Acórdão nº 7/14.0GHVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução23 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 7/14.0GHVNG.P1 Vila Nova de Gaia Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto (2ª secção criminal) I. RELATÓRIO No processo comum singular nº 7/14.0GHVNG, da Instância Local de Vila Nova de Gaia, Secção Criminal, Juiz 3, da Comarca do Porto, foi submetido a julgamento o arguido B…, com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 26 de janeiro de 2015 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: “Decisão Em face do exposto, e sem outras considerações, o Tribunal decide: 1. Absolver o arguido B… da prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, al. b) e 2 do Código Penal.

  1. Julgar extinto o procedimento criminal contra o arguido pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, nº1 do Código Penal, por ilegitimidade do Ministério Público, nos termos do artigo 188º, nº 1 do Código Penal e do artigo 50º do C.P.P.

  2. Condenar o arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal e um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea c) da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção introduzida pela Lei nº 12/2011, de 27.04, por referência à alínea c) do nº 6 do artigo 3º da mesma Lei, nas penas parcelares de, respectivamente, 150 e 200 dias de multa, e na pena única de 250 dias de multa, à razão diária de € 5,00, o que perfaz a quantia global de € 1.250,00.

  3. Condenar o arguido pela prática, como autor material, de um crime de coacção agravada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, nºs 1 e 2, 23º, 154º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea a), todos do Código Penal na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

    *Mais se condena o arguido no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC, e nos demais encargos a que a sua actividade deu causa.

    *Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal.

    Proceda a depósito.”*Inconformados, o Ministério Público e a assistente C… interpuseram recursos, independentes, apresentando as competentes motivações, que rematam com as seguintes conclusões: A. Recurso do Ministério Público 1. “Foi o arguido B… absolvido da prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, alínea b) e 2, do Código Penal - e condenado, para além do mais, pela prática dos crimes de ofensa à integridade física simples e de coacção agravada na forma tentada, por se ter entendido que as condutas daquele, pese embora repetidas por algumas ocasiões, não são suficientes para integrar a prática do crime referido em primeiro lugar, por não terem gravidade bastante para se poder afirmar que, com elas, o bem-estar físico e emocional e a dignidade pessoal da assistente foram intoleravelmente lesados.

  4. Ora, não podemos, de todo, concordar com tal absolvição. E mesmo até com base nos factos dados como demonstrados na sentença ora colocada em crise.

  5. Para além disso, nos factos dados como provados sob o n.º2 podiam e deviam ter-se dado como demonstradas as concretas expressões proferidas pelo arguido relativamente à assistente, já que isso ficou cabalmente demonstrado em audiência; na verdade, se o Tribunal a quo considerou (e bem!) que tais factos ocorreram, com base no que mencionou a assistente, também podia (e devia) ter dado como demonstradas quais foram tais expressões - precisamente, porque a assistente as mencionou. Veja-se, por exemplo, as declarações desta, aos 09m:50s, em que C… refere que, por várias vezes, o arguido se dirigia à mesma, inclusive à frente de terceiros, dizendo: “tu não percebes nada, cala-te!”. Também aos 11m:40s diz a assistente que, não raras vezes, o arguido se lhe dirigia, dizendo: “oh, ela não percebe nada disso, cala-te!”. Mais referiu a assistente, aos 18m:56s, que B… se lhe dirigia, dizendo: “és uma merda!” 4. Com todo o respeito por opinião diversa, entendemos que o Tribunal se limitou a tirar uma conclusão daquilo que C… disse, dando como provado que o disse (pois que, caso contrário, não teria dado como demonstrado), sem dar como demonstrado o que, em concreto, é que B… proferiu relativamente à assistente, que a levou a sentir-se inferiorizada e desconfortável. E discordamos por completo do referido na subsunção dos factos ao direito, a fls. 368, 2º parágrafo, no sentido de que o facto dado como provado sob o n.º 2 é criminalmente inócuo. Referir-se a alguém, e especialmente à pessoa com quem se vive em união de facto, com expressões e comentários, em frente de terceiros, no intuito de a fazer sentir-se inferiorizada e desconfortável, mostra bem a vontade reiterada de humilhação pública a que o arguido queria vetar C… … 5. Por outro lado, o Tribunal a quo deu por provado que “No dia 13 de Janeiro de 2014, pelas 21h, no interior da mencionada residência, depois de a assistente ter solicitado ao arguido que não perturbasse o seu descanso e de um subsequente desentendimento entre os dois, este agarrou-a pelos pulsos, apertando-os. 5 - A assistente gritou e, nessa altura, o arguido pegou numa almofada que se encontrava em cima do sofá e desferiu-lhe com ela uma pancada na face, atingindo-a no olho esquerdo” (…) “Como consequência directa e imediata da conduta do arguido sofreu a assistente, na face, equimose arroxeada, de forma irregular, com 2 por 1,5 cm na metade externa da pálpebra superior esquerda, no membro superior direito, equimose arroxeada, arredondada, com 1 cm de diâmetro, na face antero-lateral do terço distal do antebraço, que lhe demandaram três dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho profissional e geral”. Por seu turno, deu como não demonstrado que “o arguido atingiu a assistente com o fecho da almofada; de seguida, o arguido desferiu-lhe várias pancadas com a almofada na face”.

