Acórdão nº 3987/10.1TBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução29 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pº nº 3987/10.1TBVFR.P1 Apelação (238) ACÓRDÃO Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO B… e C…, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário contra o Fundo de Garantia Automóvel, peticionando a condenação deste no pagamento: a) Ao autor B…, a quantia de € 640.000, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento; b) À autora C…, a quantia de € 30.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegam, para tanto, em síntese, que em 30/08/2007, na Rua … em …, concelho de Santa Maria da Feira, ocorreu um acidente de viação envolvendo um veículo automóvel de matrícula portuguesa e o ciclomotor de matrícula 2-VFR-..-.., conduzido pelo autor.

O acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel, o qual, circulando na esteira do ciclomotor, veio a embater violentamente na traseira lateral esquerda deste.

O ciclomotor e o autor foram consequentemente projectados, tendo este caído no solo, onde ficou prostado.

Após o embate, o condutor do automóvel pôs-se em fuga, não sendo possível a sua identificação.

Em consequência do acidente, o autor sofreu ferimentos graves, nomeadamente fractura parietotemporal direita, com hematoma subdural bilateral de predomínio direito e hemorragia subarocnoideia, subdural ou extradural, pós-traumática.

Passou por internamentos hospitalares, intervenções cirúrgicas, fisioterapia e neuroreabilitação.

Suportou grande sofrimento físico e psicológico. Denota desorientação, alterações de comportamento e sequelas motoras. Deixou de falar coerentemente. É, presentemente, pessoa sobressaltada e revoltada.

Perdeu a autonomia, dependendo de terceiros para as tarefas quotidianas, incluindo para fazer as necessidades fisiológicas. Carece diariamente de medicação. Ficou sexualmente impotente. Perdeu grande parte dos seus dentes.

A autora, esposa do autor, sofre desgosto em razão de ter ficado sempre impedida de com ele se relacionar sexualmente.

O autor necessitará, para toda a vida, do auxílio de terceira pessoa, que tem vindo a ser prestada, despendendo mensalmente a quantia de € 500.

O autor ficou para sempre incapacitado para o trabalho. Ao tempo do acidente, trabalhava como motorista, auferindo a quantia de € 1.500 mensais.

O réu Fundo de Garantia Automóvel contestou excepcionando a prescrição do direito dos autores (artº 498º nº 1 do CCivil) e, ainda que a sua responsabilidade tem como tecto o montante correspondente ao limite do capital seguro ao tempo do acidente (€ 599,454).

Pugnou pela improcedência, em face do direito vigente, do pedido indemnizatório formulado pela autora.

Impugnou, depois, a alegação dos autores quanto à produção do acidente de viação e, bem assim, consequências danosas.

Asseverou, nomeadamente, que depois de receber a participação do acidente, determinou a realização de um processo de averiguações, tendo concluído pela ausência de demonstração da intervenção de outro veículo automóvel.

De todo o modo, sempre o autor contribuiria para os danos por si sofridos, em percentagem não inferior a 30%, uma vez que circulava sem capacete.

Concluiu pela improcedência da acção, tendo ainda peticionado a intervenção do Hospital Geral Santo António (Porto), do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Castelo de Paiva, do Centro Hospitalar de V. N. de Gaia e, ainda do Instituto de Segurança Social, IP.

Replicaram os autores, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição. Manifestaram-se contra a invocada inadmissibilidade do direito da autora. Impugnou a factualidade alegada pelo réu FGA, nomeadamente que circulasse sem capacete.

Foi admitida a intervenção principal das entidades supra enunciadas, que foram citadas para os termos da causa.

O interveniente Instituto da Segurança Social, IP (ISS, IP) deduziu pedido de reembolso, impetrando a condenação do réu FGA no pagamento da quantia de € 2.915,27.

O réu Fundo de Garantia Automóvel contestou, excepcionando a prescrição do direito do interveniente ISS,IP e, sem conceder, pugnou pela sua improcedência.

O interveniente Centro Hospitalar do Porto, EPE (Hospital de Santo António) deduziu pedido de indemnização, pedindo a condenação do réu FGA no pagamento da quantia de € 32.455,99, acrescido de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, que em razão das lesões sofridas pelo autor no acidente, lhe prestou assistência, através dos Serviços de Urgência, cujo custo ascende à apontada quantia de € 32.455,99.

Contestou o réu FGA, excepcionando a prescrição e impugnando a alegação do interveniente Centro Hospitalar, concluindo como na contestação inicialmente apresentada.

Respondeu o Centro Hospitalar do Porto, EPE, pugnando pela improcedência da excepção da prescrição.

No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da prescrição quanto ao direito dos autores e do interveniente Centro Hospitalar do Porto, EPE e julgada procedente a excepção da prescrição relativamente ao pedido de reembolso formulado pelo ISS, IP.

