Acórdão nº 725/14.3TBLSD-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução16 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

RECURSO DE APELAÇÃO Nº 725/14.3TBLSD-A.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I-RELATÓRIO

  1. No Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Instância Central de Penafiel, Secção Cível – J2, inconformado com o despacho de 14 de Abril de 2015, proferido a fls. 150, da acção que B…, viúva, residente na …, …, em Lousada, intentou contra C…, viúva, residente na …, nº …, em …, …, Lousada, e D…, SA com sede na … nº …, ….-… em Lisboa, no qual se entendeu “chamar” aos autos o ora recorrente E…, SA veio este, interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1- O E…, S.A., ora Recorrido, foi construído por deliberação do Banco de Portugal ao abrigo do artigo 145.º-G, n.º 5, do RLICSF, encontrando-se devidamente registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, conforme teor da certidão permanente, cujo código de acesso é o ….-….-…..

    2- É uma pessoa colectiva autónoma, insusceptível de confusão com o D….

    3- Em primeiro lugar, o Recorrido, apesar de gozar do facto de ser uma pessoa colectiva diferente do D…, foi “chamado” à lide, pela primeira vez, através de notificação, com aviso de recepção, a qual não encontra previsão no CPC.

    4- Em segundo lugar, o Tribunal a quo, com o devido respeito, tomou o Recorrente como “parte principal” na lide, tendo apenas por base única e exclusivamente a tese apresentada pelo D….

    5- A aludida decisão, salvo o devido respeito, que nunca deixaremos de sublinhar, foi tomada à revelia de princípios processuais e constitucionais, tais como o contraditório, a igualdade, a proporcionalidade, o direito a um processo equitativo e ainda a proibição da indefesa, previstos nos artigos 3.º, n.º 1 e 3, do CPC, 20.º, n.º 4 e 2.º da CRP.

    6- Conforme tem sido entendido pela doutrina, e pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, é no princípio do contraditório que reside o princípio da proibição da indefesa.

    7- Princípio este que exige ao julgador a necessidade de trilhar um caminho prévio à tomada de uma decisão, mesmo de cariz interlocutório.

    8- E que por sua vez se materializa na obrigatoriedade de o Tribunal a quo conceder ao sujeito processual, potencialmente afectado pela decisão a ser tomada, a possibilidade de discutir, contestar e de valorar, previamente, os argumentos que contra ele são deduzidos por outro sujeito processual, com um interesse antagónico.

    9- Aliás, o cumprimento desta formalidade é mesmo uma consequência da existência em Portugal de Estado de direito democrático.

    10- Por outro lado, e salvo o devido respeito, não é só o princípio do contraditório que foi ferido com a decisão sub judice, mas também o princípio da igualdade, previsto nos termos do artigo 13.º, da CRP, e 4.º, do CPC.

    11- A igualdade exige que o tribunal coloque no mesmo prisma ambas as partes litigantes, assegurando um estatuto idêntico no uso das faculdades, meios de defesa, e aplicação das cominações ou sanções processuais.

    12- Em particular, atente-se ao sentido negativo da igualdade, o qual tem como escopo limitar o raio de acção do decisor, impedindo-o de criar situações de desigualdade substancial entre os sujeitos com interesses contraditórios na lide.

    13- Com o devido respeito, é notória a desigualdade que Tribunal a quo aplicou in casu, já que o mesmo simplesmente procedeu à notificação do ora Recorrente, pessoa jurídica autónoma aos olhos da lei, para, sem mais, vir à lide na qualidade de parte principal, com base única e simplesmente na fundamentação apresentada pelo D…, sem gozar da mesma faculdade atribuída ao este, ou seja, a possibilidade de refutar a tese por ele apresentada.

    14- O Recorrente viu-se assim obrigado, em face do teor da decisão, a aceitar tout court, como verdadeira, a tese alegada pelo D…, situação com a qual não se conforma.

    15- Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, sempre se diga que a tese avançada pelo D… e que está na origem do “chamamento” do ora Recorrente carece de total fundamento.

    16- Não é verdade que tenha ocorrido uma transferência do D… para o ora Recorrente de toda a actividade, activos, passivos, responsabilidades e contingências.

    17- Ao invés, apenas foi transferido do D… para o Recorrente um conjunto de activos, passivos e elementos extrapatrimoniais.

    18- O âmbito dessa transferência foi definido pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, nos termos do RLICSF, através das deliberações de 3 e 11 de Agosto de 2014.

    19- Nos termos das aludidas deliberações foram transferidos passivos e activos da esfera jurídica do D… para a esfera jurídica do Recorrente, com excepção do elenco previsto no Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014 do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de acordo com as alterações introduzidas no mesmo, e do texto consolidado, àquele anexo, pela deliberação de 11 de Agosto de 2014 tomada pelo mesmo órgão.

