Acórdão nº 465/11.5TTVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelRUI PENHA
Data da Resolução15 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 465/11.5TTVFR.P1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B…, residente na …, nº .., …, Espinho, com patrocínio judiciário, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, S.A., com sede na …, nº ….., ….

Pede que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 13.288,38, acrescida dos juros de mora que, à taxa legal, se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese: 1. A R, admitiu ao seu serviço o A. no dia 20 de Março de 2006, para trabalhar sob as suas ordens, direcção, autoridade e fiscalização, e mediante retribuição constituída por uma parte certa e outra variável (retribuição mista), férias, subsídio de férias e de Natal, bem como por um subsídio de alimentação.

  1. Em Maio de 2.010, o A. comunicou à R. a denúncia do seu contrato de trabalho, cumprindo o aviso prévio de 60 dias.

  2. O A. auferia uma retribuição mista constituída por uma parte certa correspondente à retribuição base e por uma parte variável, correspondente a uma comissão de 4% sobre as vendas de “aplicações extra”, apurada mensalmente em função dessas vendas.

  3. a R. não processava tal comissão como retribuição em sentido próprio, quer porque assim não a designava no recibo de vencimento quer porque não reflectia tal valor na remuneração do período de férias nem nos subsídios de férias e de Natal.

  4. Não obstante ter sido individualmente acordado um horário de trabalho correspondente a um período normal de trabalho de 40 horas semanais.

  5. Certo é que logo a partir da sua admissão ao serviço da R. o A. prestava trabalho suplementar durante pelo menos uma semana por mês, rotativamente com os seus colegas de trabalho.

  6. Nos dias em que prestava trabalho suplementar, o A. entrava ao serviço às 08,00h. e saia às 20,00h., tendo um intervalo para almoço de uma hora.

  7. O A. reclama da R. o pagamento da quantia de € 3.562,49, valor que foi ilegitimamente obrigado a entregar à R. em 07/07/2008.

    Procedeu-se a audiência das partes, revelando-se infrutífera a tentativa de conciliação.

    A ré veio contestar impugnando o alegado pelo autor, com excepção da quantia de € 95,03, e que é incompreensível parte da petição.

    O autor respondeu à contestação.

    Foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para final o conhecimento das excepções, e dispensando a prolação de base instrutória.

    O autor veio ampliar o pedido, sendo relativamente à remuneração variável para € 3.620,66, e quanto ao trabalho suplementar para € 8.048,55, em face de documentos juntos aos autos.

    A ré deduziu oposição à ampliação.

    Foi proferido despacho a admitir a ampliação, o qual transitou em julgado.

    Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo-se fixado a matéria de facto provada como consta da acta de fls. 276 a 289.

    Foi proferida sentença, que decidiu: Julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenar a R. C…, Lda a pagar ao A. a quantia global de € 3.600,09 [(três mil e seiscentos euros e nove cêntimos, (€ 3.505,06 + € 95,03)], acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo a R. do demais peticionado.

    Inconformado interpôs o autor o presente recurso de apelação, concluindo: I. Na douta sentença recorrida, a Meritíssima Juiz “a quo” fez a correcta distinção do trabalho suplementar prestado em dias úteis pelo aqui recorrente, do trabalho suplementar que prestou em dia de descanso semanal complementar (sábados).

    1. Nos presente autos, apenas foi peticionado pelo A., aqui apelante, o pagamento do trabalho suplementar por si prestado em dias úteis, já que todo o trabalho por si prestado nos dias de descanso semanal complementar foi devidamente registado em livro próprio, integralmente pago pela recorrida e efectivamente gozado o respectivo descanso compensatório.

    2. Resulta da factualidade provada (sob o números 6, 17, 18, 19, 21, 22 e 23), que o aqui recorrente, a partir do mês seguinte ao da sua admissão e durante pelo menos uma semana por mês, trabalhou 11 horas diárias, com exclusão dos meses de férias.

    3. Também resultou provado que o trabalho suplementar prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal foi pago pela R., aqui recorrida.

    4. Provou-se, igualmente, que de 2007 a 2010 o recorrente gozou folgas e que aquelas folgas se reportavam a descanso compensatório relativo a trabalho suplementar prestado aos sábados.

    5. Não obstante os factos dados como provados acima referidos – e ao arrepio dos mesmos – o Tribunal “a quo” concluiu entre o recorrente e a recorrida foi acordado um “banco de horas” que visava que cada vez que o A. trabalhasse um período de tempo superior a 8 horas ou, semana/mente superior a 40 horas, ficasse com o direito que sempre exerceu de não trabalhar, VII. Esta conclusão, de que entre as partes foi acordado um “banco de horas”, baseia-se sobretudo no facto dado como provado sob o nº 56, e nos documentos aí elencados, que traduzem os pagamentos feitos pela recorrida ao recorrente a título de trabalho suplementar prestado aos sábados, com o acréscimo remuneratório de 200%, de acordo com o CCT aplicável à relação de trabalho dos autos.

