Acórdão nº 8729/12.4TBVNG-G.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução02 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 8729/12.4TBVNG do J3 da Secção Cível de Vila Nova de Gaia ……………………………………………… ……………………………………………… ……………………………………………… Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados: A insolvente deste processo requereu, em 12/06/2014, que o imposto devido pelas mais-valias geradas pela da venda por 240.000€, pelo administrador da insolvência, de um imóvel da massa insolvente, imóvel que antes integrava o seu património e que tinha sido adquirido por doação, fosse considerado uma dívida da massa, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 51 do CIRE. A insolvente tinha declarado tal venda na sua declaração de IRS referente a 2013.

O AI opôs-se a que tal pretensão.

O Ministério Público acompanhou a posição da insolvente face ao teor do art. 51/1c) e d) do CIRE.

Foi então proferido o seguinte despacho [na parte que importa]: “concorda[-se] integralmente com a posição da insolvente e do MP quanto às mais-valias decorrentes da venda do imóvel, atentas as disposições legais citadas [pelo MP], e ao facto de não poder ser a insolvente penalizada no seu IRS com uma mais valia de um negócio que em nada a beneficiou, mas apenas à massa insolvente, pelo que, não deve ser a insolvente, mas a massa insolvente, a ser tributada por eventuais mais-valias decorrentes do imóvel a favor da massa”.

Quer o AI quer um dos credores (B… – sucursal em Portugal) recorrem desta decisão para que seja revogada e substituída por outra que indefira o requerimento da insolvente, com argumentos que serão transcritos mais à frente (tirados directamente do corpo das respectivas alegações).

O MP não contra-alegou (juntou um ofício da AT dizendo que a sua posição é, face ao teor das alegações de recurso […] a de não contra-alegar, porquanto a regularização dos créditos tributários não consubstancia matéria constante do litígio]. A insolvente contra-alegou defendendo a improcedência dos recursos (com argumentos que também serão transcritos).

*Questão que importa decidir: se as mais-valias resultantes da venda, pelo AI, de um imóvel, integrado na massa insolvente por força da declaração de insolvência, não devem ser consideradas dívida da massa mas sim da insolvente.

IDiz a massa insolvente: “A massa insolvente não é sujeito passivo de imposto de mais-valias aquando procede à venda de bens imóveis que eram pertença da insolvente.

Conforme resulta dos documentos juntos, a massa não é sujeita passiva do imposto, mas antes a insolvente (cfr. doc. 2), nem poderia ser, como se demonstrará.

Assim sendo, a massa nada deve à administração tributária, nem pode substituir-se à insolvente, pela decisão do tribunal a quo.

Conforme resulta do n.º 1 do art. 46 do CIRE, “A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”.

É pois a massa insolvente um património autónomo do devedor, cujo objectivo primordial é a satisfação dos credores da insolvência.

Não cabendo no conceito de sujeito passivo do art. 13 do CIRS, desde logo porque não se trata de uma pessoa singular, mas antes uma pessoa colectiva, conforme definição de Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 2012 pág. 267: [transcreve a definição de pessoa colectiva dada por este Professor].

O que não permite que as normas constantes no CIRS sejam aplicadas à massa insolvente, pessoa colectiva, nomeadamente, a relativa às mais-valias (cfr. arts 10/1 e 13/1, ambos do CIRS).” Enquadrável no mesmo tipo de argumentos, diz o credor recorrente: “Conforme alegado pela insolvente, a massa insolvente constitui um património autónomo sendo o mesmo responsável pelas suas dívidas e só responde pelas suas dívidas.

Ora, assim sendo não se poderá considerar que a venda do imóvel tenha gerado qualquer mais-valia para a massa insolvente; Uma vez que, a massa insolvente não sendo sujeito passivo de IRS nunca poderia ser tributado em sede de mais-valias, senão vejamos, Nos termos do art. 10 do CIRS é disposto o seguinte: “1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;” No entanto, nos termos dos arts 13 e segs do CIRS na incidência pessoal do imposto devido não é enquadrável a massa insolvente como sujeito passivo de tal imposto.

