Acórdão nº 953/14.1TTPNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução29 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 953/14.1TTPNF.P1 Secção Social do Tribunal da Relação do Porto Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Des. António José Ramos, (2) Des. Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B… (NIF ………, residente na …, n.º .., ….-… ...) intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra C…, Lda.

(NIPC ………, com sede na Rua …, n.º..5, ….-… …), pedindo a condenação desta a pagar-lhe: a) a quantia de € 7.592,49 a título de resolução com justa causa do contrato de trabalho e de ressarcimento de danos não patrimoniais; b) a quantia de € 2.328,00 a título de créditos salariais em dívida; c) juros de mora, à taxa legal, sobre o capital em dívida, desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, muito em síntese: - foi admitida ao serviço da ré em Maio de 2007, passando desde tal data a desempenhar sob as ordens, direcção e fiscalização desta as funções de “costureira”, mediante retribuição que ultimamente se cifrava em € 485,00; - desde o início da relação de trabalho a ré assegurava o transporte e deslocação da autora da sua casa para o local de trabalho e, no final do dia, deste para a casa da autora; - a ré assegurava também à autora o acesso diário ao refeitório da empresa para almoçar; - contudo, nos dias 18, 19 e 20 de Março de 2014, não só a ré não assegurou o referido transporte e deslocação da autora, como lhe negou o acesso ao refeitório da empresa; - para além disso, no dia 19 de Março de 2014, encontrando-se a autora no escritório do sócio gerente da ré, este, dirigindo-se-lhe, afirmou: “já não posso ver a sua cara”, “já havia de ter ido embora”, ao mesmo tempo que levantando as mãos e direccionando os punhos à cara da autora, com intenção de a agredir afirmou “até lhe dou já”, apenas não concretizando a ameaça por ter sido impedido pela sua mulher; - acrescentou que a ré não procedeu ao pagamento de 21 dias de trabalho prestado em Março de 2014, férias e subsídio de férias vencido em Janeiro de 2014 e férias, subsídio de férias e de Natal pelo trabalho prestado até 21 de Março de 2014.

Em razão dos factos descritos, por carta datada de 20-03-2014 comunicou à ré a resolução com justa causa do contrato de trabalho.

Pediu, por consequência, uma indemnização por resolução com justa causa do contrato de trabalho, que computou em € 5.092,49, uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 2.500,00, e ainda o pagamento dos créditos salariais que sustenta serem-lhe devidos.

Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a ré, alegando a inexistência de qualquer dos fundamentos invocados pela autora para a resolução do contrato e acrescentando que esta sempre teve para com os legais representantes da ré, bem como para com as colegas de trabalho, um comportamento “quezilento” e “conflituoso”, em razão do que por carta de 19 de Março de 2014 remeteu à autora uma carta a comunicar-lhe a suspensão das funções, sem perda de retribuição, suspensão essa prévia à elaboração da nota de culpa.

Todavia, logo no dia seguinte a autora remeteu à ré uma carta a resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa.

Em reconvenção pediu a condenação da autora no pagamento de € 970,00 (€ 485,00 x 2) por não ter observado o prazo de 60 dias de aviso prévio para a cessação do contrato.

Pugnou, por isso, pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção.

Respondeu a autora, a reafirmar, em suma, o constante da petição inicial e a concluir pela improcedência da reconvenção.

Foi admitido o pedido reconvencional, fixado valor à causa (€ 10.890,49), proferido despacho saneador, onde foram fixados o objecto do litígio e os temas de prova.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, e em 08-02-2015 foi proferida sentença (onde se respondeu à matéria de facto), sendo a parte decisória do seguinte teor: «Nesta conformidade, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência condeno a Ré “C…, Lda.” a pagar à Autora, B…, a quantia de 666,86 (seiscentos e sessenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos) euros, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 24/06/2014 até integral e efetivo pagamento, absolvendo a Ré do restante pedido.

Custas da ação por Autora e Ré na proporção do respectivo decaimento, fixando a taxa de justiça de acordo com o disposto no art. 6º, n.º 1 do RCP e da tabela I-A a ela anexa.

*Julgo a reconvenção integralmente improcedente por não provada e, em consequência, absolvo a Autora-reconvinda, B…, do pedido reconvencional.

Custas da reconvenção pela Ré-reconvinte, fixando a taxa de justiça de acordo com o disposto no art. 6º, n.º 1 do RCP e da tabela I-A a ela anexa».

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso para este tribunal, tendo apresentado alegações, que concluiu nos seguintes termos: «1.Vem o presente recurso interposto da matéria de facto e de direito, nos termos e ao abrigo dos artigos 639º/1, 640º/1 e 2, alínea a) do C.P.C. ex vi art. 79º, 79º-A/1 e 87º do C.P.T.

