Acórdão nº 101/13.5TAMCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução05 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec nº 101/13.5TAMCN-P1 TRP 1ª Secção Criminal Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc. nº 101/13.5TAMCN do Tribunal da Comarca do Porto Este - Marco de Canaveses - Instância Central - Secção Instrução Criminal - J2 em que é arguida B…, e assistente C… foi no final do inquérito, pelo MºPº deduzida acusação contra a arguida pelo crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artigo 256.ºnº1-e) do Código Penal e ordenado o arquivamento do crime de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199.º do Código Penal O assistente requereu a abertura da instrução em face do despacho de arquivamento, na sequência do que veio a proferir 18/12/2014 despacho no qual decidiu: “… não pronunciar a arguida B… pela prática de um crime de fotografias ilícitas, p. e p. artigo 199.º/2-b) do Código Penal, e ordeno, nesta parte, o arquivamento dos autos” Recorre o assistente de tal decisão, o qual no final da sua motivação apresenta conclusões das quais emergem as seguintes questões: - se a arguida deve ser pronunciada por se verificarem todos os elementos típicos do crime (objectivos - quem tirou as fotografias ou tiradas com o seu consentimento, e subjectivos - dolo e a consciência da ilicitude) e ser a conduta punível (só se conduta contra a vontade do visado: falta de tipicidade) Respondeu o MºPº, defendendo a manutenção da decisão A arguida não respondeu O ilustre PGA é de parecer que o recurso deve improceder Foi cumprido o artº 417º2 CPP Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência Cumpre apreciar.

Consta do despacho recorrido na parte que interessa (transcrição): “1.3. O requerimento de abertura da instrução.

Veio o assistente C… requerer a abertura da instrução (fls. 170 e ss) contra a arguida B…, inconformado com o referido despacho de arquivamento, afirmando a prática por esta de um crime de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199.º do Código Penal.

Para tanto, em síntese, imputa-lhe: A arguida, entre Janeiro e Fevereiro de 2013, colocou na rede social facebook, na conta pessoal da mesma, fotografias do assistente, sem a autorização deste.

Arguida e assistente tiveram um relacionamento amoroso durante o ano de 2011 e até Junho de 2012, tendo desse relacionamento nascido uma filha.

Relacionamento que, no caso do assistente, foi extraconjugal, pelo que sempre o manteve em absoluto sigilo.

Findo o relacionamento amoroso a arguida começou a fazer exigências financeiras, ao que foi acedendo na esperança de manter o sigilo desse relacionamento, mas que levou a arguida a cada vez fazer mais exigências sob a ameaça de divulgar o mesmo.

Perante uma recusa de pagamento de uma quantia exagerada a arguida publicou fotografias do assistente, umas com a arguida e filha, tendo de seguida enviado “pedidos de amizade” aos próprios filhos (nascidos na constância do matrimónio) e amigos do assistente, pedidos que foram aceites, o que fez com que a relação extraconjugal fosse conhecida por todos.

Fotografias, relativas ao assistente, que foram colocadas sem o seu consentimento.

1.4. As diligências instrutórias e debate instrutório.

Por despacho de fls. 224 foi declarada aberta a instrução.

Indeferidos os actos de instrução (fls. 233), foi designado debate instrutório, o qual se realizou, com observância do legal formalismo, como consta da acta.

  1. Saneamento.

    O Tribunal é o competente.

    O assistente tem legitimidade.

    Não existem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.

  2. Fundamentação.

    3.1 As finalidades da instrução.

    Como se sabe, nos termos do disposto no artigo 286.º/1 do Código de Processo Penal, com a fase processual penal (facultativa) de instrução visa-se a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, não estando, consequentemente, em causa a realização de um novo inquérito, mas a comprovação, por parte do juiz de instrução, da decisão proferida pelo Ministério Público, de acusação ou de arquivamento, sem prejuízo de o juiz instruir autonomamente os factos em apreço – sempre em função das finalidades da instrução - e não se limitar ao material probatório carreado para os autos.

    Nos termos do artigo 308.º/1 do Código de Processo Penal se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário profere despacho de não pronúncia.

    Estabelece o artigo 283.º/2 do Código de Processo Penal que a suficiência de indícios encontra-se dependente de deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

    Assim, em primeiro lugar, impõe-se um juízo de indiciação da prática de um crime, ou seja, importa indagar de todos os elementos probatórios produzidos, quer na fase de inquérito, quer na de instrução, que conduzam ou não à verificação de uma conduta criminalmente tipificada.

    Caso se opere essa adequação, proceder-se-á, em segundo lugar, a um juízo probatório de imputabilidade desse crime ao arguido, de modo que os meios de prova legalmente admissíveis e que foram produzidos, ao conjugarem-se entre si, conduzam à imputação do(s) facto(s) criminoso(s) ao(s) arguido(s).

    A finalizar, cabe efectuar um juízo de prognose condenatório, pelo qual se possa concluir a razoável possibilidade do arguido vir a ser condenado por esses factos e vestígios probatórios, estabelecendo-se um juízo indiciador semelhante ao juízo condenatório a efectuar em julgamento.

    *Fixadas as directrizes que, de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, a presente decisão abordará a questão de saber se (in)existe prova indiciária que preencha o tipo de crime de fotografias ilícitas, (p. e p. pelo artigo 199.º/2-b) do Código Penal – como referido no despacho de fls. 233) e da respectiva imputação à arguida.

    3.2. Factos suficientemente indiciados.

  3. Todos os factos constantes do requerimento do assistente, excepto os abaixo.

    3.3. Factos não suficientemente indiciados.

  4. A arguida sabia que ao actuar como actuou a sua conduta era proibida e punida por lei.

    3.4. Motivação.

    Pese embora o despacho de arquivamento se apresente praticamente destituído de fundamentação, o certo é que de forma alguma é possível concordar, do ponto de vista fáctico, com as dúvidas nele avançadas, pela simples razão de a realidade se apresentar cristalina.

    Na verdade, tendo as fotografias sido colocadas na página pessoal que a arguida tem e gere na rede social facebook o normal é que seja a mesma a “dona” dessa conta, adicionando, colocando, removendo, etc, o que entende.

    Mas, para além desta normalidade, o certo é que a publicação das concretas fotografias só seria possível a quem as detivesse (fotografias que reproduzem a imagem do assistente, arguida e filha de ambos) – no caso a arguida.

    Ou seja, sendo as fotografias publicadas na página pessoal que a arguida tem no facebook, o normal é que o autor dessa publicação seja o dono da página - no caso a arguida.

    Se essas fotografias dizem respeito a um pedaço de vida que retracta um determinado acontecimento e relacionamento, o normal é que só as pessoas aí retratadas tenham acesso às fotografias - no caso a arguida.

    Mas se essas fotografias retractam ainda factos que eram da reserva dos intervenientes, o normal acrescido é que só essas pessoas as detenham: no caso a arguida.

    Se a publicação dessas fotografias poderia prejudicar alguém e havia interesse em fazê-lo, então a agente da publicação será quem tinha esse interesse - no caso a arguida.

    Se quem queria manter em segredo o que as fotografias retractavam e estas acabam por ser publicadas, ainda num contexto de chantagem, então só resta a conclusão que a utilização e publicação das fotografias foi sem o consentimento de quem nelas estava (também) retratado - no caso o assistente.

    Tudo para se afirmar que as regras da experiência não deixam qualquer margem para dúvida de que o autor...

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