Acórdão nº 1751/11.0T2AVR-F.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução08 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 1751/11.0T2AVR-F.P1 [Comarca de Aveiro/Inst. Central/Aveiro/Secção Comércio] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.

B… e mulher C… apresentaram-se à insolvência mediante requerimento de 23.09.2011 e foram declarados em estado de insolvência por sentença proferida em 26.10.2011 e transitada em julgado.

Oportunamente a Administradora de Insolvência apresentou parecer sobre os factos que considerou relevantes para a qualificação da insolvência, parecer que concluiu no sentido da qualificação da insolvência como culposa com fundamento nas alíneas a) e i) do n.º 2 e na alínea a) do n.º 3, ambos do artigo 186º do CIRE.

Para o efeito, alegou que o insolvente B… se encontrava colectado como empresário em nome individual na actividade de agricultura e pecuária, possuindo uma vacaria com mais de 100 cabeças de gado, mas por contrato datado de 12.11.2010, que intitulou de compra e venda de bens móveis, transferiu todo o activo que a sua empresa possuía, incluindo as cabeças de gado para a sociedade D…, Lda. constituída pela sua mulher, aqui também insolvente, e o filho de ambos E…, a qual também já transferiu para terceiros a grande maioria das cabeças de gado. A Administradora resolveu o referido contrato de compra e venda do activo, não tendo recebido qualquer resposta ou esclarecimento, quer por parte dos insolventes, quer por parte da sociedade dita compradora e sua gerência. Apesar desse contrato, a Administradora encontrou nas instalações dos insolventes vários bens que compunham o activo da empresa do insolvente, mas os restantes bens, designadamente uma máquina de valor próximo dos €50.000,00, não mais foram encontrados. Apesar do pedido da Administradora para que essa máquina lhe fosse entregue, a insolvente C… afirmou que esta não lhes pertencia e só estava nas suas instalações por lhes ter sido emprestada. Os bens móveis apreendidos em benefício da Massa insolvente encontram-se na sua maioria em mau estado de conservação, o que se reflectiu no valor atribuído e na venda dos mesmos, havendo alguns deles que denotavam terem sido danificados intencionalmente. A Administradora não teve acesso à contabilidade; os elementos contabilísticos que possui foram-lhe entregues pelo mandatário dos insolventes. A situação de insolvência era do conhecimento dos insolventes, muito antes da sua apresentação.

O Ministério Público expressou a sua concordância com o parecer da Administradora da insolvência.

Os insolventes apresentaram oposição, pugnando pela qualificação da insolvência como fortuita, alegando, em síntese, que o contrato de compra e venda de bens móveis foi celebrado mediante a contrapartida da assunção e o efectivo pagamento por parte da compradora das dívidas da responsabilidade do vendedor; que aquando da apresentação à insolvência os apresentantes juntaram ao processo relação do activo que comportava a totalidade dos bens que, à data, detinham; que os bens que se encontravam nas instalações do insolvente foram relacionados aquando da apresentação à insolvência, com indicação da sua localização para poderem ser apreendidos; que a máquina referida pela Administradora efectivamente não lhes pertencia; que o estado de conservação dos bens resulta somente do seu uso durante vários anos nas actividades agrícola e pecuária que é sobremaneira desgastante e da falta de recursos financeiros para os insolventes procederem à sua manutenção e reparação; que, por intermédio do seu mandatário, entregaram os elementos contabilísticos que lhes foram solicitados e prestaram toda a colaboração que lhes foi solicitada.

Após julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu pela qualificação da insolvência como culposa, declarar afectados pela declaração os insolventes e declará-los inibidos para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação, fundação, empresa pública ou cooperativa durante um período de três anos.

Do assim decidido, os insolventes interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1.ª Mal andou o Tribunal "a quo" ao decidir pela qualificação da insolvência dos Recorrentes/Insolventes como culposa, porquanto, nenhuma das disposições do art. 186.º do CIRE é passível de emprego ao caso concreto dos autos; 2.ª A Recorrente/Insolvente mulher, sendo uma pessoa singular, não titular de empresa (ut art. 5.º do CIRE), não estava obrigada a apresentar-se à insolvência (ut art. 18.º, n.º 2 do CIRE); 3.ª A actuação da Recorrente/Insolvente mulher não se enquadra na noção geral contida no n.º 1 no art. 186.º do CIRE, nem é susceptível de integrar os pressupostos enunciados em qualquer uma das alíneas do n.º 2 do art. 186.º do CIRE; 4.ª O Recorrente/Insolvente marido não dispôs de bens decorrentes da sua actividade em proveito pessoal ou de terceiros; 5.ª Não se logrou provar que a actuação dos Recorrentes/Insolventes foi flagrantemente reprovável ou altamente censurável, apta a causar ou a agravar a sua situação de insolvência; 6.ª A douta sentença recorrida enferma de erro de interpretação/aplicação da disposição do art. 186.º, n.ºs 1, 2, al. a) e 3 do CIRE; 7.ª Mal andou o Tribunal "a quo" ao inabilitar os Recorrentes/Insolventes para o exercício do comércio por um período de três anos; 8.ª A Recorrente/Insolvente mulher não tinha porque ser afectada pela qualificação da insolvência como culposa, pois a mesma é uma pessoa singular, não titular de empresa; 9.ª A admitir-se existir fundamento para a qualificação da insolvência dos Recorrentes/Insolventes como culposa, o que apenas de concede por mera hipótese de raciocínio, o período de inibição de três anos é excessivamente longo e desproporcionado, face à factualidade provada; 10.ª A admitir-se existir fundamento para a qualificação da insolvência dos Recorrentes/Insolventes como culposa, o que apenas de concede por mera hipótese de raciocínio, não faz sentido a imposição do mesmo período de inibição a ambos os Recorrentes/Insolventes, tendo em conta que apenas um se encontrava colectado para o exercício da actividade agrícola, ou seja, o Recorrente/Insolvente marido; 11.ª A douta sentença recorrida enferma de erro de interpretação/aplicação da disposição do art. 189.º, n.º 2, al.s b) e c) do CIRE.

O Ministério Público respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

As conclusões das alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver as seguintes questões: i) Se existe fundamento para qualificar a insolvência como culposa.

ii) Se esse fundamento se aplica igualmente à insolvente mulher não titular de empresa.

iii) Se o prazo de três anos de inibição para o exercício do comércio é excessivo.

III.

Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

  1. Por requerimento que apresentaram em juízo em 23.09.2011, foi declarada a situação de insolvência do casal B… e C… por sentença proferida em 26.10.2011 e transitada em julgado.

  2. Com a petição inicial os insolventes apresentaram relação de bens contendo descritas as seguintes verbas: 1. distribuidor de 400 litros da marca Vicon em mau estado de conservação; 2. tanque de refrigeração de leite 5.000 litros e drenagem automática; 3. máquina de lavar com carrinho mangueira e pistola; 4. linha de leite inox 50; 5. linha de lavagem inox 40; 6. virador de ferros 2 estrelas MT2, 60 2G; 7. seis unidades de ordenha com medição electrónica; 8. um silo AV-724 com escada pneumático e válvula externa para cone; 9. corta milho MOD PZ90; 10. silo Roxell; 11. silo AV-722 com escada pneumático e válvula externa para cone; 12. placa Mielimeter 3; 13. três boxes para alimentação; 14. corta milho Mod. HCM90 SAH; 15 a 19. Tractores agrícolas matrículas ..-EA-.., ..-..-RM, ..-..-QE, ..-..-IE e ..-..-QR; 20 a 22. Veículos automóveis matrículas RQ-..-.., ..-..-ZP e ..-CJ-.. (estes dois últimos, objecto de reserva de propriedade em benefício do F… e que a este foram entregues); 23 a 30. Reboques agrícolas dos anos de 1998, 2001, 1990, 2005, 2006 e 1989; 31 a 33. Prédios rústicos descritos sob a ficha nº 6275, 6274 e 5213 da Conservatória do Registo Predial de Ovar.

  3. Através de contrato de sociedade inscrito no registo em 08.11.2010 a insolvente e E…, filho dos insolventes, constituíram sociedade designada D…, Lda. tendo como capital social € 5.000,00 distribuído por duas quotas sociais de igual valor, e por objecto a produção e comercialização de produtos agrícolas, prestação de serviços agrícolas, criação de bovinos para produção de leite, com sede social na residência dos insolventes, Rua …, nº …, …, Ovar.

  4. Através de contrato datado de 12.11.2010 epigrafado de Contrato de Compra e Venda (Bens Móveis) o insolvente, com o declarado consentimento da insolvente, declarou vender a D…, Lda., com sede na residência dos insolventes, todo o imobilizado respeitante à sua actividade comercial, conforme cópia da factura e mapa de amortização anexa ao contrato, pelo preço de €238.529,03, a pagar pela compradora mediante a assunção e o efectivo pagamento das dívidas da responsabilidade do vendedor ao G…, H…, I…, F…, J…, Lda., K….

  5. Conforme venda a dinheiro nº 251 datada de 12.11.2010, o insolvente vendeu à sociedade “D…”, pelo valor de €54.700,00, 66 vacas de leite, 20 novilhos gestantes, 16 novilhas de 6 a 12 meses, 14 vitelas com 2 meses e 3 vitelos.

  6. Através de carta datada de 24.05.2012 que dirigiu aos insolventes e ao filho destes, a Sr.ª administradora da insolvência declarou resolver a...

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