Acórdão nº 19412/14.6YIPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução08 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 19412/14.6yiprt-A.P1 Sumário do acórdão: I. A polémica doutrinária e jurisprudencial referente à via processual de realização do direito de compensação decorreu das particularidades da figura da compensação traduzidas na seguinte diferença no confronto com as outras exceções de natureza peremptória: quando o réu invoca factos relativos à prescrição, à caducidade, ao pagamento, ao perdão ou à dação em cumprimento, tais alegações respeitam necessariamente à relação jurídica invocada pelo autor, sujeita à apreciação do tribunal; quando é invocada a compensação de créditos, não se pretende a extinção do direito do autor por qualquer circunstância inerente ao mesmo ou à relação jurídica invocada na petição, mas sim com base numa outra relação jurídica entre as partes, a qual pode ser absolutamente distinta da apresentada pelo autor.

  1. Com a redação que conferiu ao art.º 266.º, n.º 2, c) do CPC, o legislador de 2013 tomou decisivamente posição na referida polémica, revelando-se unívoco o sentido do texto legal: sempre que o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, deverá exercer o seu direito por via reconvencional.

  2. A compensação não opera ipso iure, sendo necessária a manifestação de vontade de um dos credores-devedores nesse sentido, a qual só produz efeito se o crédito for exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, peremptória ou dilatória, de direito material (artigo 847.º, n.º 1, a) do CC), pelo que o crédito invocado pela ré como fundamento da pretendida compensação não se torna pacífico pelo mero facto de ter sido objecto de declaração extrajudicial de compensação.

  3. A prévia declaração extrajudicial (unilateral) de compensação do crédito invocada pela ré não permite subtrair o consequente pedido de compensação ao regime previsto no art.º 266.º, n.º 2, c) do CPC (que não prevê qualquer exceção) devendo tal pretensão ser formulada por via reconvencional.

  4. Os argumentos que estiveram na génese da consagração legal do princípio da preclusão reportam-se à relação jurídica trazida a debate aos autos pelo autor na petição, da qual emerge a pretensão que formula contra o réu, devendo esgotar-se na discussão todos os argumentos fatuais e jurídicos referentes a essa relação, já que a futura autoridade (ou efeito positivo) do caso julgado não pode ser posta em causa com a invocação de fundamentos omitidos pelas partes no processo onde foi proferida a decisão transitada que as passou a vincular.

  5. Não se revela equacionável a possibilidade de preclusão do direito de compensação, considerando que o mesmo se suporta numa relação jurídica diversa e autónoma da que é trazida a debate nos autos pelo autor.

  6. Fundando-se a pretensão de compensação da ré em relações jurídicas distintas daquela que a autora invoca na petição (defeitos noutras obras, que a autora alegadamente se recusou a eliminar), não se concebe como possa a não invocação de tais defeitos que não dizem diretamente respeito ao objecto do processo, ou a sua invocação formalmente incorreta que levou o tribunal a não admitir o articulado, inviabilizar a sua futura invocação noutra ação (que venha a intentar para realizar o seu direito que não foi objecto de qualquer discussão ou decisão de mérito).

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório B…, S.A., apresentou junto do Balcão Nacional de Injunções, em 07.02.2014, requerimento de injunção contra C…, S.A., com vista à cobrança da quantia de € 16.874,20, referentes a “contrato de subempreitada celebrado em 16.11.2012 para realização de trabalhos de pintura na D… em Lisboa”.

    Citada a requerida, veio a E…, S.A.[1] apresentar oposição, na qual: não impugna a realização dos trabalhos invocados pela requerente; alega, no entanto, que a requerente “executou diversos outros trabalhos” para a requerida, “no âmbito de outras subempreitadas que não a referida no requerimento injuntivo ora sob oposição”; que tais trabalhos foram realizados com defeitos; que a requerente se recusou a eliminar os defeitos; que a requerida se viu assim forçada a proceder à eliminação dos defeitos; que despendeu com tais trabalhos a quantia de € 15.146,33; que facturou à requerente tal montante e invocou a compensação de créditos por carta registada.

    A requerida não deduz reconvenção e conclui o seu articulado com a formulação do seguinte pedido: «Termos em que deverá ser julgada procedente a excepção deduzida e julgado improcedente, por não provado, o pedido formulado pela Requerente, com a consequente absolvição da Requerida nos termos expostos».

    Distribuídos os autos na Instância Local de Matosinhos – Secção Cível – J3, comarca do Porto, em 30.01.2015 foi proferido o seguinte despacho: «Determina o art.º 266, n.º 2, c), do CPC que "A reconvenção é admissível nos seguintes casos: (...) c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.” Atento o teor do citado normativo, dúvidas não se suscitam de que a compensação não pode ser invocada a título de excepção, apenas o podendo ser em sede de reconvenção.

    No sentido exposto, refere José Lebre de Freitas, in "Sobre o Novo Código do Processo Civil (uma visão de fora)", disponível em www.oa.pt: "Contra a orientação jurisprudencial dominante, o legislador quis dar à dedução da compensação o tratamento processual da reconvenção: onde anteriormente se dizia que a "reconvenção é admissível (...) quando o réu se propões obter a compensação" (art. 274°-1-b), passa a dizer-se que "a reconvenção é admissível (...) quando o réu pretender o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor " (art. 265°-2-c).

    Nunca tendo sido questionado que o pedido de condenação no excesso constitui reconvenção, a inovação está em que, na parte em que os valores dos dois créditos coincidem, teremos uma causa de extinção das obrigações (art. 847°-1 CC) já não tratada como uma exceção peremptória.

    Tanto na parte em que é excepcionado, como facto extintivo de direito civil, como naquela em que funda um pedido de condenação (pelo excesso), o contracrédito só pode ser feito valer no pressuposto da sua existência e o que a lei nos vem dizer é que o reconhecimento de que existe constitui um pedido que o réu deverá dirigir contra o autor. É assim, por natureza, na parle do excesso: o pedido de condenação do autor a pagá-lo ao réu tem, como elemento material, a existência dessa parte do crédito.

    Mas, na outra parte, o mesmo raciocínio, aplicado à exceção, não interfere no objeto do processo, pelo que, na falta de uma norma como a agora introduzida, o reconhecimento do contracrédito só entraria a fazer parte do objeto do processo se alguma das parles pretendesse a sua inclusão no pedido ("se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude”: art. 91.º-2). É esta inclusão que se torna agora obrigatória: o réu não se poderá limitar a invocar a exceção da compensação, terá de pedir ("pretender') o reconhecimento do seu crédito. Talvez se possa falar de um ónus de reconvir, cuja observância servirá de suporte à exceção de compensação e cuja inobservância terá como efeito a rejeição desta. (...)”.

    Atento o exposto, conclui-se que a compensação invocada pela Ré, na medida em que não foi formulado pedido reconvencional (pedido esse inadmissível atento o formalismo a que obedece apresente acção), é inoponível à Autora.».

    Não se confirmou a requerida e interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: A. O douto despacho de fls., de 30.01.2015, com a referência 344910037, determinou a inoponibilidade à Autora da compensação...

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