    20- Destarte, a aludida transferência apenas teve por objecto os activos e passivos, devidamente constituídos e consolidados, até porque nos termos das deliberações vindas de referir os mesmos foram transferidos pelo respectivo valor contabilístico.

    21- De modo que, só têm valor contabilístico os passivos e activos devidamente constituídos e consolidados.

    22- Sublinhe-se que as referidas deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal exceptuaram, de forma cristalina, do âmbito da transferência do D… para o Recorrente, “quaisquer responsabilidades ou contingências do D…”, nomeadamente, as decorrentes de fraude, ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.

    23- Do confronto do teor das duas deliberações é patente que o Banco de Portugal determinou a permanência na esfera jurídica do D… das responsabilidades que não constituam passivos consolidados, e quaisquer contingências, não tendo estas, em momento algum, sido transferidas para a esfera jurídica do Recorrente.

    24- Esta realidade decorre do considerando 21. da deliberação de 11 de Agosto de 2014 do Banco de Portugal e dos termos em que se traduziu a alteração à redacção da subalínea (v) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto 2014 do mesmo órgão, introduzida pela deliberação de 11 de Agosto de 2014.

    25- Os alegados factos in casu envolveram (e envolvem) apenas o D….

    26- O Recorrente está, assim, alheado de todos os factos contra ele imputados, já que só foi criado em 3 de Agosto de 2014.

    27- Por outro lado, não estamos, in casu, perante responsabilidades do D… que constituam passivos constituídos e consolidados, mas perante a contingência de que o Tribunal a quo possa vir (ou não) a atribuir qualquer responsabilidade ao D….

    28- De facto, esta contingência manteve-se no D… e não foi transferida para o Recorrente.

    29- Pelo que, o Recorrente não é parte na relação material controvertida, ao invés do decidido pelo Tribunal a quo.

    30- Em face de tudo o que foi dito, o Recorrente é, assim, parte ilegítima.

    31- Devendo, em todo o caso, ser absolvido da instância.

    Conclui pedindo que seja julgado procedente o presente recurso.

  2. O D…, SA apresentou contra alegações tendo formulado as seguintes conclusões: 1- Não merece censura o despacho do Tribunal a quo, nos termos do qual, à luz da medida de resolução aplicada ao D… pelo BdP, e na decorrência do disposto no artigo 269.º, n.º 2, do CPC, se considerou operada a substituição do D… SA. pelo E…, SA, posto que, nos termos expostos, passou a ser sujeito dos direitos e obrigações do mesmo D….

    2- A decisão sobre se o E… deve, ou não, assumir a posição anteriormente ocupada pelo D… nos presentes autos, depende, a montante, de saber se a responsabilidade imputada pela Autora ao D… se transferiu, ou não, por força da Deliberação do BdP, para a esfera do E….

    3- O objecto do litígio sub judice reconduz-se a uma questão de responsabilidade civil contratual do D… perante um seu antigo cliente, a Autora.

    4- Na Deliberação pode ler-se que As responsabilidades do D… perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o E…, S.A., com excepção dos seguintes (“Passivos Excluídos”): (…) quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais” (alínea (v) do ponto 1/b da Deliberação) — [sublinhado nosso].

    5- Acrescentando-se que no que concerne às responsabilidades do D… que não são objecto de transferência, estas permanecem na esfera jurídica do D… (ibidem, ponto 1/c).

    6- Perante o teor da Deliberação, o E… – numa interpretação, dir-se-ia, contabilística – sustenta que, tratando-se de responsabilidade por facto anterior à medida de resolução, independentemente da natureza e do momento, elemento ou aspecto da actividade a que está associada, ficaria excluída da transferência para o E…, porquanto não se encontrava devidamente constituída e consolidada [?] à data da Deliberação.

    7- Independentemente de a responsabilidade estar ou não registada contabilisticamente, ponto é que apenas ficaram excluídas da transferência para o E… as responsabilidades que estão associadas às relações com o D1…, sendo todas as outras, incluindo a que está em causa nos presentes autos, transferidas para o E….

    E assim é, porquanto: 8- Do enquadramento legal da medida de resolução aplicada ao D… em 3 de Agosto de 2014 decorre, desde logo, que: a. A medida visa assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais, acautelar o risco sistémico, salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público, e salvaguardar a confiança dos depositantes (artigos 145.º-A, n.º 1, e 145.º-C, n.º 1, do RGICSF); b. Tendo em conta tais finalidades, a medida deve assegurar que sejam os acionistas da instituição de crédito a assumir prioritariamente os prejuízos da instituição em causa, assumindo os credores da instituição de crédito, de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a...

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