Acórdão nº 2525/13.9T2AVR-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Novembro de 2015
Magistrado Responsável | RUI MOREIRA |
Data da Resolução | 24 de Novembro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
PROC. N.º 2525/13.9T2AVR-B.P1 Comarca de Aveiro – Tribunal de Aveiro Inst. Central - 1ª Sec.Comércio - J3 REL. N.º 286 Relator: Rui Moreira Adjuntos: Tomé Ramião Vitor Amaral*ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1 - RELATÓRIO Por apenso ao processo em que B… foi declarada insolvente, o credor C…, SA, veio deduzir o incidente de qualificação da insolvência, com carácter pleno, entendendo dever ser a mesma qualificada como culposa, por incumprimento do dever de apresentação à insolvência e por dissipação de património.
Declarado aberto o incidente, a Administradora da Insolvência e o Ministério Público pronunciaram-se no mesmo sentido.
Citada, a interessada deduziu oposição, contestando quer a omissão do dever de apresentação à insolvência, quer a intenção de ocultar/dissipar património afecto à satisfação dos interesses dos seus credores e, concretamente, da credora Requerente do incidente. Concluiu que a sua insolvência deve ser qualificada como fortuita.
Saneados os autos, e fixados o objecto do litígio e os temas de prova, foi realizado julgamento. Subsequentemente, foi produzida sentença onde foi fixada a matéria de facto provada e se conclui dever ser qualificada como culposa a insolvência em questão.
É dessa decisão que a insolvente vem interpor recurso, quer quanto à decisão da matéria de facto, quer quanto à respectiva qualificação.
Formulou, nesse acto, as seguintes conclusões: 1º O presente recurso vem interposto interposto da sentença proferida no Incidente de Qualificação da Insolvência (CIRE), supra melhor identificado, que decidiu qualificar a insolvência da Requerida B… como culposa, decretando a inibição desta para o exercício do comércio, a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pela própria e condenando-a a restituir os bens, bem como a indemnizar os credores.
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Salvo o devido respeito, a decisão recorrida assenta em erros de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à aplicação do Direito aos factos e, dai, justificar-se o presente recurso.
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A sentença em recurso dá como provados os factos que enumera como itens 1 a 26.
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A sentença em recurso omite factos de crucial relevância que resultaram demonstrados na audiência de julgamento, os quais deveriam ter sido dados como provados, face à prova documental e testemunhal produzida nos autos e à concatenação com a demais matéria tida como provada, concretamente, os itens 3. a 5. do que considera factos não provados.
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Os referidos itens 3 a 5 devem ser acrescentados na enumeração dos factos provados, seguindo a ordem sequencial respectiva, com os nºs 27, 28 e 29.
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Os referidos itens 3 a 5 resultam provados da conjugação dos depoimentos das testemunhas D…, E… e F…, os quais corroboram e esclarecem as declarações prestadas pela Recorrente.
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Os depoimentos das testemunhas D… e E…, proferidos com isenção, objectividade e conhecimento directo (e que o Tribunal considerou como credíveis para fazer prova de alguns dos factos que julgou provados) confirmam que a doação do imóvel, efectuada em 23/03/2009, teve como fundamento a ruptura entre os ex-cônjuges, e não qualquer combinação entre os mesmos para dissipar património.
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Os referidos depoimentos confirmam, igualmente, que a ruptura verificada originou uma exigência do ex-marido para concordar com o divórcio por mútuo consentimento traduzida na doação aos filhos da propriedade do referido imóvel.
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O processo de partilha de bens subsequente ao divórcio da Recorrente e do ex-marido foi um processo demorado e difícil, por força da relação tensa existente, prolongando-se por mais de três anos, tendo tido o seu início com a escritura de doação, celebrada em 23/03/2009, e o seu termo com a escritura de partilha, celebrada em 30/04/2012.
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Este prazo de mais de três anos em que o património do ex-casal esteve parcialmente partilhado (dado que a fracção autónoma G e as acções da G… apenas foram partilhadas em 2012) demonstra que não existiu qualquer intenção de sonegação ou dissipação de património.
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Durante este mesmo período (mais de três anos – 2009/2012), o referido património permaneceu intocado, não sendo alvo de qualquer procedimento judicial ou outro por qualquer eventual credor.
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O item 4 dos factos não provados está em contradição com o item 16 dos factos provados, o qual refere que a Recorrente continua a residir com os filhos na moradia referida em 10, contradição esta de carácter insanável e que não pode deixar de ser apreciada.
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A matéria dada como provada devem ser aditados os ítens 3. a 5. dos factos não provados, os quais devem ser remunerados de 27 a 29, respectivamente: “27. A doação do imóvel referida em 10 teve como fundamento o desentendimento entre os cônjuges após o divórcio, a dificuldade de venda dos bens imóveis e a inexistência de acordo quanto aos valores a atribuir aos bens para efeito de partilha e subsequentes tornas.
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E teve ainda por fundamento o facto de a guarda dos menores (com 9 e 13 anos) ter sido atribuída à mãe, requerida, tendo o pai ficado a residir em Estarreja, localidade onde sempre exerceu a sua actividade profissional.
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Foi uma exigência do ex-marido da Requerida para assinar o divórcio que o imóvel referido em 10, moradia, construída a pensar nos filhos, ficasse para estes.” 14º Em face do aditamento aos factos provados e da reponderação que tal aditamento determina, toma-se forçoso concluir pela necessidade de alterar a decisão proferida acerca da matéria de facto, no que concerne ao comportamento da Recorrente e respectivos efeitos ao nível patrimonial.
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A decisão proferida acerca da matéria de facto deve considerar que a partilha de bens subsequente a divórcio terminada em 30/04/2012 não teve qualquer intenção de subtrair património, tendo sido uma decorrência normal do processo moroso e complexo subjacente.
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A reformulação da decisão deve considerar, ainda, que o património restante, constituído pela fracção autónoma G e pelas acções da G… tinha um valor não só patrimonial evidente, mas também um valor pessoal para a Recorrente (que sempre acreditou na viabilidade da empresa que tinha fundado 24 anos antes), o que implica não poder atribuir-se-lhe uma conduta ilícita de sonegação patrimonial.
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Face à reapreciação da prova produzida, verifica-se que não houve qualquer intenção da Recorrente de subtrair património, não existindo, consequentemente, qualquer conduta ilícita que possa determinar a classificação da presente insolvência como culposa, nos termos do disposto no art. 186°/2 do CIRE, devendo considerar-se a insolvência da Recorrente como fortuita.
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A insolvência da Recorrente não pode, igualmente, considerar-se culposa, uma vez que existe uma íntima conexão entre a situação fínanceira da G… (em que a Recorrente assumiu dívidas a titulo pessoal - empréstimos, avais e outros) e a situação financeira que originou a insolvência da Recorrente, sendo que a insolvência da G… foi considerada fortuita, pelo que a insolvência da Recorrente, atenta a íntima ligação factual existente, não pode deixar de ser considerada também fortuita.
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A decisão proferida deve ser substituída por outra que considere fortuita a insolvência da Recorrente, dando-se sem efeito a inibição decretada para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa por três anos; dando-se, igualmente sem efeito a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e a condenação de restituição de bens ou direitos já recebidos; dando-se, também sem efeito a obrigação da Recorrente de indemnizar os seus credores no montante da totalidade dos créditos satisfeitos até ao limite do...
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