Acórdão nº 1016/13.2GDVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução11 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1016/13.2GDVFR.P1 Data do acórdão: 11 de Novembro de 2015 Relator: Jorge M. Langweg Origem: Comarca de Aveiro Instância Local de Santa Maria da Feira | Secção Criminal Acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente a arguida B…; I - RELATÓRIO 1. No dia 23 de Abril de 2015 foi proferida a sentença nos presentes autos, que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido: «Condeno a arguida B… pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo art.º 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, a uma pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída pelo pagamento de 120 (cento e vinte) dias de multa, e a uma pena de 60 (sessenta) dias de multa, num total de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros).

Absolvo o arguido C… da prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo art.º 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, Condeno o arguido D… pela prática de um crime de prática ilícita de jogo, previsto e punido pelo art.º 110.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, a uma pena de 2 (dois) meses de prisão, substituída pelo pagamento de 60 (sessenta) dias de multa, e a uma pena de 20 (vinte) dias de multa, num total de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros).

Vão os arguidos B… e C… condenados ao pagamento das custas processuais, com 2 UC’s de taxa de justiça e encargos.» Mais se declara a máquina apreendida perdida a favor do Estado.» 2. Inconformada com a condenação, a arguida B… interpôs recurso da decisão, concluindo, em suma, o seguinte: a. que os factos provados não integram a prática de qualquer crime, uma vez que a máquina de jogo não tem qualquer semelhança com os denominados jogos de casino, devendo o jogo em causa ser qualificado de modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, integrando a sua exploração uma mera contraordenação e não um crime – neste sentido, ainda, o acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010 -; b. que é inconstitucional a interpretação das normas contidas nos artigos 1º, 4º, 108º e 115º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, quando efetuada no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina eletrónica, cuja resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de prémios a atribuir já estejam previamente definidos e delimitados e sejam do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar.

  1. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal "a quo", subindo nos próprios autos, com efeito suspensivo.

  2. O Ministério Público junto do tribunal da primeira instância pugnou, de forma fundamentada, pela improcedência do recurso.

  3. Na vista a que alude o artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu o parecer, fundamentado, de que o recurso não merece provimento.

  4. A recorrente respondeu, concluindo pela procedência do recurso, por entender que as características da máquina em causa nos presentes autos não permitem a subsunção da conduta da recorrente no tipo legal de crime pelo qual foi condenada.

  5. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir Do thema decidendum dos recursos: Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que a recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o "thema decidendum" que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.

Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir a questão substancial colocada pela recorrente, referente a alegado erro em matéria de direito na qualificação jurídico-penal dos factos provados e na sua relevância jurídica à luz da Constituição da República Portuguesa.

Para decidir essa matéria, importará, primeiramente, recordar os factos provados e o seu enquadramento legal efetuado na fundamentação jurídica da sentença.

II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES Conforme já enunciado, torna-se essencial - para a devida apreciação do mérito do recurso - recordar o teor dos factos provados – que permitirão, a final, o enquadramento jurídico das questões controvertidas: «2 – FUNDAMENTAÇÃO 2.1 – dos factos Após instrução e julgamento da causa, julgam-se provados os seguintes factos: (da acusação pública) No dia 2 de Outubro de 2013, cerca das 23H00, militares da G.N.R. foram chamados ao estabelecimento comercial denominado “E…” sito em …, Santa Maria da Feira.

O aludido café pertence à aqui arguida B… que, à data, procedia à sua exploração comercial.

Assim, na sequência da referida fiscalização foi apreendida, no interior do aludido café uma máquina de jogo e ainda a quantia de 13,50€, quantia que se encontrava no interior da máquina referida.

Sujeita a máquina, com a designação “F…” apreendida ao respectivo exame pericial, foi a mesma descrita da seguinte forma, quanto ao seu funcionamento: após a introdução de uma moeda, é accionado um movimento giratório de um ponto vermelho. Aquando da imobilização e caso faça correspondência a alguma das pontuações, acumula a pontuação verificada. Após isso, continua a sequência de movimentos, até ao esgotamento do valor inicialmente investido. A sequência de movimentos faz-se de forma ininterrupta, não permitindo ao jogador interagir com a máquina, de modo a parar a sequência iniciada face ao valor inicialmente investido, sendo certo que será um movimento no caso da introdução de uma moeda de 50 cêntimos (e credita 50 pontos); dois movimentos no caso de introdução de uma moeda de um euro (e credita 100 pontos) ou quatro movimentos no caso de introdução de uma moeda de dois euros (e credita 200 pontos).

Após o crédito se ter esgotado, o jogador tem a possibilidade de escolher uma de três hipóteses: - o jogador não tem pontuação acumulada e investe novamente com a introdução de novas moedas, para assim dar início a uma nova sequência de jogada; - o jogador utiliza a pontuação acumulada para exercer nova jogada, através do botão para esse efeito ou - o jogador reclama o valor da pontuação.

Ora, os pontos obtidos, convertidos em dinheiro, dependem exclusivamente da sorte, limitando-se a intervenção do jogador à introdução de uma moeda no início do jogo.

Por outro lado, trata-se de uma máquina que possibilita uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre os riscos de se envolver emocionalmente, induzindo comportamentos compulsivos.

A arguida conhecia as características da máquina e agiu deliberada, livre e conscientemente.

Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

A arguida explorava a máquina descrita no café de que era proprietária, bem sabendo que se tratava de jogos de fortuna e azar.

A arguida tinha igualmente conhecimento de que não podia explorar a dita máquina, por a sua exploração ser vedada fora dos locais legalmente autorizados.

Acresce que, naquele mesmo dia e local, o arguido D…, que também conhecia as características da máquina descrita e supra referidas, cerca das 22H00 horas, utilizou a referida máquina tendo jogado na mesma por tempo que concretamente não se apurou.

Agiu também este arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei.

(da situação pessoal dos arguidos B… e C…) O arguido C… recebe €550,00 como empregado de balcão numa pastelaria.

Vive com a mãe, duas sobrinhas, o seu cunhado e a sua irmã B…a, ajudando nas despesas de casa.

Estudou até ao 12.º ano.

A arguida B… recebe cerca de €300,00 da exploração do estabelecimento acima identificado.

Vive com a sua mãe, irmão, companheiro e com duas filhas menores.

O seu companheiro recebe cerca de €540,00 da sua profissão.

Estudou até ao 6.º ano.

Não lhes são conhecidos antecedentes criminais.

(da situação pessoal do arguido D…) O arguido D… foi condenado pela prática em 23-10-00 de um crime de condução ilegal, numa pena de 70 dias de multa.

O arguido foi condenado pela prática em 01-12-01 de um crime de injúria agravada, e em 02-12-01 de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, numa pena de 200 dias de multa.

O arguido foi condenado pela prática em 28-02-05...

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