Acórdão nº 543/12.3PDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelARTUR OLIVEIRA
Data da Resolução17 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 543/12.3PDPRT.P1 - com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade, - após conferência, profere, em 29 de abril de 2015, o seguinte AcórdãoI - RELATÓRIO 1. No processo comum (tribunal singular) n.º 543/12.3PDPRT, da secção criminal (J5) – Instância Local do Porto, Comarca do Porto, em que é arguida B…, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos [fls. 185-186]: «(…) A) Condenar a arguida, B…, pela prática de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 2 do CP (versão de 1995), na pena de 4 (quatro) meses de prisão.

Usando da faculdade concedida pelo art° 50°, nºs 1 e 5 do CP, suspendo a execução da pena pelo período de 1 (um) ano.

(…)» 2. Inconformada, a arguida recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 201-204]: «A. É expressamente assumido na sentença recorrida que o Tribunal a quo assentou inteiramente a sua convicção no depoimento das duas testemunhas de acusação, agentes da PSP, até porque a arguida se remeteu ao silêncio em audiência; B. Mas estas testemunhas de acusação afirmaram expressamente que a sua razão de ciência derivava única e exclusivamente de “confissão” extrajudicial da recorrente, feita aos referidos OPC, antes da constituição como arguida; C. As testemunhas disseram expressamente que não presenciaram nada, não têm conhecimento directo de nada e não viram absolutamente nada, pelo que os seus depoimentos constituem, na íntegra, depoimentos indirectos (art. 129.º/1 do CPP), meras reproduções de uma “conversa informal” que mantiveram com a recorrente; D. Como escreve VINÍCIO RIBEIRO, as conversas informais são conversas não formais e, por isso não reduzidas a auto. Processualmente não existem. Podem ocorrer no local da infracção (e será até o caso mais vulgar) antes de o arguido ter sido constituído como tal, no posto policial ou até nos corredores do tribunal (já depois da constituição de arguido); E. No entanto, como ensina DAMIÃO DA CUNHA, por força dos artigos 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2 do CPP, os órgãos de polícia criminal não podem prestar depoimento sobre declarações que perante eles tenham sido prestadas, pelo que não é admissível a prestação de depoimento indirecto pelos órgãos de polícia criminal; F. E diz PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE que o depoimento dos agentes policiais está sujeito a um regime diferente de quaisquer outras testemunhas, em virtude da proibição legal dos artigos 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2 do CPP, proibição que veda o aproveitamento na audiência do depoimento do agente policial sobre declarações que ouviu dos suspeitos, quer elas tenham sido feitas antes ou depois da abertura formal do inquérito, venha o agente policial a ser instrutor do inquérito ou não; G. Inteiramente neste sentido vai o Ac. TRP de 12-10-2011, (r. MARIA DOLORES SILVA E SOUSA, unânime), onde se sumaria que «Consubstancia uso de prova proibida a valoração, em julgamento, das conversas informais do arguido com os agentes policiais, tenham elas ocorrido antes ou depois da sua constituição como arguido»; H. E completa o Ac. STJ de 09-07-2003, (r. ARMANDO LEANDRO, unânime): «Entendimento contrário implicaria que pudessem ser tomadas em conta, para efeitos de prova, declarações do arguido que não o poderiam ser se constantes de auto cuja leitura não fosse permitida em audiência nos termos dos art. 357.º, conjugado com os artigos 355.º e 356.º, n.º 7. Constituiria manifesta ofensa do fim prosseguido pela lei com estas disposições, revelado pelo seu espírito, designadamente a salvaguarda dos princípios da oralidade, da imediação, da publicidade, do contraditório, da concentração»; I. Em suma, a serem valorados em sede de prova, os depoimentos dos OPC narrando “conversas informais” representam a aceitação tácita de AUTÊNTICAS CONFISSÕES EXTRA-JUDICIAIS, não-livres, inadvertidas, desavisadas, cuja mera enunciação oral — nem sequer leitura — em sede de depoimento dos agentes policiais vai frustrar contra legem as garantias de defesa do arguido; J. Caso tal prática se generalize, quem guardará os guardas? Quem protegerá os cidadãos quando os depoimentos dos OPC sobre conversas informais passarem a constituir a norma quando não exista mais qualquer indício ou prova incriminadora contra os arguidos, como é o caso dos presentes autos? K. Seria uma porta aberta ao arbítrio policial, algo que os Tribunais não podem sufragar; L. Todavia, a nova redacção do art. 357.º, n.º 1 do CPP introduziu a proibição de reprodução de declarações do arguido (além da leitura), o que engloba a proibição de valoração do depoimento indirecto dos OPC sobre conversas informais — reproduções orais, low-fi, subjectivas e inexactas em comparação com reproduções mecânicas; M. Foram, portanto, violados, do CPP, os artigos 125.º (legalidade da prova), 127.º (livre apreciação da prova) art. 129.º/1 (depoimento indirecto), art. 344.º (confissão), art. 355.º (imediação), art. 356.º/7/8/9 (inquirição de OPC sobre declarações de leitura proibida), art. 357.º (proibição de reprodução de declarações do arguido), art. 379.º/1-c) (omissão de pronúncia); da CRP, o artigo 32.º/1 (direito a processo justo e equitativo e respeito pelos limites legais à obtenção de prova incriminadora) e 32.º/8 (valoração de prova proibida); do CP, o art. 231.°/1/2 (receptação); N. Com todo o devido respeito, o Tribunal a quo interpretou mal esta constelação de normas, pois julgou admissível e valorou em sede probatória o depoimento indirecto de agentes de polícia versando sobre “conversa informal” tida com a recorrente antes da sua constituição como arguida, quando todas as referidas normas, em conjugação, apontam para a inadmissibilidade e/ou o desvalor probatório desses depoimentos; O. Foram, assim, incorrectamente julgados os pontos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º da matéria de facto provada, os quais, em consequência de todo expendido, deveriam ter sido julgados não provados.

P. Impõem decisão diversa da recorrida as seguintes provas: o depoimento da testemunha C…, de 00:43 a 03:46, de 05:05 a 06:00, e de 06:20 a 07:00, assim como o depoimento da testemunha D…, de 00:25 a 02:50, e de 02:58 a 03:42; Q. Na, aliás douta, sentença recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão da proibição de valoração de prova, por violação do princípio da imediação, optando por valorar a prova proibida sem fazer qualquer referência à verificação ou não dessa proibição, a qual é de conhecimento oficioso, por força do art. 32.º, n.º 8 da CRP e 374.º, n.º 2 do CPP; R. Este vício acarreta a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, ex vi do art. 379.º, n.º 1, al. c), primeira parte, do CPP; S. A não se entender pela verificação da nulidade por omissão de pronúncia, sempre a sentença há de padecer de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), na medida em que foram utilizadas na formação da convicção do Tribunal provas cuja valoração era proibida, e que por isso não poderiam servir para fundamentar a decisão.

PELO QUE, NOS TERMOS E PELOS FUNDAMENTOS EXPOSTOS, E NO CUMPRIMENTO DA LEI E DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DEVERÁ A SENTENÇA EM CRISE DER DECLARADA NULA, SER REVOGADA, E SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ABSOLVA A ARGUIDA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMEIRA JUSTIÇA (…)» 3. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos da motivação de recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 221-232].

  1. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-geral Adjunta acompanha a resposta, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. 241-250].

  2. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

  3. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação [fls. 179-182]: «(…) A) DE FACTO.

    Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1º) No dia 17.9.2012, no interior de uma fábrica abandonada, situada no …, nesta comarca, local conotado como lugar de venda e consumo de estupefacientes, a arguida adquiriu a um indivíduo do sexo masculino de identificação desconhecida, uma máquina fotográfica digital com lente, no valor de 400€, com cartão de memória e...

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