Acórdão nº 858/13.3TTPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução26 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACÓRDÃO PROCESSO Nº 858/13.3TTPRT.P1 RG 435 RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS 1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA 2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO PARTES: RECORRENTE: B…, S.A.

RECORRIDO: C… VALOR DA ACÇÃO: 8.033,25 €◊◊◊Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:◊◊◊I – RELATÓRIO 1. C…, residente na …, n.º .., ..º esquerdo, …, intentou a presente acção declarativa, com processo comum contra “B…, S.A.”, com sede na Rua …, n.º .., Lisboa, pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 8.033,85 a título de créditos laborais acrescida dos juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, e em síntese, que foi admitido pela empresa D… no dia 2 de Fevereiro de 1980 com a categoria de Encarregado Geral, tendo sido colocado a trabalhar no E…, com o horário semanal de 40 horas, das 22h00 às 06h00, de segunda a sexta, tendo como dias de descanso semanal, o sábado e o domingo; foi sendo transferido pelas empresas adjudicatárias dos serviços e foi trabalhador da Ré no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2008 e 30 de Junho de 2012; por ordem da Ré integrou a “equipa dos fins-de-semana”, tendo trabalhado todos os sábados, domingos e feriados, cumprindo o horário das 19 horas às 24 horas, mas não recebeu o acréscimo remuneratório nem gozou descanso nos três dias subsequentes.

◊◊◊2.

Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.

◊◊◊3. A Ré apresentou contestação, onde alegou, em resumo, que o Autor recebeu, desde a sua admissão, um prémio destinado a pagar as horas efectuadas em fins-de-semana e feriados; face a esta situação, transmitiu aos trabalhadores que deixariam de trabalhar aos fins-de-semana e de receber o referido prémio mas não foi por estes aceite, apoiados pelo Sindicato e ACT. Mais tarde, a situação alterou-se.

O Autor deve ser condenado como litigante de má-fé.

◊◊◊4.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador no qual se verificou a regularidade da instância e se dispensou a fixação da matéria de facto provada e não provada.

◊◊◊5.

Iniciada a audiência de discussão e julgamento ambas as partes requereram que lhes fosse concedido o prazo de oito dias, para remeterem o acordo sobre a matéria de facto, o que fizeram.

◊◊◊6.

Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo: “Pelo exposto, decide-se julgar totalmente procedente a presente acção, e em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 8.033,85 acrescida dos juros legais calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Custas pela Ré.

Notifique e registe.”◊◊◊7.

Inconformada com esta decisão, dela recorre a Ré, peticionando a sua revogação e a substituição por outra, tendo formulado as seguintes conclusões: 1 – No âmbito do presente processo, o A. vem reclamar o pagamento de verbas referentes à prestação de trabalho suplementar (acréscimos e descansos compensatórios).

2 – O A. labora nas instalações do E…, sitas na …, desde 1980.

3 – Entre 1980 e 2008 o A. laborou para diversas empresas que, sucessivamente, detiveram a empreitada de prestação de serviços de limpeza, do citado cliente.

4 – Em 01 de janeiro de 2008, o A. ingressou nos quadros da recorrente.

5 – O A., desde 1980, presta trabalho suplementar aos fins de semana e feriados e recebe um prémio por tal facto.

6 – A duração do trabalho suplementar e o montante desse prémio foram acordados entre o A. e os seus anteriores empregadores.

7 – Quando a recorrente assumiu a empreitada em questão, transmitiu ao A. e aos demais colegas que não poderiam continuar a prestar trabalho suplementar aos fins de semana e feriados.

8 – Os trabalhadores abrangidos por esta medida, entre os quais os A., insurgiram-se contra a mesma.

9 – O A. nunca solicitou à R. qualquer dia de descanso.

10 – Face à posição assumida pelo A., este continuou a praticar trabalho suplementar, mediante o pagamento de um prémio mensal.

11 – A recorrente não teve qualquer intervenção na celebração do acordo em causa nos presentes autos.

12 – Tendo-se limitado a manter, temporariamente, uma prática instituída há mais de 20 anos, por pressão do A. e com o argumento de que devia proceder desta forma, tendo em conta o disposto na cláusula 17ª do CCT aplicável.

13 – A recorrente não impôs ao A. a prática de qualquer trabalho suplementar (aliás a recorrente até queria suprimir essa prática), nem exerceu qualquer pressão ou ascendente sobre o A., nesse sentido; muito pelo contrário, foi o A. quem sempre pugnou pela manutenção desta prática.

14 – O A. nunca se mostrou desconfortável com a mesma.

15 – A recorrente ficou convicta que o A. tinha interesse e vantagens em prestar trabalho suplementar, nos mesmos moldes que vinham prestando, há mais de duas décadas.

16 – O A. não demandou judicialmente os seus anteriores empregadores, com base em factos semelhantes aos que se discutem no presente processo.

