Acórdão nº 306/11.3GDOAZ.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelNUNO RIBEIRO COELHO
Data da Resolução25 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 306/11.3GDOAZ.P2 Acordam, após audiência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Porto: I. RELATÓRIO Nos autos de inquérito que vieram dar origem à instrução, requerida pelo assistente B…, veio a ser produzida decisão instrutória que: . pronunciou o arguido (4) C… pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos Art.ºs 143.º, n.º 1, 145.º, al. a) e n.º 2, 132.º, n.º 2, al. m), todos do Código Penal; e . não pronunciou os arguidos (1) D…, (2) E…, (3) F…, (5) H…, e (6) I…, bem como, em relação a outros factos, que havia imputado em sede instrutória ao arguido (4) C….

Inconformado com esta decisão, da mesma recorreu o mesmo assistente B…, o qual, da sua motivação, extraiu as seguintes conclusões: 1º Na sequência da detenção do ora Recorrente, a que se reporta o auto de notícia de fls 4 a 6 dos autos principais (proc. Nº 306/11.3GDOAZ), a qual ocorreu a 30 de Julho de 2011, este, a 1-8-2011, apresentou nos então serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Azeméis, a participação crime constante de fls 1 a 3 a que se reporta o inquérito nº 526/11.0TAOAZ, entretanto apenso aos presentes autos, em 12-09-11.

  1. Em tal participação e em suma, o ora Recorrente denunciou a prática de sevícias e a circunstância de ter sido sovado no exterior e interior do posto da GNR de …, por militares da GNR, tudo nas circunstâncias de tempo, lugar e modo ali descritas.

  2. Investigada em sede de inquérito a factualidade participada, foi, relativamente a esta, proferido, em 02-11-2012, despacho de arquivamento, pela digna magistrada do M.P..

  3. Reagindo contra tal decisão, o participante, ora Recorrente, suscitou, por requerimento de 5-12-2012, a Intervenção Hierárquica.

  4. Na sequência desta, foi reaberto o inquérito, realizadas novas diligências de investigação, tendo, por despacho de fls …, sido proferido, após a conclusão de 17-6-2013, nova decisão de Arquivamento.

  5. Reagindo contra tal decisão, o ali Ofendido/Assistente e aqui Recorrente, requereu a abertura de Instrução, o que fez por requerimento de 23-9-2013, a qual não foi inicialmente admitida, cfr. despacho de 27-11-2013, mas que, na sequência de recurso interposto pelo ali Assistente, ora Recorrente, tal despacho veio a ser alterado, mercê de Acórdão desse Venerando Tribunal, de 1-10-2014, que, revogando o despacho recorrido, ordenou a sua substituição por outro que declarasse aberta a Instrução.

  6. Aberta a Instrução, foi, a final, proferida a douta decisão instrutória, de 2-3-2015, de que ora se recorre. Tal decisão pronunciou o Arguido C… como autor da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.e.p. pelos artigos 143º nº1, 145º nº1 a) e nº2, e 132º nº2 m), todos do C.P., por quanto ali se entendeu que este havia praticado apenas um dos vários factos ilícitos que lhe eram imputados pelo Recorrente no Requerimento Instrutório, não pronunciando os demais Arguidos pela prática dos factos ilícitos que lhes eram imputados.

  7. Posto tal, entende o Recorrente que se encontra suficientemente indiciada a prática pelos Arguidos, em co-autoria material, de todos os factos que lhes são imputados no requerimento instrutório, cfr. art. 1º a 28º do Requerimento Instrutório (páginas 28 v. a 35 v. deste).

  8. Tal indiciação emerge da prova pericial constante de fls 9 a 11 do processo apenso aos autos principais (306/11.3GDOAZ), da prova documental de fls 44 a 59, do autos de reconhecimentos de fls 112, 113 e 132, dos documentos de fls 80, 221 e 252, da participação de fls 1 a 3 do apenso 526/11.0TAOAZ, do auto de notícia de fls 4 a 6, dos depoimentos das testemunhas J…, fls 34, 35, 213 e 214, K…, fls 332 a 334, L…, fls 36, M…, fls 37 a 39, 215 e 216, N…, fls 40, 41 e 211, O…, fls 42, 43, 209 e 210, das declarações do Ofendido de fls 63, 64, 206 a 208, do Interrogatório dos Arguidos D… a fls 285 e 286, E… a fls 294 a 296.

  9. Deste alargado acervo provatório extrai-se, nomeadamente, que foram desferidos no corpo do Recorrente diversos pontapés por pelo menos por 4 dos 6 Arguidos, logo após este ter sido retirado do interior do veículo automóvel que acabava de conduzir, imobilizado no solo e ali algemado...

  10. …e de, neste seguimento, ter sido arrastado cerca de 30 metros para o interior do Posto, aí tendo sido sentado numa cadeira, ainda algemado, onde alguns dos Arguidos, de quando em vez, lhe davam pontapés na barriga, nas pernas e lambadas, vulgo bofetadas...

  11. … e que o Arguido C…, lhe desferiu um soco que o atingiu no maxilar esquerdo, que o fez tombar da cadeira, circunstancialismo este pelo qual foi pronunciado, após o que o pontapeou enquanto se encontrava no chão, local onde permaneceu cerca de duas horas...

  12. ...e pelo menos alguns dos Arguidos lhe desferiram pontapés na zona do estômago, entre eles o Arguido F….

  13. Esta factualidade supra descrita foi perpetrada em condições de agressividade e violência tais que geraram no ora Recorrente, para além de grande dor e sofrimento, sentimentos de terror e pânico, os quais tiveram como consequência, além do mais, que este involuntariamente atingisse uma situação de incontinência fecal, tendo, ali mesmo, enquanto algemado, defecado, ficando com o seu corpo e vestuário conspurcado.

  14. A factualidade descrita no Requerimento Instrutório, cuja responsabilidade é imputada à totalidade dos Arguidos, ocorreu quer no exterior, quer no interior do posto da GNR de…, Oliveira de Azeméis, por militares da GNR, quer fardados, quer não, na presença de todos os Arguidos e só poderia ter ocorrido, como ocorreu, com a concordância e conivência de todos os militares ali presentes...

  15. ...porquanto, se assim não fosse, qualquer um dos militares teria de impedir ou tentar impedir qualquer acto de molestação física ou da saúde do ora Recorrente e, caso tais actos ocorressem, deveriam denunciar os respectivos autores procedendo, inclusive, à detenção em flagrante delito do respectivo agressor, como era o respectivo dever legal enquanto membros de um OPC.

  16. Mais se extrai indiciariamente da prova produzida que os actos levados a cabo pelos Arguidos tiveram a concordância implícita de todos eles, sem a qual os plurimos e reiterados actos de molestação física e da saúde do ofendido nunca poderiam ter sido levados a cabo, ainda por cima ao longo do arco temporal em que ocorreram e que emerge dos autos, cerca de duas horas.

  17. Não fosse a existência de um acordo tácito entre todos os Arguidos que permitiu as reiteradas agressões no corpo do Arguido, estas nunca poderiam ter ocorrido nos termos e modos descritos no libelo acusatório inserto no requerimento instrutório, pelo que todos os Arguidos são co-autores dos actos de execução material praticados por todos ou cada um deles, tendo assim agido de forma livre, voluntária e consciente, praticando ou permitindo os eventos danosos, existindo uma consciência recíproca de colaboração entre estes.

  18. Neste contexto, cumpre registar que a própria decisão recorrida refere que, com algumas discrepâncias, as testemunhas M…, O…, N… e J…, foram unânimes em apontar uma actuação policial violenta e excessiva... recebendo (o Recorrente) pontapés de alguns dos militares que intervieram... e que … o arrastaram para o posto, não os deixando entrar... que as testemunhas do assistente falam desta imobilização como um acto de violência gratuita... que todas as referidas testemunhas... referem ter sido pontapeado quando procediam à sua imobilização... que é patente que a ocorrência policial... se mostra algo anómala, bastando que se atente no facto de no auto de notícia estar aposta a hora de 00:50, do dia 30-7, constando do auto de libertação a hora 3:00H... que acabou por desembocar numa aparatosa operação policial... que ficou esquecido o escopo primitivo da intervenção da GNR – fiscalização do condutor e do seu estado para a condução – sobrepondo-se e passando para primeiro plano a necessidade de demonstração de autoridade por parte da força policial... que no auto de notícia nada resulta que permita explicar as lesões verificadas no Assistente ao nível da face e cabeça... que o ambiente criado, fora e dentro do posto da GNR de … terá sido deveras tenso... se a isto juntarmos a continuação de uma atitude provocatória por parte do Assistente... temos criado quadro que propicia algum descontrole por parte daqueles agentes da autoridade.

  19. Acresce que, o relatório pericial de fls 9 a 11, do apenso nº 526/11.O TAOAZ, admite o nexo de causalidade entre as lesões ali descritas e os danos sofridos, sendo que, estas plurimas lesões em distintas partes do corpo do Recorrente, bem como a “tenossinovite de querviain/hipoecogenicidade dos tendões dos músculos longo abdutor e curto extensor do polegar” – confirmada por ecografia, a qual foi provocada por compreensão, edema do punho e polegar esquerdo, com traumatismo no polegar por compreensão do punho esquerdo, com perca de sensibilidade, formigueiro e dores -, não podem ser justificadas, apenas e só, com uma alegada falta de colaboração do Arguido com o OPC(!!!).

  20. Além de tal, a ausência de equimoses na barriga e nas pernas não é de todo em todo incompatível com a versão apresentada pela Recorrente e com o consignado no relatório médico-legal, porquanto o abdómen é uma zona essencialmente composta por tecidos moles, de baixa vasculatura, com imensa massa adiposa, sendo que, perante uma agressão com zona de impacto considerável, tal como um soco e um pontapé, esta não é adequada a provocar rebentamento de paredes vasculares, que ali praticamente inexistem, com extravasamento de sangue, o que explica a ausência de equimoses abdominais, pese embora as agressões em tal região anatómica leve à reorganização abdominal das vísceras, causadora, segundo a ciência actual e experiência comum, de profunda dor e sofrimento.

  21. No que se refere à ausência de detecção de lesões ao nível dos membros inferiores, para além do reportado no relatório médico-legal de fls 9 a 11 do...

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