Acórdão nº 449/14.1TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução08 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 449/14.1TBMAI.P1 [Comarca do Porto – Instância Central da Póvoa do Varzim] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.

B… e C…, casados, contribuintes n.º ……… e ………, respectivamente, residentes em …, Maia, instauraram na então Comarca da Maia, acção judicial contra D…, casado, contribuinte n.º ………, residente em …, Santo Tirso, e E…, casado, contribuinte n.º ………, residente em …, Valongo, formulando os seguintes pedidos: a) Ser reconhecido que na data da liquidação e encerramento da sociedade vendedora da fracção, os réus tinham perfeito conhecimento dos direitos dos autores, tendo mesmo assim procedido à liquidação e encerramento da sociedade; b) Que nos termos do estatuído no nº 1 do artigo 78º do CSC os réus, face à sua actuação, são responsáveis pelos prejuízos causados a credores da extinta sociedade, ou seja aos aqui autores; c) Face a tal responsabilidade devem os réus ser condenados a reparar e eliminar na totalidade os defeitos de construção existentes na habitação sita na Rua … n.º .. na freguesia …, concelho da Maia; b) Devem ainda os réus ser condenados no pagamento de uma indemnização, relativa aos danos morais sofridos pelos autores em quantia nunca inferior a €40.000,00.

Para o efeito, alegaram que em 28.03.2008 compraram à sociedade por quotas F…, Lda., pessoa colectiva nº ………, um prédio urbano para habitação, construído por aquela sociedade da qual os réus foram sócios. Sucede que esse imóvel veio a apresentar diversos defeitos de construção que os autores denunciaram aos réus, os quais, inclusivamente, procederam a algumas reparações. Em 23.01.2013, através de carta registada, os autores comunicaram os defeitos do imóvel, tendo o réu D… reconhecido os defeitos e apresentado uma proposta de pagamento de uma verba que os autores não aceitaram por ser muito inferior ao necessário para reparar os defeitos. Os autores vieram entretanto a descobrir que em 25.07.2011, no período de garantia do imóvel, através de Assembleia-geral convocada para o efeito, os réus deliberaram a dissolução e encerramento da sociedade construtora, a qual se encontra encerrada, liquidada e com a matrícula cancelada desde 26.07.2011. Os réus sabiam da existência de defeitos no imóvel e que estava a decorrer o prazo de garantia e actuaram dolosamente ao deliberarem a dissolução e encerramento da sociedade, pelo que respondem perante os autores nos termos do art. 78º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais.

A acção foi contestada pelos réus que batalham pela improcedência total do pedido, impugnando parte dos factos alegando e excepcionando que quando foi dissolvida a sociedade não possuía qualquer activo pelo que os sócios não respondem pelo passivo social quando nem sequer foi alegado que os réus tivessem recebido algum património da sociedade aquando da respectiva liquidação, sendo certo que os autores não concretizam em que consistiu a alegada conduta dolosa dos réus e que a dissolução da sociedade é um acto lícito; que o direito dos autores caducou por falta de denúncia dos defeitos no prazo legal, porque em relação a um dos réus a denúncia nunca foi feita e porque, de todo o modo, entre a alegada denúncia e a instauração da acção decorreram mais de 6 meses.

Na audiência prévia, não tendo obtido a conciliação das partes, o Mmo. Juiz a quo conheceu de imediato do mérito, julgando a acção improcedente e absolvendo os réus do pedido.

Do assim decidido, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: (…) XIII. (…) a liquidação da sociedade só ocorreu face à omissão das obrigações que a Sociedade detinha perante os Autores.

  1. Tendo os Réus, na qualidade de gerentes da sociedade liquidada, quer antes quer depois da liquidação, inclusive a responsabilidade em reparar os defeitos de construção que conheciam, reconheceram e assumiram.

