Acórdão nº 216/14.2T8AMT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução01 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 216/14.2T8AMT.P2 Sumário do acórdão: I. Antes da alteração ao processo de insolvência, introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, que aditou as normas reguladoras do PER, o regime da insolvência privilegiava a “garantia patrimonial dos credores”, desígnio expressamente assumido pelo legislador no preâmbulo do CIRE: “[o] objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores”.

  1. A referida alteração legal constituiu uma inflexão do legislador, no que respeita ao ‘objectivo primordial’ do processo de insolvência, que passou a ser a recuperação do devedor, em detrimento da liquidação imediata do seu património para satisfação dos credores.

  2. Passando o processo de insolvência a privilegiar a recuperação/revitalização da empresa, tal alteração tem, necessariamente, consequências no que respeita à posição processual dos credores, nomeadamente as que se encontram previstas no n.º 6 do artigo 17.º-E do CIRE: suspensão dos trâmites do processo de insolvência, na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C, e em consequência desse despacho (1.ª parte do citado normativo); extinção do processo de insolvência, logo que ocorra o trânsito em julgado do despacho que homologa o plano de recuperação (2.ª parte).

  3. Com vista a garantir a unidade e a harmonia do sistema, o n.º 6 do artigo 17.º-E do CIRE deve ser interpretado de forma extensiva, englobando a sua previsão os processos de insolvência propostos durante a tramitação do PER, antes de homologado o plano.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B… e C… requereram em 20.10.2014, na Instância Central, Secção Comércio – J1, Amarante, da Comarca do Porto Este, a declaração de insolvência de D…, S.A., alegando que foram trabalhadoras da requerida até, respectivamente, 20.01.2014 e 4.03.2014, datas em que cessaram os seus contratos de trabalho na sequência de despedimento colectivo, e que a requerida não procedeu ao pagamento dos montantes devidos, com a justificação de que corria termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes, processo especial de revitalização e que os créditos das requerentes estavam contemplados no respectivo plano de pagamentos, o que não corresponde à verdade, porquanto, o plano homologado por sentença dele exclui os créditos dos trabalhadores vencidos após o trânsito da reclamação de créditos.

    Em 23.10.2014, na sequência de conclusão “Com a informação de que corre nesta Secção um PER contra a devedora com o n.º 1377/13.3TBMCN, o qual se apresenta em mão”, foi proferido o seguinte despacho: «Vi os autos que nos foram presentes.

    Atento o que se informa, outra conclusão não se nos impõem que não seja declarar suspensos os presentes autos de insolvência, porquanto a ratio do preceito constante do art. 17º E do CIRE, prevendo a suspensão de processos instaurados anteriormente por forma a permitir o decurso sereno das negociações sem a pressão do processo de insolvência pendente, se aplica integralmente e por maioria de razão aos processos posteriormente intentados durante o procedimento. Devem assim por analogia ser suspensos os processos de insolvência entrados antes ou depois do PER desde que neles não tenha sido decretada a insolvência.

    Em face do exposto declaro suspensos os presentes autos.» Não se conformaram as requerentes, e interpuseram recurso de apelação para este Tribunal, onde foi proferido acórdão, em 17 de Dezembro de 2014, que confirmou a decisão recorrida, constando do referido acórdão a seguinte síntese conclusiva: O processo especial de revitalização visa assegurar a recuperação do devedor, reconhecendo-lhe a lei clara prevalência sobre o recurso à insolvência. A ratio que presidiu à criação e regulamentação do processo especial de revitalização foi dar primazia à recuperação do devedor em detrimento da liquidação imediata do seu património, para satisfação dos credores.

    Foi entretanto proferida decisão homologatória do plano de revitalização da recorrida, sobre o qual foi interposto recurso, julgado improcedente por este Tribunal.

    Baixaram estes autos à 1.ª instância, onde foi aberta conclusão em 17.03.2015, “Com a informação de que o PER 1377/13.3TBMCN já baixou do TRP, onde foi confirmada a decisão, que antecede, de homologação do plano de revitalização proferida em 1.ª instância. O acórdão transitou em julgado a 17-02-2015.”.

    Na mesma data foi proferido o seguinte despacho: «Face ao trânsito em julgado da decisão que homologou o plano de revitalização da devedora e a data em que a mesma ocorreu, atendendo ainda aos argumentos já esgrimidos em sede de recurso da decisão que inicialmente foi proferida nos presentes autos e a finalidade que preside ao PER, antes de mais, esclareçam as Requerentes o que tiverem por conveniente, designadamente quanto ao prosseguimento/extinção dos autos.».

    Em requerimento de 3.03.2015, vieram as recorrentes requerer o prosseguimentos dos autos, com a declaração de insolvência da recorrida.

    Em 7.04.2015, foi proferido o seguinte despacho: «Tal como resulta da sentença e informação que antecedem, o PER a que se apresentou a Requerida foi homologado por sentença já transitada em julgado.

    De acordo com o nº 6 do art. 17º-E do CIRE os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data da publicação no portal do Citius, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória de insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologada o plano de recuperação.

    Assim, atendendo ao propósito do processo especial de revitalização e ao disposto no nº 6 do art. 17º E do CIRE, outra conclusão não se nos impõe que não seja declarar a extinção dos presentes autos por existir impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.

    Face ao exposto, e por impossibilidade superveniente da lide, determina-se a extinção dos presentes autos.

    Custas, pelos Requerentes, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.

    Fixa-se como valor da acção o equivalente à alçada do Tribunal da Relação (€ 30.000,00) – art. 301º do CIRE.

    Notifique e registe.».

    Não se conformaram as requerentes e interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões: I – Os créditos emergentes na pendência do PER, ou, caso se entenda restringir, após ter findado o prazo para a reclamação de créditos, como sucede com o crédito das Rec.tes, estão fora do âmbito do PER; II – A pendência do PER não desobriga, assim, o devedor de pagar o crédito criado nesse período, nem o credor pode ficar impedido de fazer valer os seus direitos, latu sensu, relativamente a esse crédito, nomeadamente, reclamá-lo judicialmente ou, mesmo, requerer a declaração de insolvência do devedor, visto que o crédito em causa nada tem a ver com os que determinam ou são negociados no âmbito do PER; III - A propositura pelo credor de uma acção declarativa na pendência do PER, ou qualquer outro tipo de acção judicial, relativamente a créditos criados após a propositura do PER ou do termo da reclamação de créditos - num entendimento mais consensual - não se encontra vedada pelo n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, ou por qualquer outro comando legal, nem o poderá estar, porquanto, não se enquadra no conceito de “acção para cobrança de dívidas” a que alude aquele normativo, desde logo face à sua definição constante do artigo 10.º, n.º 3, alínea b) do Código do Processo Civil; IV – Em concreto, o pedido de insolvência foi deduzido pelas Rec.tes tendo por base créditos ulteriores ao termo do prazo para reclamação de créditos no PER, não tendo, ou não podendo, assim, estar a sua reclamação limitada pela existência daqueloutro...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT