Acórdão nº 1626/14.0TBPRD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Junho de 2015
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 29 de Junho de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Sumário (da responsabilidade do relator): 1 – A compensação a arbitrar pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima entre o evento e morte que sobreveio há de ponderar, num juízo de equidade e no dever equilibrador de uniformização das decisões jurisprudenciais mais recentes, as concretas circunstâncias do evento e das suas consequências e atender, nomeadamente, ao tempo que decorreu entre aquele e a morte, à perceção desta e aos sofrimentos e angústias da vítima.
Processo 1626/14.0TBPRD.P1 Recorrente – B… – Companhia de Seguros, SA Recorridos – C… e D… Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 – Relatório 1.1 – Os autos na 1.ª instância: C… e D… vieram intentar esta ação contra B… – Companhia de Seguros, SA, pedindo a sua condenação a pagar-lhes a indemnização global de 281.000,00€, acrescida de juros desde a citação, sendo: a) 100.000,00€, de compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos, 50.000,00€ para cada autor e dado o intenso sofrimento padecido por morte da sua filha, muito jovem e o relacionamento intercedente; b) 40.000,00€, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima e que, por sucessão, se transmitiu aos autores, em função do sofrimento físico por ela padecido e da angústia pela percepção da gravidade do seu estado e da aproximação da morte; c) 75.000,00€, a título de indemnização pela perda do direito a` vida, atenta a idade da vítima e a perspectiva de um futuro risonho que se lhe apresentava; d) 1.000,00€, pelos prejuízos materiais emergentes das despesas com o funeral; e) 65.000,00€, de indemnização pelos prejuízos materiais futuros, com duplo fundamento: o prejuízo implicado pela perda do auxílio pela falecida prestado nas lides domésticas e na organização do dia dia do agregado e o dano pela perda da contribuição mensal expectável pela falecida (1/3 do salário mínimo nacional) para a economia doméstica.
Em síntese, os autores invocaram a culpa do segurado da ré pela ocorrência do atropelamento que vitimou mortalmente a sua filha e alegaram os danos sofridos em virtude dele. A ré contestou e admitiu a culpa do seu segurado, tendo impugnado alguns dos factos alegados quanto ao circunstancialismo que rodeou o acidente e, especialmente, considerou exagerada a liquidação dos danos feita pelos demandantes e a falta de fundamento para o ressarcimento do dano peticionado na alínea e).
Os autos foram saneados e realizou-se a audiência de julgamento, nos termos documentados no processo. Produzida a prova foi proferida sentença que decidiu: “julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a ré a pagar/satisfazer, 1) as quantias de 70.000 EUR, relativa ao dano morte e de 30.000 EUR, pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima antes de morrer, a ambos os demandantes e bem assim a pagar ainda a cada um daqueles AA a quantia de 40.000 EUR, por danos morais próprios, acrescidas aquelas quantias de juros legais (a` taxa de juro das obrigações civis) desde a data da presente sentença e até efetivo e integral pagamento; 2) a título de indemnização pelo dano patrimonial a quantia de 1.000€, a atribuir a ambos os demandantes, acrescida aquela quantia de juros legais (à taxa de juro das obrigações civis) desde data da citação e até efetivo e integral pagamento; indo absolvidos do mais peticionado.” 1.2 – Do recurso: A ré não se conformou, ainda que apenas na parte da sentença que fixa “30.000 EUR pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima antes de morrer” e pretende que tal condenação, revogada, se fixe em 10.000,00€. Para tanto, termina as suas alegações Concluindo: A - A decisão fixou os danos sofridos pela própria vítima, E…, consequência das lesões sofridas e do sofrimento e dores sentidas até à sua morte, numa indemnização de 30.000,00€.
B - Com interesse para o recurso, resultou provada a seguinte matéria de facto: - H): Entre o acidente e o momento da morte da infeliz vitima E…, mediou duas horas; DD) EE) e FF): Nesse período de tempo, a infeliz vítima sentiu “intensas dores e sofrimento” e apercebeu-se “do espectro da morte que infelizmente lhe adveio”.
C - A medição da gravidade do dano deve reger-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (vg. acórdão de 17.11.2005, do STJ).
D - A Portaria 679/2009, de 25 de junho, que contém tabelas indemnizatórias aplicáveis em sede extrajudicial, as quais também são padrão de referência e orientação para os tribunais, fixam o quantum indemnizatório de vítima que sobrevive até 24 horas em 2.196,00€.
E - Relativamente ao quantum indemnizatório dos danos não patrimoniais a lei manda proceder equitativamente devendo o montante de indemnização a fixar pelo Tribunal reger-se segundo juízos de equidade – n.º 4 do art. 496 CC.
F - Equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência (in Acórdão de 20.02.2013, do STJ).
G - Têm especial relevo no juízo de equidade, o sentido das decisões sobre a matéria em causa, os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões.
H - Na consideração do dano sofrido pela vítima antes de falecer, deve o julgador ter em consideração factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima se manteve consciente ou inconsciente, se teve ou não dores, qual a intensidade das mesmas e se teve consciência de que iria morrer.
I - A decisão em crise socorre-se de referências jurisprudenciais de casos semelhantes, por se tratarem de vítimas que vieram a falecer em sequência do acidente sofrido, mas nessas referências as vítimas sobreviveram por mais de 24 horas do acidente e foram arbitradas indemnizações de valor significativamente inferior ao dos autos.
J - Os princípios de igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização.
K - Isto é, o recurso a juízos de equidade rege-se significativamente por termos de comparação, ponderando-se os valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito em decisões de casos semelhantes.
L – A título de exemplo: - O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03.02.2010, arbitra em 7.500,00€ os danos não patrimoniais próprios da vítima, que sobreveio cerca de 4 horas após o acidente, em sofrimento e consciente; - O Acórdão do STJ de 20.2.2013, proc. 269/09.5, julga caso idêntico ao dos autos, em que a vítima sofreu lesões graves, tendo ficado encarcerada e em agonia, com antevisão da morte, e foi transportada para o Hospital, onde veio a falecer, após duas horas do acidente de viação. Neste caso, o STJ aumentou de 10.000,00€ para 15.000,00€ a compensação por danos não patrimoniais da própria vítima.
M - Mesmo considerando a possibilidade e tendência jurisprudencial para o acréscimo dos valores arbitrados em casos semelhantes, tal subida nem devera´ ser tão abrupta que ponha em causa a equidade, com grandes diferenças de julgados em questões semelhantes.
N - A decisão em crise deve ser parcialmente revogada, fixando os danos não patrimoniais da vítima em valor não superior a 10.000,00€.
O - A decisão recorrida errou na aplicação do direito, violando as normas contidas nos n.ºs 1, 2 e 4 do art. 496 do Código Civil.
Os autores responderam ao recurso. Identificando a única questão a apreciar (“saber se o montante de €30.000,00 Euros e´ justo, equilibrado e...
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