Acórdão nº 466/13.3PAGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA LU
Data da Resolução22 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º466/11.3PAGDM.P1 Acordam, em conferência, os juízes na 1ªSeccção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO Nos autos de instrução n.º466/11.3PAGDM do 2ºJuízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar (entretanto extinto), foi proferido despacho de não pronúncia das arguidas B… e C…, pelo crime de abuso de confiança p. e p. pelo art.205.º n.º1 do C.Penal que o assistente D… lhes imputou no requerimento de abertura da instrução.

Inconformado com a decisão, o assistente interpôs recurso, extraindo da motivação, as seguintes conclusões (transcrição): I – O douto despacho de não pronúncia de que ora se recorre assentou, fundamentou-se essencialmente na inexistência de indícios suficientes de que a quantia de 4000,00 € em questão tivesse sido entregue a uma das Arguidas e, ainda, de que tivesse entrado nos cofres da empresa.

II – O Recorrente, contrariamente à Mma. Sra. Juiz de Instrução, e salvo o devido respeito, considera existirem nos autos elementos suficientemente indiciadores de que o crime de abuso de confiança p. e p. no artigo 205º n.º1 do C.Penal - de que ambas as Arguidas vinham acusadas no seu RAI - foi cometido pela Arguida B….

III – Os elementos de onde resultam inequívocos tais indícios são, entre outros que adiante se descreverão, as declarações prestadas pelo Recorrente a fls. 164 perante o Agente E… e a informação de serviço elaborada pelo mesmo Agente a fls. 248, donde resulta que o Recorrente declarou ter sido atendido por uma senhora, a quem entregou a quantia de 4000,00 €, senhora esta que lhe emitiu e entregou a respectiva factura (de fls. 73/74) e que o Recorrente esclareceu, junto do Sr. Agente E…, tratar-se da Arguida B….

IV – No depoimento prestado pela testemunha F…, a fls. 174, o mesmo afirma ter acompanhado o Recorrente à agência aquando da escolha do programa de viagens com destino à Madeira e terem sido atendidos por uma senhora com cerca de 30 anos, V – que era, com a diferença de um ano apenas, a idade que, à data (Agosto de 2011), detinha a Arguida B… – nascida em 19/03/1980.

VI – As facturas ou, mais precisamente, a factura e o documento de recebimento relativos à quantia entregue pelo Recorrente e constantes dos autos a fls. 73 e 74, foram, segundo menção contida nos próprios documentos, processados por computador, através do programa certificado n.º 0237/ DGCI, cujo utilizador dava pela designação de “B1…” – que corresponde, precisamente, à junção da inicial do primeiro nome próprio e do apelido da Arguida B….

VII – Os elementos supra descritos indiciam, no entendimento do Recorrente, à saciedade ter sido a Arguida B… a pessoa a quem a quantia de 4000,00 € foi entregue e quem pelo seu recebimento emitiu a factura e documento de fls. 73 e 74.

Por fim, VIII - Acerca da insuficiente indiciação da entrada da quantia de 4000 € nos cofres da empresa de que eram sócias gerentes as Arguidas, tal factualidade ou inexistência dela, permitem, a contrario sensu, concluir que a referida importância foi, precisamente, apropriada pela Arguida B… para fins única e exclusivamente pessoais.

IX - O que vale por dizer que, a falta de elementos que comprovem a entrada da quantia nos cofres da empresa – acompanhada, como se encontra nos autos, da ausência de elementos que indiciem o destino que foi dado à importância em causa, bem como da sua não restituição ao Recorrente - é, por omissão, e ao invés do que resulta do douto despacho de não pronúncia, uma circunstância que indicia precisamente um dos elementos do tipo legal de crime de abuso de confiança: o de que o agente, dolosamente, passou a dispôr da coisa animo domini.

X – Em face de todo o supra descrito, considera o Recorrente que existiam nos autos, aquando da prolação do douto despacho em fase de instrução – como ainda hoje - elementos suficientemente indiciadores da prática, pela Arguida B…, do crime de abuso de confiança de que vem acusada no RAI.

Isto, porque, XI – “Indícios suficientes são referências factuais, sinais objectivos de suspeita, indicações de vestígios, enfim, elementos de facto trazidos pelos meios legais probatórios ao processo, que conjugados e relacionados criam a convicção de que, a manterem-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir à condenação do Arguido pelo crime que lhe é atribuído.” (Acórdão da Relação de Évora (Henriques da Graça), de 1997.01.28, B.M.J., 463, pág. 661) XII -“Nas fases preliminares do processo não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e tão-só indícios, sinais de que um crime foi eventualmente cometido por determinado Arguido.” (Acórdão da Relação de Coimbra, (Santos Cabral), de 1996.04.11, B.M.J., 456, pág. 512).

