Acórdão nº 8794/11.1TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução28 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I- Relatório: B…, menor representado pela sua mãe, C…, intentou contra D… - Companhia de Seguros, S.A., a presente ação declarativa comum, sob a forma ordinária, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida daquela a liquidar em execução de sentença relativa aos danos patrimoniais sofridos.

Para o efeito alegou, em resumo, que na qualidade de condutor de um velocípede teve um acidente viação com um veículo automóvel, que a culpa exclusiva e/ou presumida é do condutor de tal veículo e que a responsabilidade civil pela obrigação de indemnização dos danos sofridos, que identificou, foi transferida para a Ré, por contrato obrigatório de seguro de responsabilidade civil automóvel.

Contestou a Ré, alegando factos que imputam ao A. a culpa exclusiva na produção do evento danoso, pugnando pela sua absolvição.

Em articulado superveniente e ampliação de pedido, admitidos, o A. veio pedir a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 100.000,00 a título de danos não patrimoniais, das quantias de € 90.000,00, €11.900,00 e €4.125,00 a título de danos patrimoniais e da quantia relativa a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais futuros a determinar em função do agravamento das lesões e seu tratamento médico, a liquidar em execução de sentença.

Saneado o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a competente sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré.

  1. A pagar ao A. a quantia de cento e cinquenta mil euros (€ 150.000,00), absolvendo a Ré do demais peticionado em termos líquidos e sem prejuízo da quantia já comprovadamente prestada ao A. (€ 6.300,00); 2. A pagar ao A. a quantia relativa aos custos resultantes do tratamento (intervenções cirúrgicas, tratamentos, medicamentos e deslocação) das lesões sofridas pelo A. até aos seus 21 anos de idade.

    Desta sentença veio a Ré interpor o presente recurso, alegando e concluindo nos termos seguintes: 1ª A Recorrente não se pode conformar com a douta sentença da primeira instância que, aplicando o disposto no art. 503º nº 3 do Código Civil, atribuiu a responsabilidade no acidente ao condutor do veículo seguro JQ (culpa presumida) e a condenou no pagamento de uma indemnização de 150 mil euros ao Autor e bem assim nos custos do tratamento das lesões sofridas pelo Autor até aos 21 anos.

    1. Entende a Recorrente, com o respeito que é devido, que a sentença constitui um erro grosseiro de julgamento com base na prova produzida na audiência de julgamento (declarações do condutor do JQ), no croqui da autoridade policial e na inspeção ao local do acidente realizada na última sessão da audiência final.

    2. São as seguintes as declarações da testemunha E…, condutor do JQ, registadas no ficheiro 20141212101704_5517491_2871605, consideradas relevantes para a alteração à matéria de facto e ao aditamento de factos que devem ser julgados provados: … 4ª De acordo com o croqui do acidente, o JQ imobilizou-se a 5,30 metros de distância do local do embate sendo certo que, devido ao aparecimento inopinado do Autor, o condutor do JQ não pôde efetuar qualquer travagem, pelo que não se provou que circulasse a mais de 50 km/hora como está nos factos provados. A velocidade superior a 50 km/hora, e sem travar, só se imobilizaria a mais de 25/30 metros do local do embate.

    3. Deve, por isso, tal facto ser alterado passando a dizer que “o condutor do JQ, E… seguia a uma velocidade inferior a 50 km/hora no sentido Espinho/Grijó”.

    4. Por outro lado, e de acordo com as declarações do condutor, confirmadas pelas medições que constam do croquis e pela deslocação ao local por parte do tribunal, deverão ser aditados aos factos provados os que constam dos números 32 a 34 e 36 da base instrutória.

    5. Tais factos são os seguintes: -“O JQ circulava pela metade direita da Rua …” Este facto resulta da declaração do condutor do JQ de que só guinou para a esquerda na iminência do embate e no momento em que o Autor irrompeu, a grande velocidade, pela faixa de rodagem da Rua…, proveniente de uma rua situada à direita do sentido Espinho/Grijó.

    6. -“E quando o JQ se encontrava a uma distância inferior a 10 metros da Rua…, situada à direita, irrompe desta o Autor tripulando o seu velocípede sem motor” Estes factos devem ser dados por provados uma vez que resultam necessariamente da distância a que se imobilizou o JQ sendo que o mesmo não tinha qualquer visibilidade para a rua donde provinha o Autor. Teria, por isso, de se encontrar a uma distância muita curta, inferior a 10 metros, tendo em conta o local do embate na faixa de rodagem e a velocidade relativa dos 2 veículos. É que se a bicicleta, vindo duma rua de inclinação descendente, circularia a uma velocidade na ordem dos 15 km/hora, o ligeiro circulava a não mais de 40 km/hora. Como se referiu atrás, se o JQ circulasse a maior velocidade seria impossível imobilizar-se a 5,30 metros de distância. As leis da física contrariam qualquer afirmação em sentido contrário.

    7. Deverá também ser dado por provado o facto “não dando tempo nem espaço para que o condutor do JQ pudesse travar (número 33 da base instrutória) ”.

      Este facto resulta à saciedade das declarações do condutor do JQ, confirmadas pela inexistência de rastos de travagem na faixa de rodagem.

      Aliás, como poderia haver travagem se o Autor apenas foi visível para o condutor do JQ quando este se encontrava a distância inferior à correspondente ao tempo de reação. Quando reagiu, e era totalmente impossível reagir antes, já tinha batido.

    8. Resulta igualmente da discussão da causa, e do alegado nas conclusões anteriores, que deverão ser dados por provados os factos que constam do número 34 da base instrutória: “A entrada do velocípede foi de tal forma inesperada e rápida que o condutor do JQ apenas pôde, por instinto, virar a direção para o eixo da via de forma a evitar o embate frontal com o velocípede”.

    9. Igualmente provado é o facto 36 da base instrutória: “Quem circula na Rua… não tem qualquer visibilidade para a Rua… dada a existência de um prédio de, pelo menos, dois pisos, precisamente na esquina do entroncamento”.

      Não pode deixar de surpreender a não inclusão deste facto na matéria provada, não só por resultar das declarações do condutor do JQ, mas também porque pôde ser constatado pelo Senhor Juiz da Primeira Instância na deslocação que o Tribunal fez ao local do acidente na última sessão da audiência de julgamento realizada no dia 27 de Fevereiro de 2015. Na ata, refere-se “auto de inspeção ao local” mas, não é feita qualquer alusão à configuração do cruzamento, nomeadamente, quanto à existência do prédio de dois pisos na esquina do cruzamento. Tal facto, que é real, foi incluído, como não podia deixar de ser, na ação de arbitramento de reparação provisória já que tal facto se revela essencial, como é referido no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nessa ação, para a compreensão da dinâmica do acidente. Por isso, e porque corresponde à realidade, deve tal facto ser incluído nos factos provados.

    10. Com base na alteração que aqui se reclama do facto respeitante à velocidade a que circulava o JQ e do aditamento dos factos constantes dos números 32 a 34 e 36 da base instrutória, a responsabilidade no acidente deve ser atribuída, em exclusividade, ao Autor.

    11. Os factos provados não permitem imputar qualquer culpa ao condutor do JQ uma vez que não praticou qualquer infração às regras impostas no Código da Estrada.

    12. Quanto ao Autor, não existem quaisquer dúvidas de que violou o disposto no art. 32º nº 4 do Código da Estrada que obriga à cedência de passagem aos veículos a motor por parte dos velocípedes sem motor.

    13. E tendo sido o Autor o único a violar regras do Código da Estrada, existe culpa efetiva e exclusiva do Autor. Culpa que afasta a presunção estabelecida no art. 503º nº 3 do Código Civil e à qual a sentença recorreu para atribuir a responsabilidade ao condutor do veículo seguro na Recorrente.

    14. Aliás, diga-se que, tendo a sentença recorrida entendido existir violações das regras do Código da Estrada por parte de ambos os condutores nunca a decisão quanto à responsabilidade deveria ir no sentido da aplicação da regra estabelecida no art. 503º nº 3 do Código Civil.

    15. Tal situação somente seria possível no caso de não se apurarem quaisquer infrações ao Código da Estrada. Tendo entendido existirem violações dessas regras por parte de ambos os condutores, a decisão quanto à responsabilidade no acidente teria de tomar em conta a gravidade da violação com que cada um dos condutores incorreu e da sua contribuição para o acidente.

    16. Mesmo indo por aí, entendendo existirem violações dos dois condutores para o acidente, o que não se aceita, sempre a culpa no mesmo deveria ser atribuída exclusivamente ao Autor uma vez que o eventual, mas não provado, excesso de velocidade por parte do condutor do JQ não foi a causa do acidente. A causa do acidente sempre seria a violação, pelo Autor da regra da prioridade do art. 32º nº 4 do Código da Estrada.

    17. No respeitante à decisão quanto à responsabilidade no acidente, a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 483º e 503º nº 3 do Código Civil.

    18. Tendo em conta a matéria que entendemos ser dada por provada, são inteiramente inaceitáveis as afirmações que constam da sentença relativamente ao comportamento do condutor do JQ, nomeadamente, imputando-lhe distração na condução, falta de domínio da condução, ato controlável ou dominável pela vontade, falta de diligência devida, quando resulta dos factos provados que era totalmente impossível ao condutor do JQ evitar este acidente.

    19. Sem prejuízo do anteriormente alegado quanto à responsabilidade pelo acidente, entende a Recorrente que as indemnizações atribuídas, quer no que respeita aos danos patrimoniais, quer no que respeita aos não patrimoniais, são manifestamente excessivas.

    20. No que respeita aos danos patrimoniais, e fazendo uso das...

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