Acórdão nº 249/14.9TJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Abril de 2015
Magistrado Responsável | MANUEL DOMINGOS FERNANDES |
Data da Resolução | 27 de Abril de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 249/14.9TJPRT.P1-Apelação Origem: Juízos Cíveis do Porto, 2º Juízo Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues Sumário: I- O ónus imposto ao recorrente que impugna a matéria de facto constantes do artigo 640.º do CPCivil, teve em vista essencialmente a situação em que a pretensão daquele se funda na existência de provas que conduzem a um resultado probatório diferente daquele que foi acolhido na decisão sob censura.
II- Porém, estes casos não esgotam todo o universo das situações passíveis de motivar o inconformismo contra a decisão de facto, pelo que, o erro no julgamento da matéria de facto pode derivar simplesmente do meio de prova aduzido para fundamentar a decisão do ponto de facto impugnado não conduzir a tal resultado probatório.
III- Verifica-se uma situação de sobresseguro sempre que, ab initio ou no decurso do contrato, o objecto do seguro tenha um valor inferior ao declarado, ou seja, um valor inferior àquele pelo qual se encontra seguro.
IV - A questão do sobresseguro e a consagração do princípio do indemnizatório, que vinha sendo objecto de expressa regulação no artigo 435.º do CComercial, é actualmente regulada pelo DL n.º 72/2008, de 16-04, nos seus artigos 128.º e seguintes.
V- No âmbito do contrato de seguro de danos próprios nada impede que as partes estipulem o valor do bem objecto do contrato de seguro e, quando isso ocorrer, ainda que não tenha sido acordado que esse era o valor a indemnizar em caso de colisão do veículo de que resulte a sua perda total, o segurado não tem de provar qual o valor do bem, bastando-lhe provar, como elemento constitutivo do seu direito, que o valor do bem objecto do seguro foi fixado por acordo ou pela seguradora.
VI - O segurado só tem de provar o valor do bem na data do sinistro quando o valor tenha sido indicado por ele aquando da celebração do contrato.
VII- Sendo o valor fixado pelo agente da seguradora, recai sobre esta o ónus de provar que, na data do furto, o valor real do bem era inferior ao valor constante da apólice.
VIII- Todavia, isso já não será assim se, dentro do princípio da liberdade contratual, a apreciação do valor do veículo para efeitos de danos próprios e em situações de perda total tiver sido convencionada pelas partes, havendo então que atender a esse valor.
IX- São coisas distintas o valor seguro do valor em risco, o primeiro corresponde ao valor do capital seguro contratado entre as partes e, como tal, ao limite até ao qual a seguradora se obriga a indemnizar o seu segurado em caso de verificação do risco (acidente, furto, roubo, incêndio, etc.) e o segundo ao valor do objecto seguro à data do sinistro e, como tal, ao valor que a seguradora se obriga, em concreto, a pagar ao seu segurado (descontado de eventuais franquias e, eventualmente, valor do salvado) em caso de verificação do risco, que está, aliás em consonância com o princípio indemnizatório consagrado nos artigos 128.º e 130.º do RJCS.
*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, residente na Rua …, … A–. Dtº, Porto, intentou a presente acção com processo comum contra C…, Companhia de Seguros, …., com sede na Rua …, .., pedindo a sua condenação a pagar-lhe as seguintes quantias: - € 20.300,00 (vinte mil e trezentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data em que a Ré deveria ter efectuado tal pagamento ao Autor: 21 de Outubro de 2013, até à data em que efectue o mesmo; - € 1.000,00 (mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento; - a quantia diária de € 20,00 (vinte euros), contados desde a data do acidente (21/09/2013), até à data em que a Ré pague ao Autor a quantia referida na alínea A) do presente pedido; - A Ré ser condenada a pagar ao Autor, ou à oficina “D…”, a importância por aquela reclamada, e devida a título de ocupação do espaço da viatura na referida oficina, quantia que, por ainda estar em curso, se relega a sua liquidação para execução de sentença.
Para suportar tais pedidos verteu a factualidade constante da petição inicial.
*A Ré contestou nos termos que constam do respectivo articulado.
*Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.
*A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente, por provada, a presente acção e consequentemente condenou a Ré a pagar ao autor, a quantia de € 17.324,00 (dezassete mil trezentos e vinte e quatro euros), acrescida de juros moratórios à taxa que em cada momento vigorar por força da Portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civil, a partir a partir de 21 de Outubro de 2013 e até ao efectivo pagamento bem como a quantia de a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), acrescida de juros moratórios à taxa que em cada momento vigorar por força da Portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civ., a partir a partir da notificação da presente decisão e até ao efectivo pagamento.
*Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: I- A apreciação do valor do veiculo para efeitos de danos próprios e em situações de perda total foi convencionada pelas partes contratantes no contrato de seguro em causa, mediante a contratação peio apelado da dita Condição Especial 07, após a declaração pelo mesmo, aquando da celebração do contrato de seguro, do valor seguro por si atribuído ao veículo JG, englobando, designadamente, os critérios de desvalorização do veículo que a dita Condição Especial (E expressamente consagrava no seu clausulado.
II- As partes contratantes estipularam, por acordo expresso em sede de cláusulas particulares-como é a Condição Especial 07-um ouro valor segurável, no caso, o valor constante, afastando-se do regime previsto no Decreto Lei 214/97, de 16 de Agosto, de € 20.000,00, depois acrescido dos € 300,00 relativo a acessórios, com os respectivos critérios de desvalorização plenamente aplicáveis à situação era apreço, o que tudo sempre teria a consequência, como teve, e como também teria a aplicacão do regime previsto no indicado Decreto-Lei que levaria à aplicação tout court da tabela ele desvalorização prevista em anexo às Condições Gerais do contrato de seguro-de, atento o lapso de tempo decorrido entre o início da vigência do contrato de seguro e a data do sinistro objecto dos autos, o valor em risco/valor real do veículo ser necessariamente inferior ao valor seguro convencionado para o mesmo III. A acrescer, a valorização do veículo JG tu € 20.000,00 em Junho de 2013 conforme alega e prova o tribunal recorrido-ou seja, pelo mesmo valor que tinha em novo, em 2010-afigura-se como uma manifesta impossibilidade sem qualquer apoio nos meios de prova produzidos nos autos.
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Face ao exposto e no uso dos poderes previstos no art° 662° do CPC, deverá este tribunal alterar a resposta dada ao facto vertido no ponto 30° da matéria de facto dada como provada, dando-o como provado.
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O apelado pagou à apelante o prémio respectivo decorrente: a) do valor seguro do veículo e extras declarado ab initio pelo próprio apelado aquando da celebração do contrato de seguro; b) lições contratadas pelo próprio apelado aquando da celebração do contrato de seguro, segundo as quais o valor seguro se mantinha estabilizado ao longo da vigência da cobertura; c) e do conjunto total das coberturas contratadas e respectivos valor seguros que configuravam o capital seguro total do contrato em causa, constantes das condições particulares já juntas aos autos, das quais fazia parta a cobertura de danos próprios, no sobredito valor concreto.
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Face ao exposto e no uso dos poderes previstos no art° 662° do CPC, deverá, como tal, este tribunal alterar, por não encontrar respaldo nos meios de prova produzidos, a matéria de facto dada como provada sob os factos 31° e 32°, fixando-os no seguinte: “31 - O valor do prémio da apólice a pagar pelo Autor foi calculado tendo por base as coberturas e condições contratadas pelo mesmo, entre elas, a cobertura por danos próprios no veículo JG com o capital seguro de € 20.000,00 (vinte mil euros) mais € 300,00 (trezentos euros); 32° - Tendo o Autor pato, à R4 os prémios devidos em função das referidas coberturas e condições contratadas pelo mesmo”.
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O capital seguro da cobertura em causa, de acordo com o estipulado para a condição contratada de extensão de danos próprios corresponderia, ao longo da sua vigência, ao valor de catálogo do veículo, à data de registo da primeira matrícula, sendo que, o veículo JG foi adquirido em Junho de 2010, em estado de novo, pelo valor de € 20.000,00, sendo este, como tal, o valor de catálogo do veículo à data da sua aquisição, porquanto correspondente ao valor de venda do mesmo e naquela mesma data foi o veículo JG objecto de registo da primeira matrícula.
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Ao abrigo das condições contratadas entre as partes, o valor do veículo em causa, porque este, à data do sinistro, tinha entre dois e quatro anos de antiguidade, mais precisamente três anos e quatro meses, estava sujeito à desvalorização prevista naquela condição especial, ou seja, 1% por cada mês decorrido entre a data da 1ª matrícula e a data do sinistro, sendo que, entre uma e outra data decorreram, assim, 40 meses, o que se traduziu num valor total de desvalorização a considerar de € 8.000, pelo que, nessa medida, valor do veículo seguro, à data dos factos, o de € 12.000. de acordo com as condições contratadas pelo apelado junto da apelante e sem prejuízo da franquia aplicável e do facto dos salvados-avaliados em € 2.570,00-terem ficado na posse do apelado.
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Face ao exposto, e no uso dos poderes previstos no art° 662° do CPC, deverá este tribunal alterar a resposta dada ao facto vertido no artigo 24° da contestação da apelante, dando o mesmo como provado.
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Apenas as condições particulares do contrato de seguro em causa foram alteradas, aumentando o seu âmbito de cobertura, a pedido do apelado...
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