    6. Em momento algum resultou provado que a recorrida tenha pago ao recorrente o trabalho suplementar prestado em dias úteis e que lhe tenha sido proporcionado o respectivo gozo de descanso compensatório.

    7. Antes pelo contrário, como se disse e resulta da factualidade provada, o que resultou provado é que tais pagamentos e descansos compensatórios se reportavam ao trabalho suplementar prestado aos sábados, X. Nada mais ficou provado que permita extrair a conclusão de que, entre recorrente e recorrida, tenha sido acordado um “banco de horas”.

    8. Para além da errada interpretação da factualidade provada, o Tribunal “a quo”, ao aderir à figura jurídica do “banco de horas”, fez uma errada subsunção dos factos ao direito.

    9. É que tal figura, apenas encontrou previsão legal com o Código do Trabalho de 2009 (CT2009) e, mesmo então, a sua admissibilidade estava dependente da respectiva regulamentação por I.R.C.T., conforme o disposto no artigo 208º do referido diploma legal.

    10. À data dos factos dados como provados, o C.C.T, aplicável à relação de trabalho dos autos (C.C.T. do Sector do Comércio Automóvel, publicado no BTE 1ª Série, nº 27, de 22/07/2003 – cfr. facto 13), não previa a figura do “banco de horas”.

    11. Da sucessão de normas aplicáveis ao caso sub judice, no que à duração e organização do tempo de trabalho diz respeito (artigos 163º, nº 1 do CT2003 e artigo 203º do CT2009), resultam limites à duração dos períodos normais de trabalho, diário e semanal, em tudo idênticos: 8 horas por dia e 40 horas por semana.

    12. Por sua vez, os artigos 167º, nº 1 do CT2003 e 210º do CT2009 estipulam que os referidos limites só podem ser ultrapassados nas situações expressamente previstas no Código do Trabalho ou quando tal seja permitido por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e, neste caso, apenas nas situações aí elencadas.

    13. O corpo normativo que disciplina a duração e organização do tempo de trabalho, quer à luz do Código do Trabalho de 2003 (CT2003), quer à luz do Código de 2009 (CT2009), tem natureza relativamente imperativa (ou convénio-dispositiva – cfr. artigo 5º do CT2003 e artigo 3º, nº 3 - al. g) e nº 5 do CT2009), o que vale por dizer que não pode ser afastado por contrato individual de trabalho.

    14. Essa natureza de semi-imperativídade, veda a possibilidade de, por acordo individual se estipularem períodos normais de trabalho, diário e/ou semanal, superiores aos máximos previstos no Código do Trabalho.

    15. Ao arrepio deste regime legal, o Tribunal “a quo”, considerou, pois, possível que, por acordo individual, o recorrente pudesse trabalhar 11 horas por dia, em cinco dias úteis, num total de 55 horas por semana, pelo menos uma semana por mês.

    16. Nunca foi invocado pela recorrida – nem resulta da factual idade provada – qualquer outra figura legal de flexibilização da organização do tempo de trabalho, sendo certo que nenhum dos regimes previstos nos CT2003 e CT2009 se aplicariam à prestação de trabalho nos moldes supra referidos.

    17. Isto porque, inexistia qualquer possibilidade legal de estipular, por acordo individual, acréscimos dos períodos normais de trabalho em 3 horas diárias e em 15 horas semanais.

    18. Mesmo que se considerasse – o que só por mera cautela de patrocínio se concede – que a cláusula 5ª do contrato de trabalho entre as partes celebrado (transcrita no facto provado 46) poderia consubstanciar uma definição em termos médios do período normal de trabalho, por acordo individual, não poderia a mesma ser considerada válida, porquanto não reúne quer os requisitos substanciais necessários quer os requisitos formais mínimos.

    19. De acordo com o entendimento doutrinal e jurisprudencial, maioritariamente aceite, a referida cláusula é nula do que resulta que o único enquadramento legal a dar ao trabalho prestado fora do período normal de trabalho terá necessariamente que o ser dentro dos parâmetros do trabalho suplementar.

    20. Andou mal o tribunal “a quo” ao concluir pela tese do “banco de horas” ao invés de ter considerado que as horas trabalhadas pelo recorrente, para além do PNT, deveriam ser pagas a título de trabalho suplementar.

    21. A douta sentença recorrida refere, ainda, que não se apuraram concretamente quantas as horas trabalhadas no total e que nada mais de provou, pelo que concluímos que o A., a este propósito, apenas tem direito a € 95,03, conforme facto provado sob o nº 58, e, ainda, que para além do supra referido, não possui o Tribunal quaisquer outros dados que lhe permitam calcular e apurar qualquer outra quantia em falta a este título, improcede o demais peticionado pelo A. a estes títulos.

    22. Uma vez mais, andou maio tribunal “a que”, pois atenta a factualidade provada sob os nº 6, 17, 18 e 22, o apuramento concreto das horas trabalhadas pelo recorrente resulta de simples operações...

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