  1. Pretende a autora/recorrente ver alterada a decisão proferida pelo tribunal a quo que considerou não ter existido justa causa para a rescisão do contrato pela trabalhadora.

  2. Porquanto entende que foi feita prova suficiente – plasmada nas declarações atrás transcritas – de que, no dia 19-03-2014, o representante legal da ré C… (o sócio gerente D…), ao chamar a autora ao seu escritório para a censurar, em frente de duas outras trabalhadoras da ré, especificamente chamadas para esse efeito, ofendeu, com tal actuação, a integridade moral, a honra e a dignidade da autora, sua trabalhadora, direito consagrado no art. 394º/1 e 2, alínea f) do C. Trabalho.

  3. Violou grosseira e culposamente os direitos da autora como trabalhadora (desde logo, do direito à reserva sobre a sua situação laboral e disciplinar, mas também, do direito ao respeito e dignidade), como também, foi de molde a tornar impossível, por si só, a subsistência daquela relação de trabalho, mais a mais, quando dos supra transcritos factos se infere que os mesmos, foram desmesurados e violentos face às circunstâncias concretas do caso (designadamente, aos factos que lhe eram imputados, i. é., a suposta desavença com a colega E…), e bem assim, eram aptos a ferir a sensibilidade de psicológica da autora como pessoa reservada, educada e extremamente religiosa, que era, e o representante legal da ré sabia-o bem.

  4. Tal ofensa, consubstanciada no supra descrito acto e resumido na invocação do art. 394º/2 f) do C.T. foi, de resto, expressamente invocada pela autora (ainda que sucintamente) na sua carta de rescisão, e, devidamente explanada na p.i. e provada em audiência de discussão e julgamento como se infere das passagens transcritas.

  5. Na verdade, conforme depoimentos prestados e transcritos das testemunhas ouvidas, todas elas foram unânimes em descrever o comportamento, feitio e trato do sócio gerente da ré como “intratável, explosivo e autoritário”, tendo essa característica sido corroborada pela mulher daquele e várias vezes apreciada pelo próprio Juiz a quo (no âmbito do seu livre poder de apreciação e averiguação da materialidade dos factos ocorridos), apreciação essa, devidamente transcrita e feita valer na própria fundamentação da sentença pelo Tribunal – cfr. neste sentido, ponto 8 desta alegação de recurso e gravação 20141126111654_451387_2871642, D… (sócio-gerente da Ré), ao 53m51s.

  6. Daí que, a sentença recorrida se afigure à autora de uma severidade extrema e totalmente imprevista, dado que pouco consentânea com a prova e considerações produzidas, quer em sede de audiência, quer na própria fundamentação da sentença.

  7. Acresce que: Ainda que não se entenda ter existido, por parte da autora, justa causa para rescindir o contrato (o que não se consente), admitir como válido um direito da ré a ser indemnizada por incumprimento do prazo de aviso prévio (para assim proceder a uma compensação deste crédito da ré com o crédito da autora decorrente de retribuições salariais por liquidar) configura um abuso de direito porquanto, é evidente que a invocação deste direito de indemnização (em sede de reconvenção) não cumpre, no caso sub iudice, a finalidade (ratio) para a qual o aviso prévio está legalmente previsto e que é, permitir a substituição atempada do trabalhador pela entidade patronal.

  8. Ora, tendo resultado provado por admissão (pontos E e F factos provados) que a ré, antes da resolução por carta pela autora, já a tinha suspendido preventivamente, e antes do próprio envio da nota de culpa, configura manifesto abuso de direito conceder uma indemnização à ré por alegada falta de cumprimento do aviso prévio (em contraponto à declarada ausência de justa causa de resolução), uma vez que, no caso concreto, a ré tencionava despedir a autora e já a tinha suspendido preventivamente, é inadmissível a operada compensação, dado que, inexiste qualquer crédito a favor da ré/reconvinte.

  9. Termos em que, deve o Tribunal ad quem revogar a sentença recorrida, declarando a válida e eficaz a resolução do contrato por justa causa operada pela autora por carta datada de 20-03-2014, com todas as consequências legais, e bem assim, julgar a reconvenção totalmente improcedente por total falta de fundamento legal, mais declarando a autora titular dos seguintes direitos de créditos: a) o correspondente às retribuições não pagas, no montante global de €2.328,00; b) direito à indemnização devida por resolução do contrato por justa causa no montante global de €7.592,49.

  10. Mostram-se violados os artigos 394º, nº 1 e nº 2, alínea f) e 400º, nº 1 do C. Trabalho e artigo 334º do C. Civil.

    Nestes termos, e pelo muito que como sempre não deixará de ser proficientemente suprido, devem V. Exas. dar provimento ao recurso, revogando a douta sentença recorrida, com as demais consequências».

    A ré apresentou contra-alegações, a pugnar pela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT