Acórdão nº 333/14.9TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução23 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 333/14.9TVPRT.P1.– 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 243) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto) Des. Dr. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto) Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO B…, SA, com sede na …, nº …, em …, Vila Nova de Famalicão, apresentou, em 15-04-2014, na Comarca do Porto, através de requerimento-formulário A, subscrito por Advogado, um procedimento de injunção de pagamento europeia, ao abrigo do Regulamento (CE) 1896/2006, pedindo que C…, com domicílio em …, …, Itália, lhe pague a quantia de 9.066,89€ resultante do preço (6.974,40€) de peças de vestuário que, em 2011, lhe vendeu, para comércio na loja deste, naquela localidade e país, conforme várias facturas emitidas, juros vencidos (1.238,49€) e despesas de cobrança (854€), e que, apesar de interpelado, não lhe pagou.

No ponto 3 do Formulário A, destinado à indicação do fundamento da competência do tribunal, indicou o código 12, respeitante a “escolha do foro acordado pelas partes”.

No ponto 4 justificou o carácter transfronteiriço do caso, No ponto 10, relativo aos “meios de prova que sustentam o pedido” relativo a “prova documental” e na descrição anotou apenas “four invoices” – mas nada juntou.

Uma vez distribuído o procedimento e paga a taxa de justiça inicial, a respectiva Secretaria Judicial, oficiosamente, encetou as diligências para citação – sem que tenha sido proferido qualquer despacho judicial de “análise do requerimento”, conforme previsto no artº 8º, do citado Regulamento.

A citação foi efectuada na pessoa de C…, na …, .., …, Itália.

Então, por correio electrónico, deu entrada na Secretaria em 02-07-2014, uma exposição escrita, em língua italiana, subscrita por advogado, da qual se nos afigura constar que o citado C… alega jamais ter tido qualquer relação comercial com a requerente e com Portugal, em qualquer veste, pedindo que o tribunal e o advogado daquela aprofundem as circunstâncias, pois claramente apenas é um homónimo do requerido C….

Como comprovativos, juntou documentos de identidade.

Notificado da junção deste expediente e alegadamente para apresentar a sua tradução, a requerente respondeu que a oposição só é possível através do formulário F e não por tal forma, requereu que, por isso, seja desentranhada e, subsidiariamente, que a tradução seja ordenada ao apresentante.

Então, com data de 26-11-2014 e conforme fls. 63 a 66, foi proferida a seguinte decisão: “1. Por ora, nada se determina quanto à «oposição» deduzida nos autos e, bem assim, quanto à sua tradução, questões que se mostram prejudicadas nos termos do despacho que segue.

*2. “B…, SA”, com sede em VN Famalicão, propôs contra “C…, com domicílio em … – Italia, a presente injunção de pagamento europeia, ao abrigo do consagrado no Regulamento CEE 1896/2006 de 12.12.2006.

  1. Cumpre conhecer da incompetência dos tribunais portugueses, sendo certo que os autos contêm todos os elementos necessários para conhecimento da excepção invocada.

  2. Como resulta dos termos do litígio reporta-se ele a contratos de compra e venda outorgados entre as partes e atinentes a peças de vestuário produzidos/comercializados pela Requerente e entregues ao Requerido, sendo certo que os respectivos preços não terão sido alegadamente pagos – vide formulário junto pela Requerente.

    Por outro lado, ainda, o litígio é plurilocalizado, na medida em que envolve uma sociedade de direito portuguesa, com sede em Portugal, e um comerciante italiano, com estabelecimento naquele país.

    Em suma, como se vê do exposto, o litígio assume a natureza de «caso transfronteiriço» a que alude o art. 3º do Regulamento CEE n.º 1896/2006, requisito, aliás, indispensável à aplicabilidade do mesmo Regulamento.

    Relativamente já à competência específica, no universo dos tribunais portugueses, para a instauração e tramitação da injunção de pagamento europeia, regulada pelo já citado Regulamento CEE 1896/2006, o Estado Português comunicou, pelos meios próprios, à Comissão Europeia que as Varas Cíveis do Porto (hoje Instância Central 1ª secção da Comarca do Porto) são os tribunais competentes para emitir as ditas injunções.

    Deste ponto de vista, a caber a concreta injunção de pagamento europeia na competência dos tribunais portugueses, dúvidas não existiriam que, no universo dos tribunais comuns portugueses, a sua instauração e tramitação incumbe a esta 1ª secção cível da Instância Central da Comarca do Porto, sem prejuízo do preceituado no 17º, n.º 1 do mesmo Regulamento CEE 1896/2006.

    Porém, a questão que se deve por é precisamente a de saber-se se, no caso concreto dos autos, os tribunais portugueses (sejam eles esta secção da Instância Central ou um qualquer outro tribunal português) dispõem de competência para conhecer da presente injunção.

