Acórdão nº 529/13.0TTOAZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDA SOARES
Data da Resolução29 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º529/13.0TTOAZ.P1 Relatora: M. Fernanda Soares – 1312 Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais Dra. Paula Leal de Carvalho Acordam no Tribunal da Relação do Porto I B… instaurou, em 26.09.2013, no Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis, acção emergente de contrato de trabalho, contra C…, Lda.

, pedindo 1. Dever declarar-se a ilegalidade das cláusulas 2ª, 4ª, 7ª, 12ª, 17ª e 19ª do contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré; 2. Dever declarar-se a justa causa do despedimento invocado pelo Autor, com todas as suas consequências legais; 3. A condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de € 46.780,75, correspondente a créditos que indica na petição acrescida dos juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.

O Autor fundamenta o seu pedido nos seguintes factos: foi admitido ao serviço da Ré no dia 09.02.2009 mediante a celebração de contrato de trabalho a termo incerto, para exercer as funções de soldador, mediante a remuneração mensal inicial de € 700,00, sendo que a partir de 01.01.2011 a mesma passou a ser no valor de € 1.400,00 mensais. Aquando da sua contratação ficou estabelecido no contrato que o seu local de trabalho era na D…, sendo que assim aconteceu até que a partir do início do mês de Junho de 2009 o Autor passou a trabalhar em diversos pontos de França. Acontece que as cláusulas 2ª, 4ª, 7ª, 12ª, 17ª e 19ª do contrato de trabalho são ilegais por ofenderem normas imperativas do Código de Trabalho. À data de 02.07.2013 a Ré não tinha pago ao Autor a retribuição referente ao mês de Abril e ao mês de Junho de 2013, e não tinha pago as férias, subsídios de férias e de natal, devidos desde o início da sua contratação, pelo que, por carta de 02.07.2013, o Autor resolveu o contrato de trabalho com fundamento na ilegalidade das referidas cláusulas do contrato e na falta de pagamento das indicadas remunerações. Na mesma data o Autor remeteu cópia da carta ao ACT. Defende que o dito contrato a termo incerto se transformou em contrato de trabalho por tempo indeterminado a partir do momento em que a obra nele referida terminou e o Autor continuou ao serviço da Ré, concretamente a partir do início do mês de Junho de 2011.

A Ré contestou alegando que as invocadas ilegalidades não tem qualquer interesse para a decisão da presente acção na medida em que na mesma se discute da existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do Autor, sendo que no caso inexiste a invocada justa causa. Refere que o Autor gozou férias e recebeu os subsídios de férias e de natal. Conclui pedindo a improcedência da acção e a condenação do Autor, como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da Ré nos termos dos artigos 542º, nº1 e nº2, alíneas a), b) e 543º, nº1, alíneas a), b) do NCPC.

O Autor veio responder alegando a falta de fundamento do pedido de condenação como litigante de má-fé e concluir como na petição inicial.

A Mmª. Juiz a quo elaborou o despacho saneador e decidiu não proceder à fixação das questões de prova atendendo à manifesta simplicidade da matéria de facto controvertida. Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal. Em 06.03.2014 a Mmª. Juiz a quo proferiu despacho, que foi notificado às partes, onde refere que “será com base no regime legal resultante do «code du travail» e do «code civil» francês e, eventualmente do regime contratual ou legal português no âmbito das matéria referidas no artigo 7º do Código do Trabalho, que será decidida a causa”. Em 25.04.2014 proferiu sentença nos seguintes termos: “1. julgo nulas as cláusulas 7ª, 17ª e 19ª do contrato de trabalho dos autos.2. Condeno a Ré a pagar ao Autor o valor de € 7000,00 a título de retribuições em dívida à data da cessação do contrato de trabalho. 3. Sobre tal valor acrescem juros desde 01.10.2013 e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal aplicável. 4. Absolvo a Ré do demais peticionado. 5. Não se anota má-fé do Autor”.

O Autor veio recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue procedente o pedido de alteração da matéria de facto e a acção decidida de acordo com a legislação portuguesa, concluindo do seguinte modo: 1.

No facto dado como provado com o nº23 refere-se que «Na data da comunicação do Autor referida em 16 estava por pagar a retribuição de Junho de 2013», quando deveria constar também «e a retribuição de Abril de 2013».

  1. Quanto à matéria dada como provada com o nº24 a mesma deverá passar a ser «A diferença entre as verbas referidas em 6 e 7 destinou-se a compensar o Autor pela sua deslocação durante o tempo de deslocação do contrato».

  2. Quanto ao direito, a primeira e essencial questão que se coloca é a de saber qual a lei aplicável.

  3. O Autor configurou toda a acção na consideração de que se aplica a lei portuguesa e a Ré configurou toda a sua defesa na condição de que se aplica a lei portuguesa.

  4. O julgador, perante os factos provados, entendeu ser aplicável a lei francesa, invocando o preceituado no artigo 6º da Convenção de Roma em 19.06.1980.

