Acórdão nº 110/10.6TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAM
Data da Resolução27 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 110/10.6TVPRT.P1 Da 3.ª Vara Cível do Porto, onde deu entrada em 6/2/2010.

Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró*Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B…, residente na Rua …, n.º …, …, Vila Nova de Gaia, instaurou a presente acção declarativa com processo ordinário contra C… e mulher D…, residentes na Rua …, n.º .., ..º andar Esquerdo, Porto, pedindo que os réus sejam condenados: a) a ver declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda por força da cláusula 7.ª, vertida no artigo 7.º da petição inicial; b) no pagamento da quantia de 175.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa legal, até efectivo pagamento.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: Em 7/6/2004, os réus, através de procurador, prometeram vender ao autor, que prometeu comprar, o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o artigo 4804 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número 5.159, pelo preço de 400.000,00 €, pagável nos termos do contrato que juntou.

Ficou convencionada uma cláusula penal de 175.000,00 € para os casos de mora ou de incumprimento do contrato.

Os réus não designaram dia, hora e local para a outorga da escritura pública como se obrigaram, no prazo estipulado, ou seja, nos 45 dias subsequentes ao trânsito em julgado da última decisão das duas acções então pendentes, ocorrido em 7/5/2009, desde que não afectassem, como não afectaram, o seu direito de propriedade.

Os Réus contestaram, por excepção e impugnação, invocando a nulidade da procuração por simulação e a nulidade do contrato promessa também por simulação e por inobservância do formalismo previsto no n.º 3 do art.º 410.º do Código Civil e negando a celebração de qualquer contrato promessa de compra e venda, sustentando, ainda assim e subsidiariamente, a inexistência de incumprimento e a redução da cláusula penal.

Concluíram pela improcedência da acção e pela redução equitativa daquela cláusula, bem como pela condenação do autor como litigante de má fé.

O autor replicou, pugnando pela improcedência das invocadas excepções e requerendo a ampliação da causa de pedir e do pedido, alegando, para este efeito, que os réus se colocaram, voluntariamente, na posição de incumprimento definitivo, ao venderem a terceiros o imóvel que lhe haviam prometido vender, pelo que pediu a resolução do contrato com esse fundamento. Mais pediu a condenação dos réus como litigantes de má fé, em multa e indemnização a seu favor.

Os réus treplicaram batendo-se pela nulidade da réplica, na parte que consideram legalmente inadmissível, e impugnando a matéria da ampliação da causa de pedir e da litigância de má fé, concluindo pela improcedência dos respectivos pedidos.

Na audiência preliminar designada, além do mais para aqui irrelevante, foi admitida a ampliação do pedido, foi proferido despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação, com selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória, de que não houve reclamações.

Após instrução, com realização de prova pericial, prosseguiram os autos para julgamento, ao qual se procedeu com observância do formalismo legal, tendo decorrido em quatro sessões, realizadas em 12, 19 e 27 de Novembro e 11 de Dezembro de 2013.

Finalmente, em 2/1/2014, foi proferida douta sentença que decidiu julgar: “A) - improcedentes as exceções perentórias deduzidas pelos Réus, com exceção da do manifesto excesso da cláusula penal que julgo(u) procedente, reduzindo a referida cláusula penal à importância de 40.000,00 €; B) - a ação parcialmente procedente, por não provada, condenando os Réus a: I. ver declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda identificado nos autos por incumprimento definitivo do mesmo por os Réus se terem colocado na posição de estarem impossibilitados objetivamente de o cumprirem, pois por escritura pública de 20/6/2008, venderam o imóvel em causa nos autos a E…, F… e G…, que o compraram; II. no pagamento da referida quantia de 40.000,00 € (quarenta mil euros, referente à cláusula penal já reduzida), acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa legal, até efetivo pagamento.” Mais decidiu absolver o autor e os réus dos pedidos de condenação como litigantes de má fé.

Inconformados com o assim decidido, interpuseram recurso de apelação para este Tribunal, quer o autor quer os réus, os quais apresentaram, oportunamente, as alegações com as respectivas conclusões.

Conhecendo desses recursos, este Tribunal, por acórdão de 27/5/2014, julgou a apelação dos réus totalmente improcedente e a apelação do autor procedente e, em consequência, condenou os réus a pagar ao autor a quantia de 175.000,00 € (cento e setenta e cinco mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, revogando, assim, nesta parte, a sentença recorrida e mantendo o demais nela decidido.

Novamente irresignados, os réus interpuseram recurso de revista, tendo o STJ, por douto acórdão de 20/11/2014, revogado aquele acórdão e ordenado que a Relação conhecesse da “impugnação da matéria de facto deduzida pelos réus” e decidisse as “demais questões apresentadas pelas partes”.