    Nesta sede, dispõe o art. 6º do Regulamento CEE 1896/2006 o seguinte: «Para efeitos da aplicação do presente regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento (CE) n.º 44 2001.» Este Regulamento CEE 44/2001 de 22.12.2000, publicado no JO L12 de 16.01.2001, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, entrou em vigor a 1.03.2002 – vide art. 76º do citado Regulamento.

    Ora, quanto à competência dos tribunais dos vários Estados-membros, estabelece o seu art. 5º que «uma pessoa com domicílio no território de um Estado-membro só pode ser demandada noutro Estado-membro em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão», estabelecendo, ainda, a alínea b)- do mesmo artigo 5º que, salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação, no caso da venda bens, é o lugar onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.

    Ora, no caso em apreço, precisamente, está em causa um contrato de compra e venda de bens (peças de vestuário) que foi vendida pela Requerente ao Requerido e que lhe foi entregue ou disponibilizada em … –Itália e para o comércio deste último –vide informação a fls. 8 dos autos.

    Em suma, como se vê do antes exposto, o alegado crédito da Requerente sobre o Requerido tem origem em contrato de compra e venda de mercadorias para o comércio daquele último, mercadorias que foram entregues no estabelecimento do Requerido, em … – Itália.

    Desta forma, na ausência de qualquer convenção em contrário (que não foi sequer alegada), no caso concreto dos autos, a competência para a presente injunção europeia de pagamento não radica nos tribunais portugueses, antes nos tribunais italianos, por ter sido em Itália que as mercadorias vendidas foram entregues e sendo certo que o presente litígio assume natureza contratual, por ser reportar ao alegado não pagamento de tais mercadorias – cfr. art. 5º, n.º 1 al. a)- e b)- do Regulamento CEE 44/2001 e art. 6º, n.º 1 do Regulamento CEE 1896/2006.

    Com efeito, decorre necessariamente dos arts. 3º, 1º e 5º, n.º 1 al. a)- e b)- do Regulamento CEE 44/2001 que o Requerido, estando sedeado em Itália, não pode ser demandado perante os tribunais portugueses, no âmbito de injunção europeia para pagamento regulada pelo já citado Regulamento CEE 1896/2006, quando a causa de pedir assume natureza contratual (contrato de compra e venda) e a entrega da mercadoria vendida, cujo pagamento de preço é reclamado, ocorreu também em Itália, como sucede no caso dos autos.

    Num tal circunstancialismo, por força dos já citados artigos 3º, n.ºs 1 e 5º, n.ºs 1 al. a)- e b)- do Regulamento CEE 44/2001, o aqui Requerido só pode ser demandado perante o seu próprio Estado, ou seja perante os tribunais italianos, que detêm a competência judiciária para tal.

  3. Decisão: E, assim sendo, face a todo o exposto, julgo procedente, por provada, a excepção de incompetência (absoluta) dos tribunais portugueses para o conhecimento da presente injunção europeia de pagamento, instaurada ao abrigo do Regulamento CEE 1896/2006, absolvendo o Requerido C… da instância.” A sociedade requerente não se conformou e interpôs recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações: “I - A sentença em causa viola manifestamente o disposto no Regulamento CEE1896/2006, parecendo na sua sentença olvidar as regras legais que tal regulamento impõe para a emissão de uma injunção europeia e para a consequente notificação da mesma à parte contrária.

    II - Ora, estatuí o dito regulamento, no seu art. 8.º, sob a epigrafe de “Análise do Requerimento”, que o tribunal ao qual é apresentado um requerimento de injunção de pagamento europeia “analisa, no prazo mais curto possível, com base no formulário de requerimento, se estão preenchidos os requisitos estabelecidos nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 6.º e 7.º e se o pedido parece fundamentado” III – O art. 6.º do dito regulamento reporta-se à competência do tribunal para dirimir o litígio que lhe é proposto, estabelecendo o mesmo que para efeitos da aplicação do regulamento a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento (CE) n.º 44/2011.

    IV - Só após o tribunal ter analisado a verificação de tal requisito (em conjunto com os previstos no art.º 2.º, 3.º, 4.º e 7.º) é que poderá, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos aceitar o mesmo, devendo-o recursar, nos termos do art. 11.º, n.º1, a), ou seja, se tais requisitos, entre os quais o da competência do tribunal, não estiverem verificados.

    V - No nosso caso concreto, o douto tribunal analisou o dito requerimento, entendeu, e bem, estarem preenchidos todos os requisitos, e nos termos do art. 12.º do regulamento CEE 1896/2006, emitiu uma injunção de pagamento europeu, utilizando para esse feito, o formulário normalizado E, constante do Anexo V. VI - Não existem, por isso, dúvidas de que a apreciação dos pressupostos processuais foi feita pelo tribunal, tendo o mesmo com a...

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