Sem prescindir, XIII – ainda que assim não o entendesse por eventuais dúvidas que se lhe tivessem suscitado alguns dos elementos de prova supra descritos – mormente o Auto de fls. 164 e a informação de serviço de fls. 248 - sempre deveria a Mma. Sra. Juiz de Instrução ter, oficiosamente, a fim de lhes pôr termo e em obediência ao princípio da investigação, ordenado a prática de actos de instrução que considerasse úteis e necessários ao apuramento da verdade, XIV- tais como: a) a repetição da tomada de declarações ao Assistente para que o mesmo esclarecesse novamente a quem entregou a importância dos 4.000,00 € e/ou b) a realização de prova por reconhecimento, nos termos do artigo 147º do CPP, a prestar pelo Assistente e pela testemunha F…, a fim de que os mesmos pudessem, por XV – Assim não tendo feito, e sempre tendo decidindo como decidiu, violou a Mma. Sra. Juiz de Instrução o disposto nos artigos 291º n.º1 e 308º n.º1, primeira parte do C.P.P., XVI – Disposições que, se correctamente aplicadas, deveriam ter conduzido desde logo ter conduzido à pronúncia da Arguida B… pela prática do crime de abuso de confiança p. e p. no artigo 205º do Código Penal.

Termos em que e nos melhores de Direito deve o presente Recurso ser julgado totalmente provado e procedente e, consequentemente, revogado o muito douto Despacho proferido, pronunciando-se como tal a Arguida B…, pelo crime de abuso de confiança p. e p. no art.º 205 do C.P.P., de que vem acusada no Requerimento de Abertura de Instrução.

Subsidiariamente, caso assim se não entenda, sempre se requer seja ordenada a baixa do processo à Mma. Sra. Juiz de Instrução a fim de pela mesma, oficiosamente, serem ordenadas as diligências de prova supra referidas no item XII das Conclusões e/ou outras que se afigurem essenciais ou úteis à descoberta da verdade.

O Ministério Público junto da 1ªinstância respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento (fls.693 a 696).

A arguida B… também apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso (fls.698 a 705).

Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art416.º n.º1 do C.P.Penal, o Exmo.Procurador-Geral adjunto emitiu parecer em que sustenta que o recurso merece provimento, devendo ser pronunciada a arguida B… (fls.730 a 731).

Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO Decisão recorrida O despacho de não pronúncia, na parte com relevância para o presente recurso, tem o seguinte teor: «Na sequência do despacho final proferido nos presentes autos pelo Digno Magistrado do Ministério Público, a fls. 570/575, veio o assistente, D…, requerer a abertura da instrução, no sentido de ver as arguidas, B… e C…, pronunciadas pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo disposto no artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal.

Para tanto alega, em síntese, que a prova produzida em sede de inquérito, nomeadamente, o seu depoimento, bem como os depoimentos das testemunhas inquiridas mostram-se suficientes para ter-se como indiciada a matéria de facto alegada no requerimento de abertura de instrução e, consequentemente, para submeter as arguidas a julgamento, pelo menos, pela prática de um crime de abuso de confiança.

*Não foi requerida a prática de quaisquer diligências instrutórias.

*Procedeu-se à realização do debate instrutório com observância do formalismo legal, conforme se alcança da respectiva acta, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 298.º, 301.º e 302.º, todos do Código de Processo Penal.

*Cumpre, agora, nos termos do art. 308º do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória.

*A Instrução visa, segundo o que nos diz o art. 286º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) “a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Configura-se, assim, como fase processual sempre facultativa - cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo - destinada a questionar a decisão de arquivamento ou de acusação deduzida.

Como facilmente se depreende do citado dispositivo legal, a instrução configura-se no CPP como actividade de averiguação processual complementar da que foi levada a cabo durante o inquérito e que, tendencialmente, se destina a um apuramento mais aprofundado dos factos, da sua imputação ao agente e do respectivo enquadramento jurídico-penal.

Com efeito, realizadas as diligências tidas por convenientes em ordem ao apuramento da verdade material, conforme dispõe do art. 308º, n.º 1, “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não...

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