Acórdão nº 2179/09.7TAVLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Junho de 2015

Data da Resolução05 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal 2179/09.7TAVLG.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.

Relatório No TRIBUNAL DA COMARCA DO PORTO, Instância Local de Santo Tirso, Secção Criminal, foram julgados em processo comum (nº. 2179/09.7TAVLG Juiz 2) e perante Tribunal Singular, os arguidos “B…, Lda.” e C…, representante legal da "B…, Lda.", devidamente identificados nos autos, tendo a final sido proferida sentença com a seguinte decisão: “(…) Face ao exposto, julgo totalmente procedente a acusação pública deduzida e, consequentemente, decide-se:

  1. Condenar o arguido C… pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86°, nº. 1, alínea d), da Lei nº. 5/2006, de 23 de Fevereiro na pena de 200 dias de muita, à taxa diária de € 6,50, o que perfaz o montante de €1.300,00.

  2. Condenar a sociedade "B…, Lda." pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86°, nº. 1, alínea d), e 95°, ambos da Lei nº. 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €100,00, o que perfaz o montante de €12.000,00.

  3. Condenar cada um dos arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UC's.

  4. Declarar os objectos referidos no ponto 3 dos factos provados perdidos a favor do Estado e determino, após trânsito, que os mesmos sejam entregue à PSP para os fins tidos por convenientes.

    (…)” Inconformados com tal decisão, os arguidos recorreram (conjuntamente) para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1º O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal "a quo" que condenou o Recorrente C… pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €6,50, o que perfaz o montante de € 1.300,00. E condenou, também, a Recorrente B…, Lda., pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 100,00, o que perfaz uma pena de multa no montante de € 12.000,00.

    1. Os Recorrentes não se conformam com a decisão proferida, e, as razões de discordância incidem quer sobre a decisão que recaiu sobre a matéria de facto, quer sobre a aplicação do direito, como a seguir se descreverá.

    2. Em primeiro lugar e como opção sistemática, e sem prejuízo do que mais à frente de concluirá, cumpre, desde logo, dizer que sentença proferida pelo Tribunal "a quo" violou o princípio geral sobre a aplicação da lei no tempo.

    3. Assim, o Recorrente C… foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86, nº. 1, aliena d) da Lei nº. 5/2006, que à data dos factos (na decisão em recurso está citada a redacção actual do artigo), dispunha o seguinte; "Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver (...) arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da aliena a) do n.º7 artigo 3°, armas lançadoras de gases, bastão eléctrico, arma eléctricas não constantes da aliena b) do n.º 7 do artigo 3°, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projecteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias." 5º Do cotejo da sentença em recurso, colhe-se que a decisão para efeitos de condenação do Recorrente C… e da Sociedade B… aplicou o artigo 86, nº. 1, alínea d) da Lei nº. 5/06, de 23 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei nº. 12/2011, de 27 de Abril, no âmbito da qual ao crime de detenção de arma ilegal corresponde uma moldura abstracta de pena de prisão até 4 anos ou pena de multa até 480 dias.

    4. Sucede que, à data da prática dos factos, a norma em causa dispunha que a esse crime correspondia uma moldura penal abstracta de pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.

    5. Ora, dispõe o artigo 2°, nº. 1 do Código Penal que "as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem". Pelo que, o Tribunal "a quo" só poderia e deveria aplicar a redacção actualmente em vigor se essa fosse mais favorável ao Recorrente, o que, como se viu não é o caso.

    6. No caso dos autos, é seguro que a sentença em recurso analisou os factos, bem como ponderou e formulou a condenação com base na redacção actual da norma que tipifica o crime de que os Recorrentes foram condenados. Pelo que, ao faze-lo a sentença proferida é, desde logo, nula, por violação do disposto no artigo 2° do Código Penal, devendo, consequentemente, ser revogada e declarada de nenhum efeito.

    1. Sem prescindir, entendem os Recorrentes o Tribunal "a quo" fez uma errada apreciação da prova constante e da prova produzida nos autos, e, que, consequente, se traduziu numa clara contradição e falta de fundamentação da decisão.

    2. Assim, como se colhe da fundamentação da decisão em recurso para a decisão tomada sobre a matéria de facto, o Tribunal "a quo" considerou e fundou-se, essencialmente, no ter do "relatório do exame pericial" efectuado às armas e acessórios apreendidos, pelo Núcleo de Armas e Explosivos do Comando Metropolitano do Porto da Policia de Segurança Publica, o qual consta de fls. 87, 87 verso e 88.

