Acórdão nº 206/14.5T8VLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução28 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 206/14.5T8VLG.P1 4.ª Secção Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:II1. B…, intentou a presente acção com processo comum no Tribunal Judicial da Comarca do Porto — Instância Central — Secção do Trabalho, Valongo, contra o Município …, peticionando a condenação do R. a pagar à A.: A) A quantia de 2.008,90 € (dois mil e oito euros e noventa cêntimos) a título de remanescente em falta na compensação pela cessação do contrato de trabalho a termo resolutivo certo; B) A quantia de 174,38 € (cento e setenta e quatro euros e trinta e oito cêntimos), relativos ao vencimento do mês de Janeiro de 2014 que não foi processado na totalidade.

Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que no dia 6 de Outubro de 2005 celebrou com a Ré um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de um ano, para desempenhar as funções correspondentes à categoria de “Auxiliar de Serviços Gerais”; que esse contrato foi sendo sucessivamente renovado por despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal …; que em 13 de Julho de 2006 foi novamente contratada pela Ré, também mediante a celebração de um contrato a termo resolutivo pelo prazo de um ano, agora para exercer as funções de “Vigilante de Jardins e Parques Infantis”, o qual também foi renovado por despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal …; que em 16 de Janeiro de 2008, celebrou novo contrato a termo resolutivo, agora para exercer as funções de “Auxiliar de Serviços Gerais”, contrato que foi também sucessivamente renovado, ficando a constar da renovação efectuada no dia 21 de Dezembro de 2010 que seria por um período de 3 anos; que a A. desempenhou as suas funções de limpeza de casa de banho ininterruptamente desde Outubro de 2005 até Janeiro de 2014 e que este contrato cessou, tendo a R. liquidado a indemnização de € 5.209,90, quando a que lhe assistia era de € 3.201,00, estando em dívida a quantia de € 2.008,90, bem como de € 174,38 relativa ao mês de Janeiro de 2014 que a Ré não processou na totalidade.

Realizada a audiência de partes, o R. apresentou contestação em que excepcionou a incompetência do Tribunal em razão da matéria alegando, em síntese, estarmos perante um contrato de trabalho em funções públicas e que são os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal os competentes para apreciar os litígios das relações de emprego público, como é o caso dos autos. Impugnou ainda a factualidade alegada pela A., concluindo que lhe pagou tudo o que era devido. Concluiu defendendo que deve ser absolvido da instância por incompetência absoluta do tribunal, ou, se assim não se entender, deve a presente acção ser julgada improcedente por não provada e, em consequência disso, deve ser absolvido de todos os pedidos formulados.

A Autora apresentou resposta na qual pugna pela improcedência da excepção invocada pela Ré, alegando que, como resulta dos contratos de trabalho celebrados com o R., os mesmos não conferem à Autora a qualidade de funcionária pública.

Foi em 2015.01.27 proferido despacho saneador em que se julgou procedente a excepção da incompetência material deduzida pela R. e absolvida esta da instância.

  1. A A., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: “1: A relação jurídica entre Autora e Ré é privada; 2: Porque o contrato de trabalho, expressamente retira a qualidade de funcionária pública à Autora; 3: Porque desconta para a Segurança Social como uma trabalhadora privada - trabalhadora por conta de outrem; 4: E ainda porque no recibo de vencimento da Autora são efetuados descontos à taxa social única de 11 %, própria dos trabalhadores privados; 5: Pelo que, dúvidas não subsistem de que a natureza jurídica da relação laboral é privada; 6: Sendo competente para apreciar o processo intentado pela Autora o Tribunal de Trabalho e não o Tribunal Administrativo e Fiscal, como decidiu o M. Juiz.

    7: Devendo ser declarado competente o Tribunal de Trabalho de Valongo, e prosseguindo os autos para julgamento, assim se fazendo inteira JUSTIÇA.” 3.

    O R. apresentou contra-alegações, nas quais concluiu que: “1. O contrato de trabalho em causa na presente lide, é um contrato de trabalho em funções públicas, uma vez que foi renovado nos termos do Art. 14º da Lei 59/2008; 2. Para a resolução dos conflitos emergentes de um contrato individual de trabalho seja da competência dos tribunais comuns, mesmo que uma parte seja uma pessoa colectiva de direito publico, é sempre da competência do tribunal administrativo quando o contrato em causa seja contrato de trabalho em funções publicas, onde se insere a presente lide.

  2. Por outro lado o art. 83º da lei 12-A/2008 estabelece que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são competentes para apreciar os litígios das relações de emprego público”.

  3. Havendo assim uma incompetência absoluta do tribunal de trabalho para conhecer a presente lide.

  4. Pelo que deve manter-se a decisão em causa.” O recurso foi admitido por despacho documentado a fls. 94.

    *4.

    Recebidos os autos nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer em que se pronunciou no sentido de ser negado provimento ao recurso atenta a competência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais para apreciar e decidir a presente acção, nos termos do artigo 83.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, uma vez que o contrato de trabalho celebrado entre A. e R. se converteu em contrato de trabalho em funções públicas e os pedidos formulados pela A. se referem a período posterior à conversão dos contratos.

    Notificadas as partes, nenhuma delas se pronunciou sobre tal Parecer.

    Foi determinada a descida dos autos a fim de ser emitido despacho a fixar o valor da causa, veio este a ser prolatado na 1.ª instância (fls. 109), fixando-se à acção o valor de € 2.138,28.

    *5.

    Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.

    *6.

    A decisão sob censura é susceptível de recurso, a despeito de o valor da acção ser inferior à alçada do tribunal da 1.ª instância (artigo 44.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), uma vez que nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso “[c]om fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado” , como bem observou a recorrente.

    *7.

    Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão essencial que se coloca à apreciação deste tribunal prende-se com saber qual é o tribunal com competência em razão da matéria para conhecer dos pedidos formulados pela Autora ora recorrente.

    *8.

    Com interesse para a decisão desta questão, é suficiente a factualidade que emerge do relatório antecedente.

    *9.

    Cabe enfrentar, desde já, a questão da competência material.

    *9.1.

    Sobre idêntica questão foi proferido o Acórdão da Relação do Porto de 03 de Novembro de 2014, Processo n.º 45/14.3TTLMG.P1, relatado pela ora relatora e igualmente subscrito pelo ora primeiro adjunto, pelo que se seguirá no essencial o que em tal aresto foi dito[1].

    Como refere Manuel de Andrade, a competência dos tribunais em geral resulta da medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais, do modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais[2].

    Quanto aos tribunais judiciais, estabelece o art. 40º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ)[3], que “[o]s tribunais judiciais têm competência para...

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