  2. Os Réus ao afirmarem que a sociedade não tinha activo nem passivo, não procederam à liquidação da sociedade segundo os parâmetros legais, ou seja falsearam a verdade dos factos, pois que bem sabiam que a sociedade tinha obrigações a cumprir - proceder às reparações dos defeitos de construção existentes na moradia vendida aos AA., ou seja, actuaram dolosamente quando disseram que a sociedade não tinha activo nem passivo, bem sabendo que tal não correspondia à verdade, motivo pelo qual os mesmos assumiram a responsabilidade pessoal nas obrigações da sociedade liquidada; XVI. Salvo o devido respeito não compete aos Autores fazer prova da existência da partilha de património da sociedade dissolvida, porque não a houve, são sim os Réus que têm de provar que actuaram diligentemente quer na dissolução quer na liquidação da sociedade, o que efectivamente não fizeram; XVII. A liquidação da sociedade foi efectuada em Julho de 2011; XVIII. Porém os responsáveis legais, aqui Réus em 23 de Janeiro de 2013, na qualidade de gerentes da sociedade, acusaram a recepção da denúncia dos defeitos de obras, reconhecem-nos e inclusive apresentaram uma proposta de pagamento da reparações dos mesmos; XIX. Os Réus desde sempre que tiveram conhecimento dos defeitos tendo inclusive procedido a pontuais reparações, que não eliminaram os defeitos existentes; XX. Encerrando e liquidando a empresa, tendo pendentes a reparação e eliminação dos defeitos os Réus agem com dolo, pela inobservância culposa das disposições contratuais destinadas à protecção dos Autores e consequentemente assumem os mesmos tal responsabilidade – vide art. 78º do CSC; XXI. A dissolução e liquidação da sociedade não afasta a responsabilidade dos sócios perante as obrigações existentes e pendentes à data da liquidação; XXII. Preceitua o art. 78º. e 79º. do CSC e o art. 1020º do C.C, os sócios são responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos e pelo cumprimento das obrigações como não tivesse existido dissolução; XXIII. Assim e salvo o devido respeito não pode o pedido improceder face á fundamentação invocada pelo Tribunal “ a quo”; XXIV. Atendendo a que os Réus dissolveram e liquidaram a sociedade, declarando a inexistência de ativo e passivo, bem sabendo que tal não correspondia à verdade, por força do estatuído nos artigos 78º. e 79º. do C.S.C. e 1020 do C.C., agiram dolosamente e consequentemente assumiram eles mesmos a obrigação que a Sociedade detinha perante os Autores.

  3. A decisão do Tribunal “a quo”, deveria ter sido diversa.

  4. Estando a Sociedade Outorgante, dissolvida e liquidada, e perante a actuação dolosa dos Réus enquanto Gerentes, quer na dissolução quer na liquidação da Sociedade, impõe-se o prosseguimento dos autos para apurar responsabilidades dos mesmos perante os AA.; XXVII. Os elementos dos autos, permitem-nos concluir que existiu um erro do Mmo. Juiz do Tribunal “ a quo”; XXVIII. Motivo pelo qual deve a sentença recorrida ser revogada e em sua substituição proferida outra que ordene o prosseguimento dos autos para julgamento.

  5. Improcedendo as exceções alegadas.

  6. Dúvidas não restam que face à actuação a todos os títulos dolosa dos Réus, a Decisão absolver os mesmos, do pedido de condenação como responsáveis pelos actos/obrigações da Sociedade anteriores à sua Liquidação, está em contradição com os supra citados preceitos legais, nomeadamente os arts. 78º, 79º e 158º, ambos do CSC e 102 do C.C..

Os recorridos responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Devidamente interpretadas as conclusões das alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver a seguinte questão: por terem deliberado a dissolução e procedido de imediato à liquidação da sociedade de que eram sócios, declarando então que a mesma não tinha activo nem passivo, os réus são responsáveis pelas dívidas da sociedade cuja existência os réus afinal conheciam.

III.

A 1.ª instância julgou já provados, por acordo das partes e documentos, os seguintes factos: 1- Os réus foram sócios da sociedade por quotas designada por F…, Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede na Rua …, n.º …, Valongo.

2- A empresa supra mencionada da qual os réus eram sócios procedeu à construção e venda de um prédio urbano destinado à habitação composto por cave, rés do chão e andar, tipologia T3, sito na Rua …, n.º .., na freguesia …, concelho da Maia.

3- O referido prédio está inscrito desde o ano de 2008, na respectiva matriz sob o artigo 8034.

4- Os autores compraram à empresa dos réus através de escritura pública outorgada a 28 de Março de 2008, no Cartório Notarial de G…, a descrita habitação pelo preço de €245.000,00 (duzentos e quarenta cinco mil euros).

5- O 1ª réu compareceu e outorgou a referida escritura pública na qualidade de sócio gerente da supra mencionada empresa.

6- Em 25 de Julho de 2011, os réus através de Assembleia-geral convocada para o efeito, deliberaram pela dissolução e encerramento da empresa construtora.

7- Tal empresa encontra-se encerrada e liquidada, com cancelamento de matrícula desde 26.07.2011.

Além destes estão ainda provados, por documento, os seguintes factos que relevam para a decisão a proferir: 8- A gerência da sociedade estava atribuída ao sócio e aqui réu D….

9- Na acta da Assembleia-geral referida em 6 consta que estavam presentes os dois sócios representativos da totalidade do capital social da sociedade, os quais manifestaram “a vontade que a Assembleia se constituísse e deliberasse sobre a seguinte ordem de trabalhos: Ponto 1: Dissolução da sociedade; Ponto 2: Aprovação das contas e do balanço do exercício final, reportados à data de dissolução, com declaração de liquidação simultânea da sociedade, por inexistência de activo e passivo.

Entrando no Ponto 1 da ordem de trabalhos, o sócio-gerente D…, pediu a palavra e informou a assembleia que, deve a sociedade ser dissolvida, visto já não ter viabilidade económica, face aos sucessivos prejuízos anuais apresentados e à forte...

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