Acórdão nº 2265/12.6TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução22 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Sumário do acórdão proferido no processo nº 2265/12.6TBMAI.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: 1. A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito ou conclusiva determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.

  1. Se a entrega da mercadoria for efectuada mediante transporte terrestre mas no âmbito de um contrato de transporte aéreo, presume-se, salvo prova em contrário, que o dano resultou de evento ocorrido durante o transporte aéreo.

  2. No domínio da Convenção de Montreal, aprovada pelo Decreto nº 39/2002, de 27 de Novembro de 2002, publicado no nº 274 da primeira série do Diário da República, a exclusão da limitação da obrigação de indemnizar a cargo da transportadora prevista no nº 5, do seu artigo 22º, só se verifica relativamente a danos em passageiros e em bagagens destes, não operando relativamente a mercadorias.

    *** * *** Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório A 09 de Abril de 2012, via fax, B…., SA instaurou nos Juízos de Competência Especializada Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Maia acção declarativa sob foram sumária contra C…., SA pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 7.167,00, acrescida de juros de mora à taxa legal.

    Em síntese, para fundamentar a sua pretensão, a autora alegou ter contratado a ré, na qualidade de transportadora, para proceder ao transporte urgente de uma mesa de mistura, de Lisboa para Madrid; a mesa de mistura foi acondicionada em Lisboa como mercadoria frágil em perfeito estado de conservação e funcionamento e foi recepcionada em Madrid com danos na embalagem e na mesa de mistura, tendo a autora despendido na sua reparação a quantia de € 7.167,00; depois de ter reclamado à ré o pagamento daquilo que despendeu na mesa de mistura, foi informada por esta que a sua responsabilidade era limitada ao montante de vinte e dois euros por quilograma, aceitando a ré pagar por força dessa limitação apenas o montante de € 363,00; ao não procederem à protecção da mesa de mistura assinalada como mercadoria frágil, os colaboradores da ré conformaram-se com a probabilidade da mesma sofrer danos.

    Efectuada a citação da ré, esta veio contestar, impugnando a generalidade da factualidade articulada pela autora, alegando que a autora não fez constar da carta de porte a fragilidade da mercadoria transportada, que a responsabilidade pela embalagem da mercadoria é do expedidor, que, em todo o caso, a responsabilidade da ré se acha legalmente limitada, não tendo por isso qualquer obrigação de informar a autora dessa limitação, tendo pago à autora o montante que estava legalmente obrigada a pagar, concluindo pela total improcedência da acção.

    Não se realizou audiência preliminar, proferiu-se despacho saneador tabelar, não se procedeu à selecção da matéria de facto e fixou-se o valor da causa no montante de € 7.167,00.

    As partes ofereceram as suas provas, requerendo ambas a gravação da audiência final.

    A 19 de Abril de 2013, realizou-se audiência de discussão e julgamento e a 24 de Abril de 2013 respondeu-se à matéria vertida na petição inicial e na contestação.

    A 29 de Janeiro de 2014, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente, sendo a ré condenada nos exactos termos peticionados pela autora.

    A 17 de Março de 2014, inconformada com a sentença, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1 - Entre a recorrida e a recorrente foi celebrado um contrato de transporte, com local de origem Portugal, Lisboa, e local de destino Espanha, Madrid.

    2 – Conforme resulta do n.º 29 dos factos provados foi utilizado o transporte aéreo.

    3- Pelo que é aplicável a Convenção Para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, vulgo Convenção de Montreal, ratificada pelo Estado português através do Decreto nº 39/2002, de 27 de Novembro..

    4- Nos termos do n.º 1 do art.1 da referida Convenção “ A presente Convenção aplica-se a todas as operações de transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias em aeronave efectuadas a título oneroso. (…)” 5- O Tribunal a quo, não obstante ter dado como provado que se tratou de um transporte aéreo, na aplicação do direito entendeu em sentido completamente diverso.

    6- A aplicação da Convenção, enquanto direito internacional, sobrepõe-se às normas de direito interno, consoante o imperativo constitucional do Art.8º da CRP.

    7- O Tribunal a quo, na aplicação do direito, em completa contradição com o que havia referido e dado como provado, entendeu que “o regime destes diplomas trata, fundamentalmente, de obrigações do transportador aéreo. E no caso da situação litigiosa em análise, jamais se falou do transporte aéreo e de embarque ou desembarque da aeronave”.

    8- A alínea c) do nº1 do art. 615º do C.P.C. considera nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

    9- No caso em apreço é manifesta esta contradição, uma vez que num 1º momento dá como provado o facto de se tratar de um transporte aéreo, para em momento posterior da decisão considerar não se estar presente um transporte aéreo.