  5. Entende o recorrente dever aplicar-se a lei portuguesa.

  6. Resulta de modo inequívoco, das disposições do contrato e das circunstâncias da causa, que as partes pretendiam, à data da formulação do contrato, como em toda a sua execução, como agora na sua discussão judicial, a aplicação da lei portuguesa.

  7. No contrato celebrado entre as partes existem várias expressões das quais separadamente e em conjunto se pode retirar a conclusão sobre a vontade das partes. Concretamente no § único do artigo 2º, no § único do mesmo artigo, no § único do artigo 3º, no nº4, no § único do artigo 9º e nos artigos 16º, 17º e 19º do contrato.

  8. Quando contratualmente as partes referem que o trabalhador não pode nem deve invocar qualquer direito ou exigir indemnizações por diferença da lei ou de costumes, está naturalmente a querer dizer-se que o trabalhador não pode invocar as leis do país onde se encontra a trabalhar, por eventualmente serem melhores do que as portuguesas, em seu benefício, logo que a lei pretendida pelas partes é a portuguesa e não outra.

  9. Teria pouco sentido que as partes tenham mencionado expressamente a aplicação do CCTV português da metalurgia e metalomecânica e que tivessem consciência ou de algum modo pretendessem que supletivamente se aplicasse a lei de um país diferente.

  10. Se as partes mencionam expressamente a aplicação do CCTV da metalurgia estão a intuir que por trás do mesmo se encontra a lei portuguesa, só o não tendo escrito por não o terem tido como necessário.

  11. Segundo as regras da experiência comum, quando as partes estipulam no contrato o foro da comarca de Matosinhos, para litígios da interpretação deste contrato, estão também a pressupor, como pessoas comuns que são, a aplicação da lei portuguesa.

  12. As partes escolheram a legislação portuguesa, no âmbito da liberdade de escolha prevista no artigo 3º da Convenção de Roma, não havendo necessidade de aplicação do artigo 6º dessa mesma Convenção.

  13. Todas as estatuições de trabalho portuguesas têm ínsito o princípio da aplicação das regras que se mostrem mais favoráveis para o trabalhador – artigo 3º do CT.

  14. A aplicação da lei francesa tem um resultado mais prejudicial para o trabalhador de que o teria a aplicação da lei portuguesa, mormente quanto às regras de resolução do contrato e nos subsídios de férias e de natal.

  15. Seria pois também violador dos direitos de um trabalhador português, que celebrou um contrato em Portugal, com uma empresa portuguesa, com a aplicação de um CCTV português, a ser discutido nos Tribunais Portugueses, concluir que o mesmo tivesse pretendido para si a lei francesa, mais prejudicial para os seus interesses do que a lei portuguesa.

  16. Do artigo 6º da Convenção de Roma também resultaria a aplicação da lei portuguesa e não da francesa.

  17. No caso, não só o Autor e a Ré são portugueses, como portugueses eram os colegas de trabalho do Autor, os seus superiores hierárquicos, vivendo todos em conjunto quando deslocados no estrangeiro, deslocando-se todos em conjunto, fosse em França fosse em Portugal, e convivendo quase exclusivamente entre si.

  18. O que cai como corpo estranho em todos eles, por não ter com esta realidade qualquer tipo de conexão, é a aplicação da lei francesa.

  19. Sendo a regra da Convenção a liberdade de escolha e não a imposição de uma determinada opção legislativa, parece desadequado que se aplique a lei francesa à realidade transcrita, em que o único factor de conexão com a lei francesa é o facto de o trabalho se processar nesse país.

  20. Dir-se-á também que mesmo que se aplicasse a lei francesa, sempre seria de não aplicar essa lei definida por competente, na medida em que essa aplicação, venha a lesar algum princípio ou valor básico do ordenamento nacional tido por inderrogável, como por exemplo, o direito à resolução contratual por justa causa, ou o direito às férias, subsídio de férias e de natal.

  21. No pressuposto de que se aplica a lei portuguesa, há que apreciar os factos relacionados com o não pagamento ao Autor de qualquer valor a título de férias, de subsídio de férias e de natal e bem assim a consideração de justa a resolução do contrato pelo trabalhador.

  22. O pagamento da retribuição até ao dia 15 do mês seguinte ao que diz respeito é flagrantemente violador da lei portuguesa.

  23. E em face dos factos provados verifica-se que à data do escrito da resolução contratual, a falta de pagamento da retribuição do mês de Abril se prolongava por mais de 60 dias, assim se integrando o requisito do artigo 394º, nº1 e nº2 alínea a) e nº5 do CT, sendo devida ao trabalhador a indemnização prevista no artigo 396º do CT.

  24. Deve assim entender-se integrar a justa causa de resolução do contrato de trabalho, a falta de pagamento culposo de uma retribuição, acrescida da falta de pagamento, durante 4 anos, de qualquer verba a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, bem como a existência contratual de regras abusivas.

  25. Devendo considerar-se procedentes as...

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