a favor da Segurança social, amplia o pedido e peticiona que os réus também sejam condenados “a distratar a hipoteca legal a favor do Instituto da Segurança Social, IP – Centro de Aveiro.

A fls. 229/230, em sede de audiência preliminar o articulado superveniente foi liminarmente admitido. A fls. 235/236, na mesma sede e na continuação da audiência preliminar, foi dado conhecimento aos autos da insolvência do 1.º réu[1] e a audiência foi interrompida. Depois de nova audiência preliminar, os autos foram saneados. No pertinente despacho, ordenou-se o desentranhamento da tréplica e fixou-se o valor da causa; declarou-se, em parte, inepta a reconvenção, mas admitiu-se a mesma (somente) “quanto à importância de €837.980,64”. Fixou-se a matéria assente e elaborou-se base instrutória. Foi admitida a prova e juntos vários documentos. Teve lugar a audiência de julgamento que a ata de fls. 557/559 documenta e, conclusos os autos (fls. 560 e ss.) foi proferida sentença (que inclui a matéria de facto provada e a aplicação do Direito) na qual se decidiu “I) - julgar procedente a presente ação e em consequência: a) - declarar nulo o contrato de dação em cumprimento celebrado entre o 1.º réu e a 2.ª ré; b) - condenar os 1.os réus a transmitir a titularidade da identificada fração autónoma para a esfera jurídica das demandantes e bem assim a distratar as hipotecas que presentemente oneram essa fração; c) - condenar os 1.ºs réus a pagar às autoras a quantia de €222.092,86 (duzentos e vinte dois mil noventa e dois euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, a contar da citação e até efetivo embolso.

II) - julgar improcedente o pedido reconvencional, em consequência do que se absolvem as autoras do mesmo”.

1.2 – Do recurso Inconformados, os réus apelaram. Entendem que deve declarar-se “Nula a sentença, ou em alternativa, proferido acórdão que a revogue” e formulam as seguintes Conclusões: 1 - Os réus juntaram uma declaração da autora C… onde consta claramente a assinatura dela (não foi posta em causa a sua genuinidade nem do conteúdo nem da assinatura) onde claramente se refere a quantia que esta já recebeu do 1.º réu, seu filho.

2 - Por outro lado, tal documento foi confirmado pelas testemunhas da própria autora que fizeram prova cabal e plena do teor do documento e da assinatura pois conforme se poderá ler as testemunhas I… e J… confirmaram que o 1.º réu ia amiúde visitar a sua mãe levando consigo documentos que esta assinava por confiar no seu filho.

3 - É portanto evidente que o seu filho, antes de dar a assinar qualquer que fosse o documento lhe explicava o que estava assinar.

4 - Ou seja, o Exmo. Juiz decidiu que muito embora a sua mãe confiasse no réu, que este era visita amiúdes vezes lá de casa, o seu filho a enganou, o que salvo o devido respeito, é presunção retirada que nada corresponde à vida normal de uma família e da relação entre mãe e filho.

5 - E decide que “pese embora esta factualidade propendemos pois para dar como não provadas as referidas afirmações de facto”, mas realmente foram as próprias testemunhas da autora que, esclarecidamente e sem mais rodeios, vieram confirmar o teor do documento e que era usual o primeiro réu entregar documentos para a sua mãe assinar.

6 - Ora a normalidade da vida ensina-nos que alguém que pede a outro para assinar o documento em questão, no mínimo explica o seu conteúdo e a finalidade do mesmo e se a sua mãe assinou tal documento com um juízo de probabilidade quase certo que sabia o seu conteúdo e para o que serviria.

7 - Sendo assim, outra deveria ter sido a decisão no que tange a estes factos (da base instrutória 21 a 25) dando-os como provados porque – repita-se – confirmado pelas próprias testemunhas arroladas pela Autora.

8 - Ora, ao decidir precisamente por não provados estes factos e tendo em conta a factualidade dos autos, errou o Tribunal na decisão sobre a matéria de facto pelo que nos termos do artigo 662 n.º 2 esse Tribunal deve alterar a decisão proferida sobre essa matéria.

9 - No anterior Código Processo Civil, foi esta a orientação seguida pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.03.1983, em cujo sumário se lê: "Da conjugação dos artigos 653º, nº 2 e 3, e 712º, nº3...

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