Acórdão nº 1271/12.5TJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelRITA ROMEIRA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo: 1271/12.5TJPRT.P1 Recorrente: B…, S.A.

Recorrida: C…, Ld.ª Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO A A., C…, Ld.ª com sede na …, nº …, ….-… … intentou, acção declarativa – DL 108/2006 -, contra o R., B…, S.A. com sede na …, nº .., ….-…, onde pede que a mesma seja julgada procedente e, em virtude disso, declarada ilícita a recusa da Ré no pagamento dos cheques com base na instrução de revogação dada pelo sacador e, em consequência, condená-la a pagar-lhe: a) a quantia de € 4.662,08 referente ao valor titulado pelos cheques revogados; b) a quantia de € 280,80 referente às despesas suportadas por esta com as devoluções dos cheques; c) juros moratórios legais à taxa de 4%, sendo os já vencidos no valor de € 142,57.

Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que efectuou vários fornecimentos de produtos do seu comércio à D…, Lda, no valor total de € 4.662,08 tendo para pagamento de parte do preço devido, o gerente da sociedade compradora entregue à A., treze cheques, todos sacados por E… sobre a conta nº ……….. constituída no Banco Réu.

Mais, alega que apresentados a pagamento nos oito dias posteriores à data da respectiva emissão, os cheques foram todos devolvidos na compensação com a indicação de cheque revogado – falta/vício na formação da vontade, tendo a Ré, enquanto entidade sacada, recusado o pagamento dos cheques, com fundamento em ordem de revogação por parte do sacador.

Alega, ainda, que por força da actuação conjunta da Ré com o sacador, deixou de receber os valores inscritos em cada um dos cheques, vendo-se privada desses valores, sofrendo um dano correspondente ao montante do valor dos cheques que deixou de receber pelos bens que transmitiu para terceiro.

Por fim, alega que suportou despesas com a devolução dos cheques que depositou no F… e no G… que ascendem ao montante de, respectivamente de € 20,80 e € 26,00, para cada cheque, no valor total de € 280,80.

Citada a Ré, contestou nos termos que constam a fls. 52 e ss. e deduziu incidente de Intervenção Provocada Acessória de E…, requerendo a sua citação para contestar, querendo, invocando o direito de regresso contra o mesmo sacador dos cheques para o efeito de este lhe restituir aquilo que porventura venha a ter de pagar à A..

Aceita que recusou a apresentação a pagamento dos cheques que foi feita dentro do prazo de oito dias subsequentes à data que neles consta como data de emissão e que os devolveu.

Alega que o fez porque o sacador lhe comunicou que os revogava dando ordens para não serem pagos, assinando dois documentos onde fez constar que pretendia revogar os cheques por os ter emitido sob coacção física, tendo o Banco confiado na veracidade desse fundamento e, por isso, no cumprimento das instruções transmitidas, não apresentou os cheques a pagamento, devolvendo-os com aposição no verso dos dizeres que dele constam.

Mais, alega que cumpriu o contrato de mandato que está subjacente à emissão de um cheque, pelo que, ainda, que se entendesse que estava obrigado a não acatar a ordem de revogação dos cheques, a sua responsabilidade nunca teria a medida do montante titulado no cheque.

Termina que a acção deve ser julgada improcedente, absolvendo-se o Banco do pedido.

A fls. 94 foi proferido despacho a deferir o chamamento de E…, como interveniente acessório, o qual citado, apresentou contestação nos termos que constam a fls. 98 e ss., alegando que nunca teve relações comerciais com a A. e desconhecer a mesma.

Mais, alega que os cheques foram utilizados pelo seu pai, sem o seu consentimento, que na posse dos cheques, de forma coactiva impôs que o mesmo os assinasse, sem lhe referir a que se destinavam, originando o seu cancelamento, devido à falta de vontade na declaração e desconhecer a relação subjacente.

Conclui que devem ser julgados improcedentes os factos alegados pela A. e, em consequência, o Chamado absolvido do pedido de indemnização que a R. pretende ver ressarcida no caso de ser responsável pelo cumprimento da obrigação.

A autora veio responder, nos termos que constam a fls. 107 e ss., impugna os documentos juntos pelo Réu como “Doc. 1 e 2” quanto à autenticidade do seu teor e autoria e quanto à contestação do chamado, alega que este conhecia as transacções comerciais que levaram à subscrição dos cheques, porque trabalhava com o pai que geria a sociedade que mantinha as relações comerciais com a Autora.

Conclui pela improcedência das excepções sob resposta e reitera o alegado na petição inicial.

Proferido saneador tabelar em 26.02.2013 e fixado o valor da acção: o da petição inicial, foi designado o julgamento e, no final da audiência, conclusos os autos para o efeito foi proferida sentença, em 20.05.2014, que terminou com o seguinte: “– Dispositivo Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, e em consequência condeno o R. B…, S.A. a pagar à A. C…, Ld.ª a quantia de 4.708,88 € (quatro mil setecentos e oito euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação à taxa de 4% até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

Custas na proporção do vencimento.”.