No decurso do julgamento, os autores apresentaram articulado superveniente, em que ampliaram o pedido, peticionando a condenação adicional do réu FGA a pagar a quantia de € 269.200.

Foi admitido o articulado superveniente e a ampliação do pedido.

Foi proferida sentença que julgou improcedente: - a acção intentada por B… e C… contra o FGA; - a acção intentada pelo Centro Hospitalar do Porto, EPE contra o FGA e, - consequentemente absolveu o demandado FGA dos correspondentes pedidos.

Inconformados, apelaram os autores, apresentando alegações, cujas conclusões são as seguintes: I- Dinâmica do acidente: O Meritíssimo Juiz a quo apreciou erroneamente a prova produzida em julgamento, dando como não provados factos no que concerne à dinâmica do acidente que deveria, atenta a prova produzida, dar como provados.

Na verdade, atenta a prova produzida, gravada em suporte magnético, mormente no que concerne à prova testemunhal, conjugada entre si, teria que ser dada como provada a factualidade elencada na p.i. e ao não ter sido verifica-se um manifesto erro na apreciação da prova. Pelo que a ser esta apreciada corretamente era forçoso dar-se como provados os pontos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 10º, 15º, 16º, 20º, 21º, 24º, 25º, 27º, 28º, 32º, 33º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 43º, 44º e 46º, da base instrutória, os quais comtemplam a dinâmica do acidente e respetivos danos patrimoniais e não patrimoniais alegados pelos autores/recorrentes, e nessa sequência, com a consequente responsabilização do réu FGA (artigo 21º do DL 522/85 de 31 de Dezembro), devendo assim, ser revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que condene aquele Réu a pagar a indemnização peticionada pelos autores.

Vejamos a razão desta afirmação, passando, para tal, a resumir a prova testemunhal que devidamente valorada levaria a dar-se como provados os factos como supra se elencou.

1.1. A testemunha D…, depoimento gravado em sistema áudio, faixa 20140515163015, no dia 15-05-2014, ás 17h12m do minuto 00:10 até 41:58.

Esta testemunha, com 75 anos de idade, afiançou em julgamento ter presenciado o acidente, o qual relatou de forma pormenorizada e coerente, sem hesitações ou contradições, pelo que merecia credibilidade do tribunal.

Explicou que viu um veículo, do qual não sabe identificar a matrícula, a embater no motociclo onde circulava a vítima e a colocar-se em fuga.

Ao minuto 01:30 – a testemunha faz a descrição do acidente de forma pormenorizada; refere que ao aproximar-se do local de acidente, viu uma senhora junto da vítima; não viu essa mesma senhora a chegar ao local, porquanto, depois da atitude atroz do condutor da viatura posta em fuga, ficou a olhar para trás e ainda gritou para que o condutor dessa viatura parasse; Ao minuto 03:10 – A testemunha levantou-se, para tentar explicar ao tribunal onde se encontrava aquando do acidente dos autos (lado esquerdo da viatura posta em causa).

Ao minuto 04:15 – foi referido pela testemunha: o que me chamou a atenção foi o trompo, e depois o carro posto em fuga, nem sequer parou no STOP que havia mais acima da rua; o carro apercebeu-se bem do acidente, porque fez um “zig zag”, para não passar por cima do homem; vi vidros no chão e eram tantos que não tenho dúvidas que fossem do carro posto em fuga; não poderiam ser da mota porque esta era pequenita; também soube explicar que o veículo era grande, escuro, mas sem que soubesse o modelo, o que não é de estanhar atenta a sua idade. (75 anos).

Ao minuto 08:34 – refere a testemunha que: estou a 20/30m do local do acidente e quando olhei e comecei a aproximar-me reparei que estava lá um senhor e uma rapariga (aquando do depoimento da testemunha E… confirma-se que era esta senhora e o seu falecido pai, como veremos infra); não tomei sentido aos estragos da mota; ouvi o trompo e vi o senhor de rastos e a motorizada a ficar mais à frente; era uma mota pequenita de cor escura, mas não sei dizer a marca; nunca tive nenhuma; sei que foi de verão – finais de Agosto princípios de Setembro, há meia dúzia de anos.

Acho que as outras pessoas (rapariga e o senhor) viram o acidente.

A realçar que esta testemunha referiu que não viu qualquer farol do motociclo partido, porquanto a mota estava de frente para ele.

Por fim, urge realçar que o trilho indicado por esta testemunha, como existente no local à data dos factos, 2007, pese embora à data do julgamento-inspeção ao local o mesmo não existisse, facto que também levou o tribunal a quo desvalorizasse este depoimento, certo é que esse referido trilho era perfeita visível, pela Google earth ao tempo de 2009 (o que ainda hoje é possível aferir e que o tribunal poderia ter feito, se em relação a esse facto lhe suscitasse dúvidas. Pelo que, só tendo agora a recorrente conhecimento da motivação que descredibilizou o testemunho...

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