Acórdão nº 3/13.5GCAGD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelCASTELA RIO
Data da Resolução28 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência os Juízes no Recurso Penal 3/13.5 GCAGD.P1 vindo do Juiz 1 da Secção Criminal da Instância Local de Águeda da Comarca de Aveiro Submetida a Arguida B… [1] a JULGAMENTO por Tribunal SINGULAR no Processo COMUM 3/13.5GCAGD, a AUDIÊNCIA culminou na SENTENÇA [2] que a absolveu dos acusados dois crimes de ofensa à integridade física negligentes «consumidos» pela condenação em 200 dias de multa a 6 € diários pela autoria material em 06-01-2013 de um crime de homicídio negligente p.p. pelo art 137-1 do Código Penal [3], nas custas crime sendo 2 UC de taxa de justiça ut arts 513-1 e 8-9 e Tabela III do RCP e que - na procedência parcial do Pedido Civil de C… por si e em representação de seus filhos menores D… e E… - condenou F… – Companhia de Seguros …, SA, no pagamento àqueles da quantia global de 383.178,04 € «… correspondendo € 60.000,00 à perda do direito à vida, € 40.000,00 para compensar os danos morais do viúvo e € 50.000,00 a título de danos morais devidos a cada um dos filhos da falecida, a par da quantia de € 180.000,00 a título de danos patrimoniais futuros e das quantias de € 2.000,00 e € 500,00 devidas a título dos danos não patrimoniais respeitantes às lesões corporais sofridas, respectivamente pelos menores D… e E… na sequência do acidente –, acrescendo, a estas quantias, juros desde a data da sentença; a título de danos patrimoniais, fixam-se as quantias de € 399,44 (relativa aos danos verificados nos velocípedes), € 100,00, € 65,00 e € 40,00 (vestuário que a vítima e os menores ofendidos D… e E… trajavam) e de € 73,60 (relativa às deslocações reclamadas), às quais acrescerão juros (civis) desde a data de notificação para contestar, até efectivo e integral pagamento; no mais, absolve-se a demandada do remanescente do pedido» e assim condenando as Partes Civis nas custas cíveis cfr art 527-1-2 do CPC na proporção do decaimento.

Inconformado com o decidido, em tempo o MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs RECURSO pela Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO a fls 617-638 II rematada com as sgs 22 CONCLUSÕES [4]: 1) Como decorre da matéria de facto dada como assente na douta sentença recorrida a arguida incorreu na prática do crime de homicídio negligente que lhe vinha imputado e, bem assim, na prática dos dois crimes de ofensa à integridade física negligentes; 2) A Mmª Juiz a quo perfilhou o entendimento tradicional e posição dominante no STJ - – cfr. entre outros os acórdãos do STJ de 8 de Outubro de 1997 (CJ - STJ, ano Vº, 3º, pág. 212), de 21 de Janeiro de 1998 (CJ - STJ, ano VIº, 1º, pág. 173), de 8 de Julho de 1998 (CJ - STJ, ano Vº, 2º, pág. 237) e de 7 de Outubro de 1998 (CJ - STJ, ano VIº, 3º, pág. 183, Acr. Do STJ de 28/10/97, CJ ano V, tomo 3º, pág. 212, de 14/03/90, CJ, ano XV, tomo 2º, pág. 11, da Relação do Porto de 29/05/02, acessível em www.dgsi.pt/jtrp, da Relação de Coimbra de 6/04/95, CJ, ano XX, Tomo 3º, pág. 59, da Relação de Évora de 18/05/99, acessível em www.dgsi.pt/jtre) - e concluiu pela verificação de um concurso aparente de crimes punindo a arguida com a pena prevista no tipo penal mais grave, no caso o crime de homicídio negligente; 3) Na sequência de um estudo conjunto dos Dr.s Pedro Caeiro e Cláudia Santos, apresentado na “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 6º, Fascículo 1º, pág.133 e seguintes em anotação a um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra e da anotação ao artigo 137º do C. Penal efectuada pelo Dr. Figueiredo Dias no “Comentário Conimbricense ao Código Penal” têm vindo a ser proferidos diversos arestos que defendem a posição que perfilhamos e que sustenta, em sentido contrário à posição tradicional, que, existindo resultados múltiplos e estando em causa bens jurídicos eminentemente pessoais, haverá tantos crimes quantos os resultados verificados, quanto os ofendidos, a punir pelas regras do concurso de infracções – concurso ideal equiparado ao concurso real – operando a punição à luz dos arts. 30.º e 77.º do CP, quer se esteja perante a lesão plúrima do mesmo preceito legal, quer a violação se dirija a diversos preceitos incriminadores – cfr. neste sentido os Acr. do STJ de 22.11.2007, sumariado em www.dgsi.pt; Acr. STJ de 15 de Novembro de 1998 referido pelo Dr. Dá Mesquita na Revista do Ministério Público, ano 19.º, Outubro/Dezembro de 1998, página 161; o acórdão da Relação do Porto, de 5 de Janeiro de 2000 (BMJ n.º 493, pág. 416); o acórdão da Relação de Coimbra, de 29 de Março de 2000 (C.J., ano XXV, 2º, pág. 48); o acórdão da Relação de Évora, de 24 de Junho de 2003 (C.J., n.º 167, pág. 267); e o acórdão da Relação do Porto, de 24 de Novembro de 2004 (C.J., ano XXIX, 5º, pág. 213), Acr. TRE 1115/08.1 de 18-11-2008 in BDJUR, Acr. TRC nº 2398/05 de 23-11-2005; Ac STJ de 02.06.1999 e Ac STJ de 11.11.1998 em www.dgsi.pt; Ac RP de 24.11. 2004 (relator: Desembargador Coelho Vieira), em www.dgsi.pt, e no Ac. desta Relação de Évora de 24.06.03 CJ XXVIII, T. III/p. 267; 4) Esta posição tem a virtualidade de resolver alguns dos problemas levantados pela doutrina tradicional e parece-nos ser mais justa uma vez que no caso específico dos acidentes de viação, a consideração da unicidade do evento, contraria a concreta existência de um dano social de maior amplitude provocado pelo condutor, não se atendendo ao desvalor de resultado; 5) Como se refere no voto de vencido ao Acr. STJ 1659/07.3GTABSF.S1,inDGSI “a vida, a honra, a integridade física e a liberdade são bens jurídicos tutelados pelo legislador, não como valores comuns, mas como valores encarnados em cada uma das individualidades e personalidades dos seus portadores. O bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio é a vida humana inviolável, reflectindo o art. 24.º da CRP, que confere sentido ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à liberdade que estruturam e densificam o Estado de Direito. Na actuação negligente, a censura coloca-se na produção de resultado, incidindo sobre a capacidade ou possibilidade do agente de prever correctamente a realização do tipo legal de crime e de não ter querido preparar-se para representar tais resultados ou não os querer representar correctamente. De facto, o que se pune na negligência não é a vontade do resultado que, por definição falta, mas sim o resultado ou a lesão do bem ou bens jurídicos violados com a conduta negligente. O mesmo é dizer que, actuando com negligência, se pune o agente por não ter querido, em face do conhecimento de que certos resultados são puníveis, preparar-se para, perante certa conduta perigosa, os representar justamente (negligência consciente) ou mesmo para os representar (negligência inconsciente)”; 6) E como se refere no Ac STJ de 11.11.1998, in DGSI: «I. Não há razão válida para se defender que, ainda que só nos casos de negligência inconsciente, o concurso ideal heterogéneo deva ser punido como um único crime. II. O que se impõe concluir é, antes, que qualquer tipo de concurso ideal – homogéneo ou heterogéneo, doloso ou negligente – se integra na previsão do art. 30º nº 1 do C. Penal vigente, o que significa que o agente, com uma só acção, realiza diversas tipos legais ou realiza diversas vezes o mesmo tipo de crime, independentemente de agir com dolo ou negligência (consciente ou inconsciente), comete tantos crimes vezes quantos os tipos preenchidos ou o número de vezes que o mesmo tipo foi realizado, a punir nos termos do art. 77 daquele Código» 7) Por sua vez, como se refere no Acr. do TRE 1115/08.1 de 18-11-2008 in BDJUR “o art.º 30.º do C. Penal de 1982 pune em concurso efectivo tanto o chamado concurso ideal como o concurso real, equiparando para este efeito as duas situações: assim, tanto é punido quem com uma só acção preenche diversos tipos penais (ou várias vezes o mesmo tipo), como aquele que o faz por meio de duas ou mais acções. A este respeito refere Eduardo Correia (A Teoria do Concurso, p. 108) que, “…do ponto de vista da dignidade penal não conseguimos descobrir o quid em que reside o «menos» do concurso ideal em face das formas do concurso real de crimes. (…) Tanto num caso como noutro, sendo efectivamente violados vários preceitos legais, são negados também valores jurídico-diversos e autónomos. Quando assim não seja, se substancialmente o conteúdo destes valores coincidir, estar-se-á somente em face de um concurso aparente de leis, ficará, portanto, logo excluída a existência de uma efectiva pluralidade de infracções e já não poderá falar-se em concurso ideal.” Significa isto que, na verdade, as situações de concurso efectivo ideal são negativamente delimitadas pelo concurso aparente de normas, pois neste último caso a uma só conduta corresponde a punição por um só crime contrariamente ao que ocorre com o concurso efectivo ideal; 8) Do ponto de vista da previsão do art.º 30.º do C.Penal é, realmente, decisiva, a questão de saber se estamos perante concurso aparente de normas, o que implicaria aceitar que ao causar a morte ou ofensa de mais que uma pessoa com a mesma conduta, não se estaria a negar por diversas ou de formas diferentes valores jurídico penais autónomos, mas antes perante a negação de valores que substancialmente coincidem, pelo que apenas há que punir o agente por um só crime. Significaria isto que seria punido por um só crime o agente que com uma só bomba pretendesse tirar a vida a várias pessoas. A especial natureza e regime dos bens jurídicos eminentemente pessoais afasta a hipótese de concurso aparente, pois sempre se tem entendido que aqueles bens devem ser considerados como bens autónomos sempre que radiquem em pessoas diferentes. Esta conclusão que é pacífica quanto aos crimes dolosos tem sido rejeitada pelo entendimento jurisprudencial tradicional quanto aos crimes negligentes que aqui nos ocupam. Sem razão, porém, porque também relativamente aos crimes negligentes de homicídio ou de ofensas à integridade física, a especial natureza destes bens jurídicos afasta a hipótese de concurso aparente...

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