17 – A recorrente só conseguiu suprimir, pacificamente, a prática de trabalho suplementar após intervenção da ACT.

18 – O trabalho suplementar em questão não foi determinado pela recorrente.

19 - A recorrente não teve qualquer benefício em resultado da prática do trabalho suplementar prestado pelo A.

20 - A recorrente teria um benefício financeiro se contratasse trabalhadores para laborar, especificamente, aos fins de semana e feriados.

21 – Era mais dispendioso para a recorrente pagar os prémios ao A. e demais colegas, do que remunerar os trabalhadores contratados nos termos referidos no ponto anterior.

22 – O art. 476º do Código do Trabalho estatui que as disposições das convenções coletivas apenas podem ser afastadas por contrato de trabalho que disponha em sentido mais favorável.

23 – Como é entendimento doutrinário pacífico, o que seja “mais favorável ao trabalhador”, tem de ser aferido com base nas circunstâncias do caso concreto e de acordo com a opinião do trabalhador, tendo presente o seu interesse individual.

24 – Não é admissível que terceiros possam sindicar o que é mais favorável para o trabalhador.

25 - Tendo em conta a postura do A., nomeadamente o facto de se ter insurgido contra a recorrente quando esta decidiu suprimir a prática de trabalho suplementar, é forçoso concluir que o A. considerava que este regime lhe era mais favorável.

26 – Só assim se entende que sempre tenha pugnado pela sua manutenção.

27 - A conduta do A., ao longo dos anos, criou na recorrente a expectativa de que o mesmo desejava laborar nestes regime, nas mesmas condições que laborava para o anterior empregador.

28 – Caso assim não fosse a recorrente teria suprimido, de imediato, a prática do trabalho suplementar, tal como era, aliás, o seu intento.

29 – Nos termos do disposto no art. 334º do Código Civil: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” 30 - No caso concreto, o A., ao recorrer à via judicial, agiu com abuso de direito.

31 - Tendo em conta a factualidade provada, a conduta do A. é suscetível de gerar na recorrente uma convicção sólida quanto ao seu desejo de manutenção do acordo, quanto ao facto de estar confortável como mesmo e quanto à circunstância de considerar que este era favorável aos seus interesses.

32 - A conduta do A. trai, objetivamente, o “investimento de confiança” feito pela recorrente.

33 - Os factos demonstram que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça; a qual se agrava pela circunstância do A. apenas ter vindo reclamar estes créditos da recorrente (e não dos demais empregadores) e numa altura em que a prática do trabalho suplementar já tinha suprimida (aliás o A. só veio reclamar estar verbas quase um ano depois do contrato de trabalho com a recorrente ter cessado).

34 – O Tribunal a quo ao não considerar todos estes factos e reconduzir a questão controvertida, unicamente, à apreciação da validade do acordo, andou mal.

35 – A douta sentença em crise viola, entre outros, os art. 476º do Código do Trabalho e 334º do Códido do Processo Civil.

◊◊◊8.

O Autor apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido, assim concluindo: 1 – Está assente que o Autor trabalhou nos dias feriados e nos fins-de-semana que alegou.

2 – Está assente que esse trabalho foi prestado fora do seu horário de trabalho.

3 – De acordo com o artigo 226º do C.T. o trabalho em causa tem de ser julgado suplementar.

4 – E de acordo com a cláusula 27º do CCT aplicável o referido trabalho terá que ser pago com um acréscimo de retribuição de 100% sobre a retribuição mensal e dá direito ao Autor a descansar num dos três dias seguintes.

5 – Está provado que o Autor deduziu nas quantias peticionadas a título de trabalho suplementar o valor dos “prémios” que a esse título a R. lhe pagou.

6 – Está provado que o Autor quis trabalhar nos dias feriados e nos fins-de-semana mas não está provado que não quisesse receber quantia superior àquela que recebia e que não quisesse descansar após a prestação desse trabalho nos termos do C.T. e do CCTV aplicável.

7 – Não está igualmente provado que o Autor tenha acordado com a R. que o valor que recebia a título de “prémios” para pagar o trabalho suplementar era o valor correcto.

8 – Mas mesmo que o tivesse feito, o acordo em causa era nulo por ter violado o disposto no CCTV aplicável e por ser mais desfavorável (artigo 476º do C.T.) (tese essa consagrada no douto acórdão do STJ de 17.12.2009 (in www.dgsi.pt).

9 – A nulidade desse acordo obrigaria o Autor a restituir o prestado pela R. a título de prémios por pagamento do trabalho suplementar (art. 229º do C.C.).

10 – O que o Autor fez deduzindo o valor dos ditos prémios nas quantias que peticionou a título de trabalho suplementar.

11 – Ao fazê-lo o Autor agiu com boa-fé.

12 – E não agiu com abuso de direito ao peticionar as respectivas diferenças salariais pois não acordou com a R. receber menos do que por lei teria...

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