Acórdão nº 510/12.7JAPRT.P3 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução24 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 510/12.7JAPRT.P3 Círculo Judicial de Chaves – Comarca de Boticas Acordam, em Conferência, as Juízas desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório No Círculo Judicial de Chaves – Comarca de Boticas, no processo comum colectivo nº 510/12.7JAPRT, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo sido proferida acórdão com o seguinte dispositivo: Por tudo o exposto, os Juízes que constituem este tribunal coletivo decidem assim:1º

  1. Julgam a acusação improcedente, por não provada, quanto ao crime de homicídio qualificado de que o arguido se encontrava acusado.

  2. Convolam, no entanto, a acusação para o crime de ofensa à integridade física qualificada, agravado pelo resultado, da previsão dos arts. 144º, al. d), 145º, nº 1, al. b) e nº 2 e 147º, nº 1, todos do Código Penal e, consequentemente, condenam o arguido B…, pela prática do referido crime, na pena de 12 (doze) anos de prisão.

    1. Mais condenam o arguido a pagar as custas do processo, fixando em 4 (quatro) UC a taxa de justiça.

    2. Julgam parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante C… e, consequentemente condenam o arguido a pagar à demandante a quantia global de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos, quantia à qual acrescerão juros, à taxa legal, a contar desde a notificação do pedido, absolvendo o demandado do restante peticionado.

    3. Condenam demandante e demandado a pagar as custas do pedido civil, na proporção do decaimento.

    4. Ordenam a remessa de boletim ao registo criminal, após o trânsito deste acórdão, no que respeita à condenação do arguido, nos termos do art. 5º, nº 1, al. a) e nº 3 da Lei nº 57/98 de 18/08.

    5. Declaram perdido, a favor do Estado, o objeto apreendido e que serviu para a prática do crime.

      ***Inconformado com a decisão condenatória o arguido veio interpor o presente recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1.ª - Vem o recorrente condenado em 12 anos de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, agravado pelo resultado, p. e p. pelos artigos 144.º, al. d), 145.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, e art.º 147.º, n.º 1, todos do Código Penal.

      1. – A decisão enferma, no entender do recorrente, de erro manifesto na apreciação da prova.

      2. - O Tribunal julgou incorrectamente a matéria de facto considerada provada no 3.º parágrafo, a fls. 3 do acórdão, impondo os depoimentos das testemunhas D…, E… e F…, nas passagens acima transcritas para onde se remete e que aqui se dão por reproduzidas, a consideração da mesma como não provada.

      3. - Do depoimento da testemunha E…, não pode extrair-se que tivesse sido o arguido a produzir o som de “pancada seca” a que aí se alude.

      4. - Não existe qualquer testemunho ou outro meio de prova donde se possa, em face de critérios de normalidade e experiência comum, extrair se o dito som derivou da utilização de algum objecto ou se derivou da queda de algum objecto ou da queda de alguém.

      5. – Os depoimentos das testemunhas E…, D… e F…, todos residentes porta com porta com o arguido, divergem no tipo de barulhos, hora da sua produção e local de origem.

      6. - No facto considerado provado ora em apreciação, refere o Tribunal que (…) e deixou de ouvir o arguido a gritar com a ofendida”, quando, conforme resulta do depoimento da testemunha E…, supra já transcrito, o mesmo refere “quando eram para aí 2.30h, 3 horas, senti uma pancada forte. (…) e depois ouvia-se coisas a arrastar até por volta das 4h, 4:30h quando a acabou (…) o barulho. (…) Mesmo depois dessa pancada ouvia-o a chamar filha da puta.”.

        9-ª - Mais estranho ainda é o facto de, existindo o tal barulho que parecia uns armários a cair pelas escadas abaixo, barulho este que, a existir, num período nocturno, onde o silêncio impera, e onde as moradias são todas ligadas, as vizinha/testemunha F…, que mora duas portas adiante tenha ouvido tão tamanho barulho e a vizinha/testemunha D…, que mora paredes meias com a casa do arguido, apenas tenha ouvido uns arrastões.

      7. - Daí que, face à imprecisão e contradição entre estes depoimentos, tais factos devam ser objecto de decisão diversa e serem considerados como não provados, em plena consagração do princípio in dubio pro reo.

      8. - O Tribunal julgou incorrectamente o facto constante no 4.º parágrafo de fls. 3 do acórdão, impondo os depoimentos das testemunhas D…, E…, G…, H… e C…, todos acima transcritos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, a consideração como não provados do mesmo.

      9. – Face a tais depoimentos conclui-se que não existe qualquer meio de prova, directo ou indirecto, que permita fundar tal decisão, nenhuma das testemunhas inquiridas pelo Tribunal Colectivo viu os factos ou experimentou pelos sentidos algo que permita concluir que o arguido tenha atingido a sua mulher com qualquer objecto, pois todas elas estavam dentro da respectiva residência e durante todo aquele período nocturno, não viram nem o arguido, nem a D. I…, nem estiveram dentro da habitação destes.

