Acórdão nº 1851/10.3T2AVR-D.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelANABELA DIAS DA SILVA
Data da Resolução28 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação Processo n.º 1851/10.3 T2AVR-D.P1 Comarca do Baixo Vouga – Aveiro – Instância Central – 1.ª Secção Comércio – J1 Recorrente – B… Recorrida – Massa insolvente de C… e esposa Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral Desemb. Maria do Carmo Domingues Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível) I – B… instaurou a presente acção contra a massa insolvente de C… e mulher, D…, filho e nora daquela, pedindo que:

  1. Que a autora actuou sempre de boa-fé quando procedeu à compra da fracção autónoma designada pela letra “AU”, destinada a habitação, correspondente ao segundo andar direito traseiras do ..., com terraço e lugar de garagem na cave e arrumos do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, com entrada pelo número .., sito na Rua …, da freguesia e concelho de Ovar; b) Que seja declarado que a autora, quando procedeu à aludida compra, desconhecia que os insolventes se encontravam em situação de insolvência iminente ou estava já em situação de insolvência; c) Que seja declarado que, ao realizar a referida compra, a autora não tinha a consciência, nem sequer desconfiava, de que pudesse estar a prejudicar terceiros, nomeadamente, os credores da sociedade insolvente; d) Que, como resultado do constante das alíneas anteriores, deve ser declarada sem efeito, ou seja, sem qualquer valor jurídico ou, se assim não for entendido, declarada nula e de nenhum efeito, a declaração resolutiva enviada à autora pelo Administrador dos Insolventes, constante do n.º 23 junto com esta petição, a propósito da compra e venda, referida e identificada, devendo manter-se, em consequência, o direito de propriedade da autora sobre a fração autónoma “AU”, conforme registado na Conservatória do Registo Predial competente.

    Sem prescindir, e caso assim não se entenda, e)- Deverá o crédito da autora, no valor de €55.867,03, ser reconhecido como um crédito garantido, respondendo a massa insolvente pela restituição do que lhe tiver sido prestado, segundo as regras do enriquecimento sem causa, reconstituindo-se a dívida da autora e procedendo-se ao pagamento do respectivo valor.

    Alega, para tanto, e em síntese que com o preço que pagou pelo imóvel, no montante de €26.812,92, foram pagos os créditos hipotecários que oneravam o imóvel; que a compra e venda da fracção se destinou à extinção da garantia da fiança da autora relativamente a essas dívidas dos insolventes evitando riscos de penhora no âmbito de um processo de execução; que adquiriu a fracção desconhecendo a situação de insolvência dos insolventes; que o preço efectivamente por ela pago ascende ao montante de €82.684,95, considerando que em 1996 havia emprestado €50.000,00 ao insolvente para pagamento de parte do preço desse imóvel e que durante os anos de 2009 e 2010 procedeu mensalmente ao pagamento da quantia de €218,49 relativa aos dois empréstimos contraídos pelo insolvente e garantidos por hipotecas constituídas sobre o imóvel, bem como do condomínio e do valor devido para o fundo de reserva.

    Mais invocou a ineficácia da notificação da resolução operada pelo Administrador da Insolvência por ser desprovida de fundamentação, limitando-se a indicar como motivo a alienação da fracção “AU” semanas antes da entrada em juízo da petição inicial da insolvência, e a invocar os pressupostos dos art.ºs 121.º, n.º 1, al. h) e 120.º, n.ºs 1 e 3 do CIRE; que agiu de boa-fé, que a compra e venda não é acto enquadrável em qualquer das alíneas do n.º 1 do art.º 121.º do CIRE, nomeadamente a al. h), porquanto a fracção foi comprada por €82.684,95, valor superior ao seu valor real de mercado, este de cerca de €45.000,00.

    *A massa insolvente de insolvente de C… e mulher, D…, representada pelo Administrador da Insolvência veio contestar o pedido formulado, pedindo a improcedência da acção.

    Para tanto, começou por impugnar o valor atribuído à acção pela autora. Reafirma que a invocada venda é uma tentativa deliberada de dissipação do único bem imóvel pertença dos Insolventes, e consequente diminuição da única garantia patrimonial dos credores. Por outro aldo, é nula porque simulada.

    É falso o desconhecimento, à data, pela autora da situação de insolvência, pelo menos iminente, de seu filho e nora, É estranho que os insolventes não tivessem possibilidade de pagar as prestações mensais ao banco, no montante de €218,49, e, possam habitar, o imóvel supostamente alienado, ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado com a autora e no qual pagam uma renda mensal de €454,50. Mas trata-se de um contrato nulo.

    A resolução efectuada é valida e regular.

    A autora litiga de má-fé, pedindo a sua condenação em multa e indemnização.

    *A autora apresentou articulado resposta, pedindo o indeferimento do incidente do valor da causa levantado na contestação. Pede o indeferimento da excepção da simulação da venda efectuada e pede a sua absolvição como litigante de má-fé, pedindo, por seu turno, a condenação da ré como litigante de má-fé.