    3. O Tribunal "a quo" considerou provados os factos constantes do número 3 da matéria de facto dada como provada, precisamente com base no documento de fls. 87, 87 verso e 88 dos autos.

    4. De modo que, a esse propósito, na sentença em recurso consta o seguinte: "De tal relatório foi possível extrair as características das armas e acessórios em causa, concretamente quanto à respectiva classe, calibre das armas e munições, características dos aerossóis, das navalhas facas borboleta e corrediças metálicas, factos que resultaram inequivocamente provados dado o valor probatório da perícia" (sublinhado nosso).

    5. Sucede que, salvo o devido respeito por melhor opinião, o documento em causa não é uma perícia, ou seja, não pode ser considerado como prova pericial, mas é sim e apenas um exame directo ao material apreendido. De facto, compulsados os autos, resulta que nenhuma perícia foi determinada - veja-se despacho de fls. 79. O que foi sim solicitado foi um exame aos objectos. A que acresce que, a realização de prova pericial obedece e está condicionada a outros requisitos formais, mormente a notificação ao Arguido da realização da mesma, o que é seguro não ocorreu.

    6. Sendo assim seguro que nenhuma perícia foi realizada nos autos, nem o Tribunal "a quo" poderia considerar na fundamentação da matéria de facto um exame pericial, ou seja, uma prova pericial, o referido documento de fls. 87 e 88 é um auto de exame directo. A que acresce que, encontra-se nos autos outro auto de exame directo dos objectos - a fls. 24 e seguintes - que curiosamente apresenta constatações diferentes.

    7. Os exames directos são meios de obtenção de prova. O exame directo traduz-se numa descrição do constatado fruto da observação, do visionamento directo, que depois é relatado ou registado. Pelo contrário, a perícia é conclusiva, e resulta numa interpretação ou juízo científico. Nos presentes autos não ocorreu qualquer perícia, mas sim exames directos aos objectos, mais concretamente dois, um a fls. 24, 25, 26 e 27 dos autos e outro a fls. 87 e 88.

    8. Os dois autos de exames directos apresentam constatações diferentes. Veja-se que o auto de exame de fls. 24 constata tratar-se de duas corrediças, incapacitada, sem valor venal. Aliás, este auto de exame com excepção das duas facas borboleta e dos aerossóis, constatou que os demais objectos estão incapacitados.

    9. Porém, a sentença em recurso apenas refere-se ao auto de exame directo de fls. 87 e 88, mas, mesmo este, como se verá, não permite retirar as conclusões que foram vertidas na sentença em recurso, e sempre impunha considerações e conclusões diversas, sobre os factos em causa nos autos.

    10. Assim, analisemos o dito auto de exame directo dos objectos, e não exame pericial, e vejamos as razões do invocado erro de apreciação da prova. Relativamente aos aerossóis: o auto de exame directo diz que se tratam de quarenta e um aerossóis de defesa, classe A, marca BODY_GURAD, com 40ml, de gás C.S.- PARAL/SANT, com 9cm de comprimento e com 3,5 cm de diâmetro, fabricados na Alemanha, encontram-se me bom estado de conservação e carregados com gás.

    11. O aludido exame directo não diz mais nada, ou seja, diz que é classe A, mas pergunta-se porquê. Realçando-se que em audiência de julgamento - como se colhe da fundamentação - não foi produzida qualquer outra prova a propósito dos objectos, ou seja e mais concretamente, não foram ouvidos os agentes da autoridade que elaboraram o auto de exame directo de fls. 87, 87 verso e 88.

    12. Assim sendo, dizer-se que um determinado objecto enquadra-se na classe A das armas, sem mais, salvo o devido respeito, não tem qualquer valor.

    13. Pelo que, a prova produzida nos autos é claramente insuficiente para se ter enquadrados os aerossóis como armas da classe A, devendo o ponto três da matéria de facto dado como provado relativamente aos aerossóis ser dada como não provada.

    14. Caso assim senão entenda, mas sem prescindir, dispõe o artigo 3°, n° 7, aliena a) da Lei n° 5/2006, de 25 de Fevereiro (redacção vigente à data dos factos) que "São armas da classe E, os aerossóis de defesa com gás cujo princípio activo seja capsaicina ou oleoresina de capsicum (gás pimenta)." E, por sua vez, dispondo a aliena h) do n° 2 da mesma norma que "São armas da classe A os...

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