Acórdão nº 73/14.9GBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução30 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pr 73/14.9GBMTS.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – B… veio interpor recurso do douto acórdão do Juiz 2 da Secção Criminal da Instância Central de Vila do Conde do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que o condenou, pela prática de um crime de coação, p. e p. pelos artigos 154º, nº 1, e 155º, nº 1, a), do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão; pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do mesmo Código, na pena de quatro meses de prisão; pela prática de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, e 145º, nº 1, a), do mesmo Código, na pena de três anos de prisão; pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos e dois meses de prisão; e que o condenou também a pagar à “Unidade Local de Saúde de Matosinhos, E.P.F.” a quantia de cento e três euros e noventa e seis cêntimos, acrescida de juros vincendos, à taxa legal.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões: «DA PRÁTICA DO CRIME DE DANO I.

Dispõe o artigo 212.º n.º 1 do Código Penal no seu n.º 1 que quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

II.

Sendo que nos termos do disposto no n.º 3 do mesmo artigo o procedimento criminal depende de queixa.

III.

Porém da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não nos parece que a ofendida E… fosse titular desse direito e sim os seus pais na qualidade de arrendatários.

IV.

Resulta pacificamente da jurisprudência e da doutrina que coisa alheia para efeitos do crime de dano, é apenas aquela cujo direito de propriedade, de gozo, fruição e guarda pertence a outrem que não o agente.

V.

Resultando das declarações do ofendido C… (audiência de discussão e julgamento de 18.02.2015 ao minuto 00:20:30 do ficheiro 20150218154456_13804469_2871567) que os seus pais são os arrendatários de tal imóvel como tal seriam estes que deveriam ter apresentado queixa pela prática deste ilícito.

VI.

Razão pela qual o recorrente deve ser absolvido pela prática do crime de dano pelo qual foi condenado por não se encontrarem preenchidos todos os requisitos integradores do aludido crime.

DA PRÁTICA DO CRIME DE COACÇÃO AGRAVADA VII.

Mal andou ainda o Tribunal a quo quanto à condenação do recorrente pela prática de um crime de cocção agravada p. e p. artigo 154.º e 155.º, n.º 1, alínea a).

VIII.

A verdade é que o recorrente em momento algum ameaçou o ofendido C… nem este refere ter tido medo ou que tenha sido obrigado pelo recorrente a fazer seja o quer o que for.

IX.

Aliás é o próprio ofendido que refere não ter sido coagido a fazer seja o que for ao minuto 00:24:45 e respondendo à pergunta se se sentiu de alguma maneira coartado, coagido de fazer o que quer que seja: a resposta é perentória: “Não.” X.

Ora, o crime de coacção, na modalidade praticada no caso em apreço, consiste na ameaça da prática de um crime punível com pena de prisão superior a três anos (art. 154.º citado).

XI.

O que é importante é que o facto ameaçado, constituindo crime (seja usada arma ou não) seja idóneo a provocar medo na pessoa ameaçada.

XII.

O que claramente não sucedeu no caso concreto de forma que deveria o recorrente ser absolvido da prática do crime de coacção agravada.

XIII.

Ainda que assim não entendam, a ser o recorrente condenado sempre teria de ser pela prática de um crime de coacção simples p. e p. pelo artigo 154.º do Código Penal na forma tentada pois que se o objectivo do recorrente era obrigar o ofendido C… a indicar-lhe onde estava o ofendido “D…” tal não chegou a suceder pois numa habitação com quatro quartos depois da segunda porta o recorrente seguiu sozinho deixando o ofendido C… para trás indo sozinho à procura do ofendido D1… (audiência de discussão e julgamento de 18.02.2015 ao minuto 00:06:16 a 00:07:00 do ficheiro 20150218154456_13804469_2871567).

XIV.

Refere o ofendido que “a partir dai (do quarto da avó) ele vai sozinho.” XV.

Ficando o Ofendido C… para trás continuando o recorrente sozinho à procura do ofendido D1… pelo que se encontra errada e incorrectamente dado como provado o facto do ponto 7 dos factos provados na sua parte final pois que o ofendido C… não foi obrigado a percorrer o corredor da habitação na sua totalidade e a indicar o quarto onde se encontrava o casal ofendido.

DA PRÁTICA DO OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA XVI.

Não pode o recorrente concordar com a condenação pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada nos termos do disposto no artigo 145.º, n.º1, alínea a).

XVII.

Na significação corrente do termo, motivo fútil é o “que tem pouca ou nenhuma importância, nulo, vão, inútil”, conforme definição da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

XVIII.