    *Em sede de saneamento dos autos, além do mais, foi fixado o valor da acção.

    *Realizou-se o julgamento da matéria de facto com gravação em sistema audio dos depoimentos aí prestados, após o que foi proferida sentença que: “Julgou improcedentes os pedidos deduzidos sob as alíneas A) a D) do petitório.

    Julgou parcialmente procedente o pedido deduzido sob a al. E) e, consequentemente, vai a massa insolvente condenada no pagamento à autora do produto que resultar da venda da fracção, e logo que esta ocorra, até ao limite de €26.812,92.”.

    *Inconformada com tal decisão, dela veio a autora recorrer de apelação pedindo que a mesma seja revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente.

    A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e prolixas conclusões:

    1. A declaração de resolução não se encontra devidamente fundamentada, no que concerne à prejudicialidade do acto que foi objecto da resolução.

    2. Nada foi explicitado sobre o prejuízo invocado, designadamente sobre uma eventual desproporção do preço em relação ao valor real ou venal da fracção vendida, se esse preço foi sonegado e não integrado no património dos insolventes ou outra possível razão.

    3. Dos autos resultou até o contrário. Todo o produto da venda foi aplicado imediatamente no pagamento da divida ao credor hipotecário.

    4. Para um casal em que o marido é vendedor de automóveis e a mulher educadora de infância, como é o caso dos insolventes, é natural que perante dificuldades financeiras graves e com a mãe, viúva e sem rendimentos, como fiadora do empréstimo ao banco procurem resolver o problema da divida através da venda do imóvel. Portanto, a venda da fracção, não significa, forçosamente, que se trate de acto de delapidação do património.

    5. No Acórdão do Supremo Tribunal Justiça, 6.a Secção, proferido em 25.02.2014, seguindo em sentido idêntico, os Acórdãos de 20.03.2014 e de 29.04.2014, em situação similar a resolução do contrato pelo AI, "embora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução, e essa suficiência deverá ser objecto de análise casuística".

    6. O negócio jurídico objecto da resolução foi a compra e venda de uma fracção celebrada em 11.10.2010, alude-se na carta enviada pelo AI à resolução incondicional mas, os factos de que se dispõem afastam inteiramente essa qualificação, não sendo a situação subsumível na previsão de qualquer das als do art.º 121.º n.º 1, designadamente, a al. h), invocada na declaração de resolução; não foi alegado que as obrigações assumidas pelo insolvente excedam (e muito menos manifestamente) as da contraparte.

    7. Dizer-se que uma compra e venda é um acto prejudicial à massa insolvente, sendo óbvio que tal acto, inevitavelmente, diminui a satisfação dos credores, constitui uma afirmação genérica e vaga que nada esclarece sobre esse invocado prejuízo.

    8. No que respeita à má-fé, também nada se diz na declaração de resolução, estamos perante termos imprecisos e vagos da declaração de resolução, já que não se imputa ao destinatário da resolução o conhecimento de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente, como se exige no art.º 120.º, n.º 5, al. b).

    9. Refere-se aí o aproveitamento de pessoa especialmente relacionada com a insolvente, o que permitiria presumir a má-fé do terceiro, nos termos do art.º 120.º, n.º 4. Só que essa especial relação tem de se enquadrar numa das situações contempladas no art. 49.º n.ºs 1 e 2, que, no caso, não é minimamente concretizada, e que integram realidades distintas que teriam que ter sido precisadas (aproveitamento de uma pessoa singular ou de uma pessoa colectiva? que pessoa? e relação especial assente em quê?).

    10. A resolução efectuada pelo senhor administrador de insolvência é, assim, nula e de nenhum efeito, por absoluta falta de motivação da declaração resolutiva, uma vez que a carta resolutiva enviada à autora não concretiza os factos constitutivos do direito que pretendeu exercer.

    11. O Tribunal "a quo" ao decidir de outro modo violou o disposto nos artigos 120.º, n.º 4 e 5, al. b) e 121.º, al. h) do CIRE e 343.º, n.º 1 do CC.

    12. Resulta da decisão recorrida que a norma do artigo 123.º do CIRE foi interpretada e aplicada, contra o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da CRP, no sentido de excluir a fundamentação expressa e acessível quando afecte direitos ou interesses legalmente protegidos, como sucede in casu.

    13. A sentença recorrida, fez aplicação inconstitucional do sistema normativo do artigo 123.º do CIRE, ao reduzi-lo a um estrito modelo de alegação formal da resolução incondicional em beneficio da massa insolvente, contra o princípio da justiça, consagrado nos artigos 1.º e 20.º CRP e contra o direito à fundamentação clara e expressa do ato previsto no artigo 268.º, n.º 3 da CRP.

    14. O Tribunal "a quo" interpretou a referida disposição no sentido de esta se bastar com...

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