    10- Estão assim os fundamentos da sentença em clara contradição com a decisão tomada, pelo que enferma aquela de evidente nulidade.

    11- Caso assim não se entenda, sempre haverá erro do julgador no tocante ao direito aplicável ao caso concreto.

    12- O tribunal a quo considerou provado “Quando a mesa de mistura foi acondicionada e expedida, em Lisboa, encontrava-se em perfeito estado de conservação e funcionamento, tal como estava íntegro e seu invólucro”.

    13- Da prova produzida em sede de audiência de julgamento resulta que nenhuma das testemunhas inquiridas assistiu ou procedeu ao embalamento da mercadoria.

    14- Resultou apenas da prova produzida que foi solicitado caixa e plástico-bolha para o embalamento da mercadoria por parte do expedidor.

    15- Tratando-se a mercadoria a transportar de peça electrónica composta por mesa de mistura de som e seus componentes, parece que o mero recurso ao papel de bolha e caixa não teria a aptidão necessária a proteger tal mercadoria.

    15- No decorrer do transporte são naturais choques e vibrações.

    16- O embalamento e acondicionamento tem de ter a virtualidade de amortecer tais situações.

    17- A mera menção de frágil no exterior da caixa não é por si só susceptível de afastar a responsabilidade pelo deficiente embalamento ou acondicionamento da mercadoria.

    18- Devendo ter sido considerado provados os arts. 14º a 16º da contestação.

    19 - Da prova produzida não se retira fundamento para o Tribunal a quo ter dado como provado que a mercadoria transportada, no momento em que foi acondicionada e expedida, se encontrava em pleno estado de conservação e funcionamento.

    20- Nada aponta no sentido de que os danos na estrutura da mesa não fossem já anteriores à sua expedição, nem que a referida mesa de mistura de som estivesse em bom estado de conservação.

    21-Assim, não tendo nenhuma das testemunhas assistido ao embalamento da mercadoria, nem atestado o estado de conservação e funcionamento da mesma, considera-se o ponto 7 dos factos provados indevidamente provado.

    22 - O quesito 8º da P.I deveria ter sido dado como não provado.

    23- Tal circunstância levaria certamente a decisão diferente na questão relativa à responsabilidade da recorrente.

    24- Considerou o Tribunal a quo, no ponto 26 da matéria de facto dada como provada, que “não existe qualquer campo no verso da carta de porte onde o contraente possa apor a sua assinatura em sinal de assentimento ao seu conteúdo como prova de lhe terem sido referidas ou explicadas tais menções, o que seria a única forma de garantir que o contraente havia tomado conhecimento das condições aplicáveis ao contrato”(sublinhado nosso).

    25- Tendo assim considerado provada a factualidade constante do quesito 39º da matéria alegada na petição inicial.

    26- O desconhecimento que a recorrida alegava era a cláusula de limitação da responsabilidade.

    27- A Convenção de Montreal prevê no seu art.22º, nº3 a responsabilidade limitada pelo peso da mercadoria no caso de dano causado nos objectos transportados.

    28- A referida limitação tem natureza legal e não contratual.

    29- A recorrente não tinha a obrigação de informar a recorrida da limitação de responsabilidade.

    30 - O desconhecimento da lei não aproveita, nos termos do disposto no art. 8º do Código Civil.

    31- Não é de aceitar o ponto 26 dos factos provados, pois não é verdade que seria a única forma de garantir que o contraente havia tomado conhecimento das condições aplicáveis ao contrato.

    32- O quesito 39º relativo à matéria alegada na petição inicial deveria ter sido considerado não provado.

    33- Nos termos da Convenção de Montreal, o embalamento da mercadoria é da responsabilidade do expedidor, conforme resulta, a contrario sensu, do disposto na alínea b), do nº 2, do art. 18º da Convenção.

    34 - A simples menção, na embalagem do produto, de que este é frágil, não exime a responsabilidade da recorrida pela incorrecta e inadequada informação prestada ao transportador, inscrevendo tais características de fragilidade na carta de porte.

    35- Foi a autora que procedeu à embalagem da mercadoria 36- A recorrida não obedeceu ao especial dever de cuidado no embalamento e acondicionamento da mercadoria considerada frágil.

    37- O incumprimento do dever de embalar convenientemente a mercadoria faz incorrer o expedidor em responsabilidade perante o transportador, pelos danos originadas pelo defeito da embalagem da mercadoria.

    38- Os danos, a terem ocorrido, resultam da incapacidade da embalagem em assegurar a protecção da mercadoria.

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