As conclusões dos recursos de apelação são as seguintes: Do autor: “1ª- O recurso incide exclusivamente sobre a procedência da excepção da redução da cláusula penal; 2ª- Inexiste qualquer fundamento de facto que aconselhe a redução da cláusula penal indemnizatória em causa, sendo certo que, transportando para o caso concreto todos os princípios que a doutrina e a jurisprudência desenvolveram a respeito desta faculdade judicial do art. 812º nº1 do C.C., qualquer redução, no caso, mostra-se desequilibrada e desadequada, enfim contrária à justiça; 3ª- A cláusula penal que consta da cláusula oitava do contrato dos autos não é excessiva e muito menos manifestamente excessiva, razão pela qual não é passível de redução; A decisão recorrida violou, pois, as normas acima indicadas, no sentido acabado de expor.

Pedido: O recurso deve merecer provimento, com a consequente improcedência da excepção invocada pelos apelados, revogando-se nessa parte o sentenciado, condenando-se assim os apelados no pagamento da quantia peticionada, como é de inteira justiça.” Dos réus: “I. Visa o recurso pôr em crise os fundamentos de direito da decisão proferida e, principalmente, a impugnação da matéria de facto dada como provada.

  1. Não se retira da procuração que a mesma conferia poderes ao procurador para instituir ou acordar cláusulas penais que, pela sua gravidade, teria que estar prevista caso fosse essa a vontade dos procurados.

  2. Não se pode retirar do poder de prometer vender, o poder de vincular o devedor às gravosas consequências do incumprimento resultantes da estipulação de uma cláusula penal.

  3. O procurador ultrapassou os poderes que lhe foram concretamente fixados, agindo em excesso de representação, o que nos termos do artigo 268.º do Código Civil determina a ineficácia do convencionado em relação aos representados.

  4. A cláusula penal é ineficaz em relação aos representados, que não concederam poderes para a sua estipulação.

    Sem prescindir, VI. O contrato-promessa foi celebrado em total desvio dos interesses dos representados.

  5. A celebração do contrato-promessa e a inserção no respectivo clausulado de uma cláusula penal no valor de € 175.000,00 constitui um abuso de poderes de representação, o que seguirá, nos termos do artigo 269.º do Código Civil, o mesmo regime de ineficácia previsto para o excesso de representação.

    Ainda sem prescindir, VIII. Os Recorrentes desconheciam o contrato-promessa de compra e venda até terem sido citados para a acção.

  6. Não aceitam o valor do imóvel de € 279.822,00.

  7. O imóvel, à data constante no contrato-promessa de compra e venda teria o valor de € 150.000,00.

  8. O imóvel encontra-se manifestamente sobrevalorizado, acarretando consigo uma cláusula penal também ela manifestamente excessiva.

  9. Nos termos do art. 812.º do Código Civil, deverá proceder-se à redução da cláusula penal, por manifestamente excessiva, para um montante nunca superior a € 10.000,00.

    Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a resposta aos quesitos 1, 3 e 8, dando-se os mesmos como provados e, em consequência, considerar-se: A. o negócio ineficaz em relação aos recorrentes por excesso de representação; Caso assim não se entenda, o que não se concede, B. considerar-se o negócio ineficaz em relação aos recorrentes por abuso dos poderes de representação; Ainda sem conceder, C. deverá proceder-se à redução da cláusula penal, por manifestamente excessiva, para um valor nunca superior a € 10.000,00, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.” Não foram apresentadas contra-alegações.

    Cumpre, agora, apreciar e decidir o mérito dos recursos interpostos, começando pela apreciação da matéria de facto impugnada(1), em estrita obediência ao superiormente determinado pelo STJ, a que se seguirá o conhecimento das demais questões.

    Tendo em consideração as conclusões dos recorrentes, as quais delimitam o objecto dos recursos [cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC, aqui aplicável, visto se tratar de uma sentença proferida após a data da sua entrada em vigor, numa acção instaurada depois de 1/1/2008 (cfr. art.ºs 5.º, n.º 1 e 8.º, ambos da Lei n.º 41/2013, de 26/6)], atendendo a que este Tribunal de 2.ª instância só pode conhecer delas, pois não é caso de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber: a) Se deve ser alterada a matéria de facto; b) Se o negócio é ineficaz por excesso de representação; c) Se o negócio é ineficaz por abuso dos poderes de representação; d) Se a cláusula penal deve ser reduzida para valor não superior a 10.000,00 €; e) Ou se não deve sofrer qualquer redução.

  10. Fundamentação 1.De facto Na sentença recorrida foram dados como provados os...

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