Do referido deverá decorrer que sendo tal património autónomo (massa insolvente) devedora de qualquer imposto a título de mais-valias em sede de IRS” [sic].

*Decidindo: Da natureza da massa insolvente Quando uma pessoa singular é objecto de uma declaração de insolvência, os seus bens são apreendidos para entrega ao AI e com isso dá--se uma separação de todos os bens susceptíveis de penhora dentro do conjunto do seu património, ou seja, quase todos os seus bens são afectados ao pagamento de um conjunto específico de dívidas [arts. 36/1g), 46, 51, 81/1, 149 e 150 do CIRE].

Daqui decorre uma autonomia patrimonial, que existe quando se está perante uma “certa massa de bens afectada ao pagamento de um conjunto próprio de dívidas.” (Antunes Varela, em anotação ao art. 601 do Código Civil, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 586 – também Oliveira Ascenção, Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido, ROA Dez1995, págs. 652/653, citado pela insolvente no requerimento inicial desta questão, fala de património autónomo, tal como Maria do Rosário Epifânio, Os efeitos substantivos da falência, PUC 2000, pág. 127; e Paula Costa e Silva, A liquidação da massa insolvente, ROA 2005, vol. III, págs. 717 a 719), mas esta separação patrimonial não torna a massa autónoma um novo ente, distinto daquele a quem o património autónomo continua a pertencer. Não passam a existir duas pessoas. Tal como não existem três entes em resultado de um casamento, apesar de existirem dois patrimónios próprios e um comum.

As massas insolventes são apenas partes separadas dos patrimónios das pessoas (singulares ou colectivas) a quem os bens pertencem. O que acontece, quando há uma declaração de insolvência, é apenas, como resulta do art. 81/1 do CIRE, uma transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, do insolvente para o AI. Os bens continuam a ser do insolvente, apenas se dá uma transferência daqueles poderes sobre eles (que de outro modo continuariam no insolvente por os bens serem dele).

Assim, praticando o administrador actos de liquidação da massa insolvente, na forma de venda de bens integrantes desta massa, por um valor superior ao valor pelo qual ele foi adquirido, tal corresponde a um acréscimo do património do devedor, pessoa singular ou colectiva, e o imposto que esse acréscimo vai originar é um imposto do devedor mas pelo qual responde apenas o património separado naquela massa insolvente.

Isto mesmo resulta desde logo dos arts. 51/1c) e 268 do CIRE, especialmente deste último pois que prevê que as mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável. Logo, se não se estiver perante uma destas hipóteses de isenção, as mais-valias realizadas, por exemplo, como no caso, com a venda de bens da massa insolvente, estão abrangidas pelo IRS, concorrendo para a determinação da matéria colectável.

Neste sentido, por exemplo, a informação vinculativa emitida no processo 5957/2010 da Direcção-Geral dos Impostos, com despacho concordante da Srª subdirectora-geral de 01/10/2010, citado nas contra-alegações da insolvente (http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/B88EB745-5794-49A6-8C8C-00AFC4C8030F/0/ProcN%C2%BA5957_2010IRS.pdf): “[…] 4. Procedendo o AI, na qualidade de fiel depositário dos bens do devedor, como representante da massa insolvente, e não em nome próprio, à alienação onerosa de bens imóveis na mesma integrados, não poderá tal situação ser confundida com as mais-valias realizadas por efeito das figuras jurídicas da dação em cumprimento de bens do devedor (realização de uma prestação, diferente da que é devida, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação) e da cessão de bens aos credores (em que o devedor encarrega os credores de liquidar o seu património ou parte dele e de repartirem entre si o respectivo produto para satisfação dos seus créditos) a que, expressamente, se refere o art. 268/1 do CIRE.

5. Do que decorre que, não se...

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