Acórdão nº 1250/15.5TTVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução15 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 1250/15.5TTVNG.P1 Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 825) Adjuntos: Des. Rui Penha Des. Maria José Costa Pinto I. Relatório B…, aos 24.10.2013, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Santa Casa da Misericórdia …, esta litigando com benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, SA, pedindo que: - se considere a existência de contrato de trabalho entre autora e ré; - a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 85.419,47 a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, acrescida da quantia de € 2.624,86 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal referentes ao ano da cessação do contrato; - se considere que a ré despediu ilicitamente a autora; - a condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 2.099,89 a título de retribuições vencidas, acrescida das retribuições vincendas até ao trânsito em julgado da decisão; - a condenação da ré a proceder à reintegração da autora ou a pagar indemnização de antiguidade; - a condenação da ré a pagar à autora juros de mora, desde a data de vencimento das prestações até integral pagamento.

Para tanto e em síntese, alegou, pelas razões que invoca, que a relação jurídica mantida com a Ré consubstancia um contrato de trabalho e que foi ilicitamente despedida por esta. Invocou ainda a falta de pagamento das quantias peticionadas.

A ré contestou, impugnando motivadamente os factos alegados pela autora e pugnou pela qualificação do contrato celebrado entre as partes como um contrato de prestação de serviços.

Fixado o valor da ação em €90.144,22 (fls. 252), proferido despacho saneador, com dispensa da fixação dos temas da prova e realizada a audiência de julgamento, com gravação dos depoimentos prestados, foi proferida sentença, com inclusão da decisão da matéria de facto, julgando-se a ação totalmente improcedente e absolvendo-se a Ré dos pedidos.

Inconformada, veio a A. recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: “1.ª Considera a Recorrente terem sido incorrectamente julgados os n.os 2, 8, 15 e 18 da matéria de facto, tidos como não provados, bem como a omissão de facto, que, muito embora não alegado, foi sujeito a contraditório – art. 72.º, n.º 1, do C.P.T..

Assim: 2.ª Através da audição da prova gravada do depoimento prestado pelo Dr. C…, no dia 29/05/2014, aos tempos 0:53:36 a 0:53:52; do depoimento prestado por D…, no dia 29/05/2014, aos tempos 0:06:47 a 0:07:22; do depoimento prestado por E…, no dia 11/06/2014, aos tempos 0:07:52 a 0:09:49; do depoimento prestado por F…, no dia 11/06/2014, aos tempos 0:02:47 a 0:03:46, deve considerar-se provado o seguinte facto: “É hábito na actividade de enfermagem a substituição entre colegas referida em 12.”.

  1. Através da audição da prova gravada do depoimento prestado por E…, no dia 11/06/2014, aos tempos 0:18:11 a 0:19:16; do depoimento prestado por F…, no dia 11/06/2014, aos tempos 0:10:55 a 0:11:53, deve considerar-se provado o seguinte facto: “Os registos referidos em 22. e 23. destinavam-se a controlar o cumprimento do horário de trabalho da Autora.”.

  2. Através da audição da prova gravada do depoimento prestado pelo Dr. C…, no dia 29/05/2014, aos tempos: 0:52:31 a 0:54:51; do depoimento prestado por D…, no dia 29/05/2014, aos tempos 0:20:31 a 0:21:25; do depoimento prestado por E…, no dia 11/06/2014, aos tempos 0:19:28 a 0:21:17; do depoimento prestado por F…, no dia 11/06/2014, aos tempos 0:12:07 a 0:13:42, deve considerar-se provado o seguinte facto: “Foi a Ré quem determinou a passagem dos recibos verdes.”.

  3. Através da audição da prova gravada do depoimento prestado por D…, no dia 29/05/2014, aos tempos 0:32:26 a 0:32:50; do depoimento prestado por E…, no dia 11/06/2014, aos tempos 0:25:41 a 0:27:05; do depoimento prestado por F…, no dia 11/06/2014, aos tempos 0:13:59 a 0:16:32; do depoimento prestado por G…, no dia 11/06/2014, aos tempos 0:10:51 a 0:11:37, deve considerar-se provado o seguinte facto: “A Ré tinha um corpo clínico e de enfermagem, no qual a Autora estava incluída.” 6.ª Através da audição da prova gravada do depoimento prestado pelo Dr. C…, no dia 29/05/2014, aos tempos 0:08:29 a 0:17:39, 0:50:40 a 0:51:01, 0:53:07 a 0:53:52 a 0:57:35 a 0:58:08; do depoimento prestado por E…, no dia 11/06/2014, aos tempos 0:05:40; do depoimento prestado por H…, no dia 27/06/2014, aos tempos 0:46:55 a 0:47:24, resulta que pelos motivos referidos no corpo das alegações devia ter sido dado como provado o seguinte facto: “Os postos de trabalho atribuídos aos(às) enfermeiros(as) eram repartidos entre eles, os quais definiam, entre si, o tempo de trabalho a observar, de modo a garantir o respectivo funcionamento durante as 24 horas por dia nos 365 dias por ano.”.