Inconformada com a decisão a R., B…, SA, interpôs recurso, nos termos que constam a fls. 151 e ss., cujas alegações terminou com as seguintes CONCLUSÕES: 1ª) Os presentes autos têm como causa de pedir uma eventual responsabilidade civil extra-contratual do B… por ter recusado o pagamento de treze cheques à sua beneficiária, a Autora, na sequência do acatamento de uma ordem de revogação desses mesmos cheques transmitida pelo sacador com fundamento em vício na formação da vontade; 2ª) O presente recurso tem por objecto a impugnação dos pontos 4, 5 e 8 dos “Factos provados”, assim como e independentemente do mérito daquela impugnação, a reapreciação da decisão de direito proferida na sentença recorrida por o Recorrente estar resolutamente convencido que não estão preenchidos no caso dos autos os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual; 3ª) O Tribunal a quo deu como provados os factos vertidos nos pontos 4, 5 e 8 da sentença, com base única e simplesmente na declaração de parte da sócia gerente da Autora à data dos factos, H…, depoimento este totalmente evasivo, incoerente e bem demonstrativo do interesse que a depoente tinha no desfecho destes autos, sendo um cabal exemplo disso o acolhimento da depoente em expressões como “naturalmente” para afirmar que determinado facto ocorreu....

4ª) Não deveria, assim, o Tribunal a quo ter considerado provados aqueles factos com base nas declarações de H… prestadas no audiência do dia 17 de Outubro de 2013, às 10:32:16 até às 10:45:59, impondo-se que os mesmos sejam tidos como não provados. Concretizando, 5ª) No que respeita ao facto do ponto 4º “Fornecimentos de mercadorias que a Autora vendeu e entregou àquela sociedade, que as comprou, e importaram no valor total de € 4.662,08”, das declarações da depoente (min. 02:42 a 03:00), ficou bem claro que esta nada sabia quanto ao suposto negócio que esteve na base da emissão dos cheques, nem tao pouco se as mercadorias foram entregues contra a entrega dos cheques; 6ª) Quanto ao facto do ponto 5º “Para pagamento de parte do preço devido pelo fornecimento desses bens, o gerente da sociedade compradora preencheu, treze cheques, que entregou à Autora, todos sacados por E… sobre a conta n.º ……….. constituída no Banco Réu”, das declarações da depoente (min. 05:00 a min. 05:58) resultou que a mesma não conseguiu atestar o nexo de causalidade entre um qualquer negócio e os treze cheques que em concreto estão em causa nestes autos, não existindo qualquer factura nos autos. Finalmente, 7ª) Relativamente ao facto do ponto 8º “A Autora ficou privada dos valores inscritos em cada cheque que disse, se destinavam ao pagamento do preço de bens que a Autora vendeu e entregou à D…, Ld.ª no valor de 4.662,08 (quatro mil, seiscentos e sessenta e dois euros e oito cêntimos)”, o mesmo não poderia ter sido dado como provado desde logo porque a depoente afirmou que quem teria conhecimento directo sobre esse facto seria o seu marido, que não depôs nos autos (min. 03:20 a min. 04:26) e nenhum documento foi junto que pudesse corroborar a versão da Autora; 8ª) Devem, assim, estes factos que respeitam ao pressuposto do dano de que depende a responsabilidade extra-contratual serem tidos como não provados e, nessa sequência, ser o Banco absolvido totalmente do pedido. Sem prescindir, 9ª) Independentemente do mérito da impugnação da matéria de facto, a verdade é que o Tribunal a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito uma vez que a conduta do Banco ao recusar o pagamento dos cheques, dentro do prazo legal da sua apresentação, em virtude do acatamento de uma ordem de revogação transmitida pelo sacador com fundamento em vicio na formação da vontade, não foi ilícita, nem culposa nem tão pouco se verifica qualquer nexo de causalidade; 10ª) É o próprio Ac. Uniformizador 4/2008 que exclui expressamente do seu âmbito de aplicação as ordens de revogação fundadas em justa causa e, excluindo-as, considera estas ordens legítimas, fazendo apelo ao disposto no artigo 8º do Decreto-Lei nº 454/91 e, bem assim, no Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária: dúvidas não, assim, são cabidas que, num caso como o dos autos, ressalvadas as situações em que actue de má fé ou ultrapasse os limites enunciados no artigo 334º do Código Civil, o banco sacado não pratica qualquer facto ilícito; 11ª) Agindo em conformidade com as boas praticas que lhe são indicadas no citado Regulamento do Banco de Portugal, a conduta do Banco não pode ser objecto de um juízo de reprovação e de censura, concluindo-se assim pela ausência de uma conduta culposa: foi neste sentido que decidiu, já após ter sido tirado o AUJ 4/2008, o Supremo Tribunal de Justiça no seu aresto de 29.04.2008; Por fim, 12ª) Não existe nexo de causalidade entre a conduta do Banco e o facto de a Autora ter ficado privada dos valores inscritos nos cheques, tendo a jurisprudência...

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