Nas palavras de Figueiredo Dias, (In Comentário Conimbricense, Parte Especial, I, pág. 32), motivo “torpe ou fútil” “significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado repugnante, baixo ou gratuito”.

XIX.

Em síntese conclusiva: motivo fútil é o móbil do crime da actuação despropositada do agente, sem sentido perante o senso comum, por ser totalmente irrelevante na adequação do facto, radicando num egoísmo mesquinho e insignificante do agente.

XX.

Revertendo ao caso dos autos, o motivo determinante do acto praticado pelo arguido terá sido o final da relação entre este e a ofendida E… e o consequente reatamento da relação desta com o ofendido D1….

XXI.

Estamos claramente perante um “desgosto de amor” que provocou uma dinâmica de emoções e sentimentos no recorrente.

XXII.

Ora isto não é de considerar irrisório ou insignificante pois no preciso dia em que se dá a ruptura dá-se o reatamento da relação da ofendida E… com o ofendido D1….

XXIII.

Razão pela qual não deveria o recorrente ter sido condenado pela prática do crime de ofensas à integridade física qualificada por não se encontrar preenchida a previsão do disposto no artigo 145.º, n.º 1 alínea a) e 132.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal.

XXIV.

No limite deveria apenas o recorrente ter sido condenado pela prática do crime de ofensas à integridade física simples com as necessárias implicações legais, sem esquecermos ainda da desistência de queixa de fls. 387 pois que resulta da prova produzida em julgamento resultou que esta desistência foi livre, vejam-se declarações do ofendido D1…, gravadas em suporte digital na sessão de discussão e julgamento de dia 12.02.2015 (ficheiro 20150212113855_13804469_2871567 ao minuto 18:00), bem como resulta das declarações da Ofendida E…, (audiência de discussão e julgamento de 12.02.2015 do minuto 00:38:00 a 00:39:00 do ficheiro 20150212103352_13804469_2871567) que foram de livre vontade ter com a Advogada e que foi também de livre vontade que subscreveram o requerimento de desistência de queixa.

DA PRÁTICA DO CRIME DE AMEAÇA XXV.

Considera o recorrente face à prova produzida em sede audiência d discussão e julgamento, designadamente resulta das declarações da ofendida E…, não estar preenchido o tipo do crime de ameaça.

XXVI.

O crime de ameaça, cujo bem jurídico tutelado é a liberdade de decisão e de acção, tem como elementos constitutivos do respectivo tipo: - Que o agente ameace outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor; - Que a ameaça seja adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; - O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto.

XXVII.

A ameaça é, como se sabe, um mal futuro e não, iminente, de natureza pessoal ou patrimonial, que depende da vontade do agente, e pode revestir uma qualquer forma incluindo, a gestual.

XXVIII.

O mal ameaçado tem sempre que constituir crime – que a lei enuncia – mas a vítima deste pode ou não coincidir com a vítima ou sujeito passivo do crime de ameaça.

XXIX.

Por outro lado, a ameaça tem que chegar ao conhecimento do seu destinatário, do sujeito passivo do crime, e deve ser adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, adequação a aferir através de um critério objectivo-individual.

XXX.

Efectivamente a ofendida E… refere ao minuto 00:44:56 que não tem medo do recorrente quando questionada se face ao que aconteceu tem medo deste (audiência de discussão e julgamento de 12.02.2015 do minuto 00:44:56 a 00:45:00 do ficheiro 20150212103352_13804469_2871567).

XXXI.

Mesmo o irmão da ofendida E…, o também ofendido C… refere ao minuto 00:20:59 que a irmã nunca se queixou de ser ameaçada (audiência de discussão e julgamento de 12.02.2015 do minuto 00:20:59 a 00:21:30 do ficheiro 20150212121805_13804469_2871567).

XXXII.

Para concretização do crime de ameaças é necessário por um lado que o sujeito activo queira criar no espirito do ofendido medo ou receio de que o crime pronunciado se realizará.

XXXIII.

Por outro lado que o sujeito passivo, abstratamente tipificado como homem médio, tenha em vista esse medo ou receio.

XXXIV.

Ora resulta claro que não tendo o comportamento do recorrente não sendo idóneo a provocar como é verdade que não provocou efectivo receio, medo ou inquietação ou tenha prejudicado a liberdade de determinação da Ofendida E… devia o recorrente ter sido absolvido da prática do crime de ameaças.

XXXV.

Face às declarações da Ofendida acima referidas encontra-se errado e incorrectamente dado como provado o ponto 26 dos factos provados que o arguido B… agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as expressões que dirigiu à ofendida E… eram idóneas a causar medo e receio de que poderia vir a atentar contra a sua integridade física, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

DA...

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