  4. Ainda que a impugnação da matéria de facto sustentada pela Recorrente não mereça provimento, os factos dados como provados são manifestamente suficientes para qualificar a relação contratual existente entre a Recorrente e a Recorrida como contrato de trabalho.

  5. A jurisprudência e a doutrina elegeram como pedra de toque da distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços a existência ou não de subordinação jurídica.

  6. A subordinação jurídica, para a maioria da doutrina e jurisprudência, corresponde ao lado passivo da posição de supremacia que corresponde ao dador de trabalho, titular de um poder directivo, que o habilita a organizar e disciplinar o trabalho, a fixar os termos em que este há-de ser prestado, com vista à consecução dos fins visados pelo organismo do trabalho de que o trabalhador faz parte. Por seu turno, impende sobre o trabalhador um dever de obediência no tocante à execução e disciplina no trabalho, traduzindo-se esta dependência mais do que uma simples submissão a instruções ou a um controlo genérico ou ocasional que também se pode verificar em relações de trabalho autónomo.

  7. Actividades em que a respectiva natureza implique a autonomia técnica do prestador, onde se insere a actividade da Recorrente, bem como advogado, médico, músico, engenheiro, podem ser objecto de contrato de trabalho, conforme decorria do art. 5.º da LCT, mais tarde correspondente ao art. 112.º do CT de 2003 e actualmente ao art. 116.º do CT 2009, ficando o trabalhador adstrito à observância de directrizes gerais em matéria de organização do trabalho (local, horário, normas de procedimento burocrático, regras disciplinares) logo com subordinação jurídica, mas sem dependência técnica.

  8. A doutrina e a jurisprudência têm recorrido ao método indiciário para apurar a subordinação jurídica, dada a impossibilidade de recorrer à interpretação da vontade das partes, nos termos gerais prescritos nos art. 236.º e ss do CC, uma vez que a posição antagónica assumida pelas partes inviabiliza quer a averiguação da sua vontade ao celebrar o contrato, quer a respectiva interpretação, e dado o excessivo alargamento do campo de aplicação do direito do trabalho, resultante do método tipológico, associado à tipificação social.

  9. Assim, a qualificação da relação jurídica tem como ponto de partida a factualidade apurada, sendo o nomen iuris substituído pela materialidade da relação e não pela sua designação, em obediência ao princípio da realidade.

  10. Conforme relata o citado Ac. do STJ de 10.07.2008 que na vigência da LCT, era já jurisprudência corrente que os indícios ou sinais da existência da subordinação jurídica de que o intérprete se devia socorrer eram: - a vinculação a horário de trabalho; - a execução da prestação em local definido pelo empregador; - a existência de controlo externo do modo de prestação do trabalho; - a obediência a ordens; - a sujeição à disciplina da empresa; - a modalidade da retribuição, em regra em função do tempo de trabalho, o direito a férias remuneradas e o pagamento de subsídios de férias e de Natal; - a propriedade dos instrumentos de trabalho; e - o regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.

    Ainda na vigência da LCT, foram-se adicionando outros indícios, tais como: - o recurso a colaboradores; - o regime de faltas; - o regime disciplinar; - a repartição do risco; e - a integração na organização.

    A par destes indícios, de natureza negocial interna, surgem outros, de natureza negocial externa, tais como: - a exclusividade da prestação; - o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade; - a inscrição na Segurança Social; e - a filiação sindical.

  11. A doutrina e jurisprudência alertam para o facto de estes indícios terem um valor relativo ou aproximativo, quando individualmente considerados, variando o respectivo valor indiciário com natureza da actividade e com o peso relativo que, em concreto, lhe deva ser atribuído, devendo ser sujeitos, por isso, a um juízo global.

  12. A matéria de facto dada como provada, no caso sub iudice, permite qualificar o vínculo estabelecido entre a Recorrente e a Recorrida como contrato de trabalho, tendo a Recorrente provado, como lhe competia, nos termos do art. 342.º do CC, os factos reveladores da existência do contrato de trabalho.

  13. Com efeito, a matéria dada como provada corresponde, de forma inequívoca, aos indícios que a doutrina reconduz ao momento organizatório, reconhecendo-lhes, por isso, mais ênfase, nomeadamente, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, a retribuição em função do tempo, a vinculação a horário de trabalho, pese embora o mesmo seja definido tendo em conta a conveniência da Recorrente e da Recorrida, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a inserção da Recorrente na estrutura organizativa da Recorrida e a propriedade dos instrumentos.

  14. A obediência a ordens e a sujeição à disciplina da empresa transparecem, desde logo, de forma nítida dos pontos 5, 6, 16, 17, 42 e 43 da matéria dada como provada, na qual resulta a sujeição da prestação da actividade...

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