  6. Entendemos, contudo, que os factos dados como não provados sob as alíneas g) e h) deveriam, atento até o que foi dado como demonstrado sob o ponto 12., ter sido dados como provados.

  7. É que, se é inegável que a assistente referiu que não tinha a certeza se o arguido a atingiu, ou não, com o fecho da almofada, e que o arguido apenas admitiu ter dado uma pancada com a almofada na assistente (dizendo esta que este lhe desferiu várias pancadas na face), a verdade é que entendemos que andou mal a sentença ora posta em crise ao entender que não havia razão para dar maior credibilidade a um dos relatos em detrimento do outro - razão pela qual apenas deu como demonstrado o admitido pelo arguido.

  8. Com efeito, o relatório médico-legal junto aos autos a fls. 78 a 80 e com base no qual se deu como demonstrados os factos descritos sob o ponto 12., refere que C… apresentava uma equimose arroxeada na face, com 2x1,5 cm, na metade externa da pálpebra superior esquerda. E não nos parece que uma única pancada na face, com uma almofada, causasse tal equimose. Na verdade, se é inegável que a assistente não conseguiu confirmar se o arguido a atingiu, ou não, com o fecho da almofada, a verdade é que, atenta a lesão documentada nos autos, cotejada com as regras da experiência comum (pois que uma só pancada com uma almofada não seria suficiente para causar tais lesões) poder-se-ia, por si só, dar como demonstrado que aquele a atingiu com fecho da mesma. De outro modo, não teria a lesão ali documentada. O mesmo se refira quanto ao facto dado como não provado sob a alínea h).

  9. A ser assim, tinha o Tribunal a quo motivos para dar maior credibilidade à versão dos factos apresentada pela assistente - e desvalorizar por completo a versão apresentada por B…, por se tratar de “história” completamente inverosímil. Deste modo, e em suma, entendemos que o relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, cotejado com as regras da experiência comum, impunham que, quanto a estas alíneas, se desse como demonstrada a versão dos factos apresentada pela assistente, por se tratar, de facto, da versão mais consentânea com a realidade.

  10. Entendemos, pois, que o ponto dado como demonstrado sob o n.º5 e os factos referidos nas alíneas g) e h), considerados como não provados, foram incorrectamente julgados, sendo que as provas supra mencionadas (relatório de exame médico-legal e declarações da assistente, conjugadas entre si e em cotejo com as regras da experiência comum a que se deve sempre socorrer) impunham decisão diversa da ora colocada em crise. Na verdade, deveria ter sido dado como demonstrado que (…) “a assistente gritou e, nessa altura o arguido pegou numa almofada que se encontrava em cima do sofá e desferiu-lhe com ela várias pancadas na face, atingindo-a com o fecho da mesma no olho esquerdo. De seguida, o arguido desferiu-lhe várias pancadas com a almofada na face”. Ao não decidir deste modo, violou o Tribunal recorrido o disposto nos art. 127º e 374º, n.º2, ambos do C.P.P.

  11. Acresce que independentemente do supra referido, i.e., mesmo não dando como demonstrado o supra explanado, ainda assim o Tribunal a quo deveria ter condenado B… pela prática de um crime de violência doméstica.

  12. Na verdade, comete o crime de violência doméstica todo aquele que “de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais […]a pessoa do outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação”, sendo que tal crime é agravado “se o agente praticar o facto […]no domicílio comum”.

  13. As condutas abrangidas por este tipo de ilícito abrangem tanto os maus tratos físicos (isto é, ofensas à integridade física simples), como os maus tratos psíquicos (humilhações, provocações, o molestar, ameaças mesmo que não configuradores em si do crime de ameaça). Como decorre da actual redacção dos artigos 152º e 152º A, ambos do Código Penal, afastou-se expressamente a exigência de reiteração como...

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