      10. - Em termos de meios de prova directos, o arguido negou ter praticado tais factos, estando as suas declarações, acima transcritas, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início às 10h34 e termo às 11h09, conforme ata da Audiência de Julgamento de 11 de Outubro de 2013.

      11. - O Tribunal Colectivo entendeu não só que foi o arguido que desferiu um golpe na cabeça da vítima, como entendeu, também, que o fez utilizando um machado para o efeito, cfr. dois últimos parágrafos a fl. 14 do acórdão.

      12. - É uma linha de raciocínio que, salvo o devido respeito, transfigura pré-compreensões da realidade em lógica dedutiva.

      13. - É que dizer-se que a vítima apresentava marcas de agressão na cabeça para se concluir que foi o arguido quem a agrediu configura uma tautologia, pois o que a vítima apresenta na cabeça são lesões, que tanto podem resultar de agressão como de acidente, mormente, queda.

      14. - Nenhum elemento de prova existe que permita concluir que tais lesões lhe tenham sido infligidas por outra pessoa, daí que, naturalmente, a mera existência das lesões seja insuficiente para se concluir que foi o arguido quem as provocou, com discussão, ou sem discussão.

      15. - Com efeito, sendo frequente haver discussões entre o arguido e a vítima, não foram várias as testemunhas que ouviram ameaças, pelo contrário, as testemunhas D…, cujos depoimentos estão acima transcritos e aqui se dão por reproduzidos, nunca ouviram qualquer ameaça.

      16. - No que se refere à alegação do Tribunal de que “o facto de a vítima apresentar marcas de agressão na cabeça, não deixaram dúvidas de que o arguido a agrediu com o objecto identificado nos autos”, fundamentando-se no facto de “A vítima foi agredida na cabeça com um objecto corto contundente, como se refere no relatório da autópsia, objecto esse que foi apreendido e apresenta vestígios de sangue, como resulta de fls. 390 a 391 dos autos”. (cfr. 1.º parágrafo a fls. 15 do acórdão), o Tribunal Colectivo extraiu, por ilação, dos demais factos que apurou, que o arguido terá atingido a sua mulher na cabeça com um objecto e que esse objecto é o machado que foi apreendido (fls. 72) e que lhe provocou hemorragia.

      17. - Entendeu de tal forma o Tribunal Colectivo, em primeiro lugar, porque “várias foram as testemunhas que ouviram uma discussão nessa noite, com insultos e ameaças por parte do arguido” e, em segundo lugar, porque a esta situação se aliava “o facto de a vítima apresentar marcas de agressão na cabeça”.

      18. - Começando por esta segunda razão, entende o arguido que, na medida em que nenhuma prova foi produzida de que tivesse agredido a sua falecida mulher com um objecto, e muito menos com o objecto referido, nenhum ónus recai sobre si de comprovar a forma como esta adquiriu a lesão em causa.

      19. - Conforme resulta do relatório de fls. 390 a 391, a conclusão da análise efectuada foi que “No machado detetaram-se leves vestígios de sangue (….). A análise de DNA será efectuada se nos forem enviadas amostras referência do interveniente (…).

      20. - A parte do machado que seria compatível com a lesão seria a parte de trás, ou seja, a parte que não tem lâmina.

      21. - Como se constata do relatório do exame pericial referido, o local onde foram encontrados os leves vestígios de sangue não é na referida “parte de trás”. Logo, os vestígios, leves, existentes estavam em local não compatível com a lesão.

      22. - Desconhece-se a quem pertence o sangue ali existente, nenhuma prova existindo que o mesmo pertencia à vítima, para além de se desconhecer como lá foi parar, e a quantidade de sangue que a vítima perdeu, no interior da casa, certamente contaminou um sem número de objectos aí existentes.

      23. - Impõe-se, por isso, que tais factos sejam objecto de decisão diversa e serem considerados como não provados, em plena consagração do princípio in dubio pro reo.

      24. - Ao contrário do que o Tribunal decidiu, referindo que “A vítima foi agredida na cabeça com um objecto corto-contundente, como se refere no relatório da autópsia (…)”, cfr. 1.º parág. fls. 15 do acórdão, as conclusões periciais constantes no relatório da autópsia, e esclarecimentos prestados, impõe decisão oposta.

      25. - A lesão na cabeça da Sra. D. I…, tanto era compatível com agressão, como com queda, conforme relatório da autópsia de fls. 348 a 355: “5. As lesões traumáticas (atrás descritas) foram produzidas por traumatismo de natureza corto-contundente, ou como tal actuando, como o pode ter sido devido a agressão ou a queda, não sendo mortais (!!!).” (Sublinhado, destaque, negrito e itálico nossos).

      26. - A testemunha J…, Inspector da PJ, com depoimento, acima transcrito, a iniciar às 15h58 e termo às 16h14, refere que “(…) Em relação à forma como a senhora apresenta a lesão que lhe terá causado a morte, a minha opinião sincera, desde sempre, é de que não havia prova alguma concorrente que indiciasse que pudesse ter sido o marido o seu autor. (…) Não foi encontrado, não foi identificada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT