Acórdão nº 7748/08.0TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelRAUL ESTEVES
Data da Resolução28 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em Conferência os Juízes do Tribunal da Relação do Porto 1 Relatório Nos autos de processo comum singular nº 7748/08.0TDPRT.P1 que correu os seus termos na Comarca do Porto, Instância Local, secção criminal J7, foi proferida sentença que decidiu:

  1. Absolver o arguido B… do crime de abuso de confiança contra a segurança social que lhe vinha imputado; b) Condenar o arguido C… pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 105º, nºs 1 e 4, e 107º, nºs 1 e 2, do RGIT, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa à razão diária de €12 (doze euros), o que perfaz a quantia de €1.680, fixando-se desde já a prisão subsidiária em 93 dias.

  2. Condenar a sociedade D… pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 105º, nºs 1 e 4, e 107º, nºs 1 e 2 do RGIT, nos termos do art. 7º daquele diploma, dispensando-se a mesma da respectiva pena.

    Não conformado, veio o arguido C…, interpor recurso, alegando para tanto o que consta de fls. 2188 e seguintes e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo nos seguintes termos:

    1. Discordando do acórdão proferido no que procedeu à condenação pela prática, em autoria matéria, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 107º, n.ºs 1 e 2, e 105º n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, submete o arguido à apreciação dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto a bondade do decidido.

      DA AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA B) No que respeita aos elementos constitutivos do crime de abuso de confiança, há a considerar para uma cabal qualificação, quer o elemento objetivo, quer o elemento subjetivo.

    2. Para que se verifique o elemento objetivo, a lei exige que a entidade empregadora tenha feito a dedução do montante das contribuições do valor das remunerações dos trabalhadores e/ou do valor das remunerações dos membros dos órgãos sociais e que não tenha procedido à entrega de tais contribuições às instituições da segurança social.

    3. Exige ainda, como condição de punibilidade, que hajam decorridos 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação e que a prestação tributária comunicada através da respetiva declaração, não seja paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.

    4. Assim sendo, no caso em apreço, para se verificar o elemento objetivo do crime de abuso de confiança, teremos que estar em face a uma situação em que os salários foram efetivamente pagos junto dos trabalhadores da sociedade arguida e por sua vez retida a contribuição respetiva esta não foi entregue nos cofres da segurança social.

    5. Sucede porém que, em nenhum momento resultou, quer das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, quer dos documentos/elementos juntos ao processo pelas partes que os salários respeitantes aos meses de Maio a Outubro de 2007 tivessem sido efetivamente pagos.

    6. Muito pelo contrário, a totalidade das testemunhas arrolados prestaram o seu depoimento afirmando e forma inequívoca que há data dos factos tinham mais de um ano de salários em atraso - em nenhum momento é feita a competente prova do pagamento dos salários referentes aos meses de Maio a Outubro de 2007.

    7. A verdade é que, mesmo que tivessem existido entregas de quantias aos trabalhadores (o que também não ficou provado) no período de Maio a Outubro, a verdade é que as mesmas teriam o fito de proceder ao pagamento de salários respeitantes a períodos anteriores a maio de 2007 - esses valores estariam sob a alçada de outra declaração que não a respeitante aos meses em apreço.

    8. É sempre importante salientar que a necessidade de comprovação do pagamento dos salários e logo assim a verificação da retenção da contribuição compete à acusação - não bastante tal necessidade a verdade é que tal circunstancialismo não se verificou.

    9. Assim sendo, não se pode concluir que esteja verificado o elemento objetivo do crime.

    10. Logo assim, por inexistência da verificação de tal elemento não poderá o arguido ser condenado pela prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social devendo o presente recurso merecer provimento e o arguido ser absolvido da prática de tal crime.

    11. Acresce que, não se verificando o elemento objetivo caímos na impossibilidade de se verificar o elemento subjetivo do crime.

    12. Para que estejamos face a um crime de abuso de confiança é necessário que a atuação do agente seja animada por um dolo genérico, exigindo-se por isso que aquele tenha conhecimento da obrigação da entrega das quantias deduzidas e da antijuricidade da ação, assim como a vontade de não enviar aos competentes serviços o montante deduzido.

    13. Quanto a esta matéria compete afirmar que, tal como foi atestado pelo Recorrente, este tem perfeito conhecimento da totalidade das obrigações inerentes ao cargo que assumiu junto da sociedade arguida - tal facto potenciou a circunstância do Recorrente, ter cumprido de forma escrupulosa com as obrigações que sobre si impendiam.

    14. A verdade é que pontuais incumprimentos no pagamento das contribuições junto do ente Estado eram logo objeto de resolução, quanto mais não fosse através da obtenção de acordo de pagamento junto da entidade creditória - chamamos à colação a adesão ao PEC por parte da sociedade arguida ao tempo liderada pelo aqui Recorrente, sendo que este sempre pugnou pelo pagamento das prestações acordadas.

    15. No que esta matéria concerne, é importante, tal como resulta supra, salientar que apesar de a norma ser o cumprimento das obrigações perante a Segurança Social, reconhece-se que durante os mandatos do Arguido se verificaram, contra a sua vontade, algumas situações pontuais de incumprimento (momentos distintos dos períodos constantes da acusação), por impossibilidade objetiva e involuntária de pagamento (o que levou à celebração de acordos de pagamento que foram cumpridos enquanto se manteve ao “leme” da sociedade arguida).

    16. Os motivos para tais incumprimentos pontuais, deveram-se única e exclusivamente a uma grave e manifesta discriminação operada pelas entidades públicas relativamente ao D1… e a tal D….

    17. Com efeito, Estado e Câmara Municipal … trataram desigualmente a instituição D1… fundador e acionista maioritário da D…, – relativamente a todos os demais clubes, no que concerne aos apoios para a construção dos respetivos estádios para o E….

    18. Fruto dessa desigualdade, o D1… passou a ter fortes dificuldades económico-financeiras, que originaram por sua vez dificuldades à D….

    19. A aludida desigualdade traduz-se na circunstância de que, em dez estádios construídos para o E….

    20. Destes, cinco são Municipais, isto é foram totalmente financiados por dinheiros públicos.

      U)Os restantes cinco são, sem exceção, propriedade de clubes desportivos.

    21. Destes, um, o do F…, foi integralmente pago pela Câmara Municipal respetiva, logo, também foi integralmente pago por dinheiros públicos.

    22. Nos restantes, pertencentes ao G…, H… e I… houve fortíssimos apoios camarários, computando-se nos seguintes valores: • G… – 94.213.729,85 € • I… – 88.379.146,00 € • H… – 79.285.989,55 € X) Tal situação, originou as dificuldades económicas já aludidas, e a consequente impossibilidade de cumprimento atempado das várias obrigações assumidas.

    23. Face a tais desigualdades de tratamento, o D1… foi constrangido a suportar fortes encargos na construção do seu estádio para o E…, tendo sido obrigado a contrair financiamentos junto da banca, o que originou pesados encargos prestacionais.

    24. O principal de tais financiamentos, no valor de quinze milhões de euros, foi obtido pelo D1… junto de um consórcio bancário liderado pelo J…, que exigiu para a sua concretização e operacionalidade que a D…, utilizadora do estádio e como tal parte interessada no financiamento, também prestasse garantias no referido mútuo, tendo como tal esta ficado obrigada a dar como garantia de cumprimento pelo D1… parte substancial das receitas do seu contrato de transmissões televisivas com a K….

      A

    25. Assim sendo, ficou a D…, de um momento para o outro, e em consequência de uma grave descriminação ao D1… pelas entidades públicas nacionais, privada de receitas anuais de cerca de 2,5 milhões de euros, o que evidentemente lhe originou grandes dificuldades económicas, e resultou em alguns incumprimentos pontuais de obrigações perante a Segurança Social, contra a vontade dos seus responsáveis.

      AB) Porém, não obstante a existência de assinaláveis dificuldades, diga-se aliás que, os pontuais atrasos no pagamento da Segurança Social sempre foram objeto de acordos de pagamento prestacional, que foram escrupulosamente cumpridos enquanto o Arguido se manteve em funções na D… – como foi o caso de um PEC assinado com a DGI e SS, cujas prestações mensais a ambas as entidades foram pagas, sem exceção, durante o seu mandato.

      AC) Ainda no que respeita ao cumprimento das obrigações por parte da D…, é ainda importante salientar que, o Arguido por diversas vezes disponibilizou meios pessoais para fazer face às dificuldades daquela entidade.

      AD) Idem para avais pessoais que, em conjunto com sua mulher, prestou a entidades financeiras (O…, P…, outros) para obtenção de crédito por parte da D…, sem o qual esta não teria provavelmente subsistido, e devido aos quais ainda hoje suporta pesados encargos.

      AE) Ainda, no que a esta matéria respeita é importante salientar que não era o Recorrente que cuidava de dar a indicação para o pagamento dos valores que deveriam ser efetuados junto da Segurança Social.

      AF) Tal como decorreu do depoimento prestado pelo Dr. L… (à data Diretor Financeiro da D…), era este que procedia a tais pagamentos - O depoimento da testemunha em apreço (suportada pelo alegado pelo Recorrente), explicou de forma clara e...

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