Acórdão nº 250/13.0IDAVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES SILVA
Data da Resolução21 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 250/13.0IDAVR.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO: Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, foram submetidos a julgamento os arguidos B… e “C…, Lda.”, tendo sido proferida sentença que os absolveu da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, do tipo previsto e punido pelo artigo 105.º, n.º 1 do RGIT.

*Inconformado com a sentença absolutória, o Ministério Público interpôs recurso, apresentando a motivação que remata com as seguintes CONCLUSÕES1 - O Ministério Público recorre porque os arguidos C…, Lda. e B… foram absolvidos pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.º 1 do RGIT, com referência aos artigos 27.º n.º 1 e 41.º n.º1 alínea a) do CIVA e, ainda aos artigos 7.º n.º1 do RGIT e 11.º n.º 2 do Código Penal.

2 - Na nossa óptica, o tribunal a quo violou os citados preceitos, incorrendo no vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – cfr. art.s. 374.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal.

3 - A Sr.ª Juiz a quo reconheceu que o arguido enquanto gerente e legal representante da arguida sociedade, recebeu dos clientes as quantias de IVA que lhes havia liquidado, cujo valor global como consta da acusação e resultou provado ascende a €27.716,20 (cfr. §4 e 5 dos factos provados), todavia, em vez de dar como provado que o arguido recebeu aquelas quantias, a Sr.ª Juiz de uma forma surpreendente e absolutamente contrária ao raciocínio expendido na motivação acabou por considerar não provado tal facto.

4 - Desejamos, pois significar que a sentença recorrida encerra em si mesma uma posição no domínio dos factos e uma outra no domínio da motivação completamente incompatíveis entre si, cuja convivência entre ambas é impossível no âmbito do pensamento lógico, pois não se pode afirmar que o arguido recebeu as quantias liquidadas emergentes de IVA (como se lavrou na motivação) e ao mesmo tempo negar esse recebimento (como se fez constar nos factos provados).

5 - A fundamentação motivacional justificava e impunha uma diferente decisão de facto, ou seja, que o Arguido B… na qualidade de gerente e legal representante da sociedade arguida C…, Lda., recebeu o imposto devido.

6 - No crime de abuso de confiança fiscal apenas é necessário a não entrega total ou parcial de prestação tributária; trata-se de um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entrega a prestação tributária devida, haja ou não haja entrega da declaração tributária, sendo que o destino que o agente confere ao dinheiro que deveria ter entregue ao Estado é completamente inútil para efeito do preenchimento típico do crime em apreço, apenas relevando para efeitos de avaliação da ilicitude e culpa e consequentemente para a determinação da medida da pena.

7 - Resultou provado que o arguido na qualidade de gerente da sociedade arguida decidiu não fazer a entrega nos cofres do Estado da totalidade dos montantes que nos meses de Novembro e Dezembro de 2012 viesse a receber dos seus clientes a título de IVA, quantias que, como o arguido bem sabia, pertenciam ao Estado, a quem deveriam ser entregues. E não entregou no respetivo prazo legal, nos 90 dias posteriores, nem no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito, antes se apropriou das mesmas, as quais fez suas e usou para fazer face a outras dívidas da sociedade.

8 – Assim como se apurou que o arguido agiu no interesse e por conta da sociedade arguida, com o propósito de fazer coisa sua os montantes que deduziu a título de IVA, como efetivamente ocorreu, bem sabendo que os mesmos constituíam quantias devidas a título de IVA e que, por isso, não podia delas dispor, antes tendo de as entregar ao Estado. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

9 - Aos factos supra referidos deverá aditar-se como defendemos e inspirados na própria motivação da sentença que o arguido enquanto gerente e representante legal da arguida sociedade recebeu as quantias emergentes de IVA liquidado.

10 - Donde se conclui, que se mostram preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de abuso de confiança fiscal, bem como a respetiva condição objetiva de punibilidade aqui aplicável, pelo que a conduta dos arguidos merece um juízo de censura penal.

11 – O tribunal a quo ao atuar do jeito que se critica violou o artigo 105.º, n.º 1 do RGIT, com referência aos artigos 27.º n.º 1 e 41.º n.º1 alínea a) do CIVA e, ainda aos artigos 7.º n.º1 do RGIT e 11.º n.º2 do Código Penal, incorrendo em contradição insanável entre a fundamentação e decisão, tal como previstas no art. 410.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal.

Terminou pedindo que seja:

  1. Revogada a sentença e considerado o facto dado por não provado na decisão recorrida, como provado e, nessa sequência condenados os arguidos pelo crime imputado em sede acusatória; Caso se conclua pela impossibilidade de decidir do mérito da causa: b) Reenviado o processo ao tribunal a quo para novo julgamento.

    *Os arguidos apresentaram resposta ao recurso, na qual pugnaram pela manutenção do decidido.

    *Nesta instância o Ministério Público emitiu parecer, no qual propugnou pelo provimento do recurso, aderindo à motivação do recurso apresentado pelo Ministério Público, mais aditou que os autos devem ser remetidos à 1.ª instância para aplicação da pena aos arguidos.

    *Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.

    *Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    *II. FUNDAMENTAÇÃO:

  2. Na sentença foram fixados os seguintesFactos Provados:1. A Arguida é uma sociedade unipessoal, com o NIF ………, CAE …., que se dedica à fabricação e outras máquinas diversas de uso geral, cujo gerente é o Arguido, designadamente durante o período contributivo respeitante aos meses de Novembro e Dezembro de 2012.

    1. Nessa qualidade, o Arguido, pelo menos em finais de Outubro do ano de 2012, decidiu não fazer a entrega nos cofres do Estado (Serviços de Administração do IVA) da totalidade dos montantes que, com a referida actividade, nos meses de Novembro e Dezembro de 2012, pelo menos, viesse a receber dos seus clientes a título de IVA, quantias que, como o Arguido bem sabia, pertenciam ao Estado, a quem deveriam ser entregues.

    2. Muito embora tenha enviado à Administração Tributária as declarações periódicas de IVA relativas ao período contributivo supra referenciado, o Arguido não remeteu os respectivos meios de pagamento relativos a esse mesmo período, pelo que não entregou ao Estado, a quem sabia pertencer, a quantia global de 27.716,20 Euros, que deduziu e apurou, durante os meses de Novembro e Dezembro de 2012, a título de IVA.

    3. O Imposto sobre o Valor Acrescentado apurado e em falta nos cofres do Estado foi, em Novembro de 2012, no valor de 7.863,99 Euros.

    4. O Imposto sobre o Valor Acrescentado apurado e em falta nos cofres do Estado foi, em Dezembro de 2012, no valor de 19.852,21 Euros.

    5. O Arguido tinha plena consciência de que estava legalmente obrigado a enviar aos cofres do Estado, para além dos 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação tributária, as declarações periódicas acompanhadas dos correspondentes meios de pagamento relativas à totalidade do montante de imposto liquidado, mas não o fez, e não entregou, nem durante os 30 dias após a notificação pessoal para o efeito, à Fazenda Nacional, o montante supra referido, a quem sabia pertencer, como imposto devido.

    6. O Arguido determinou-se voluntária, deliberada e conscientemente, bem sabendo que lesava os interesses económicos do Estado, como aconteceu.

      Mais se provou que: 8. O Arguido B… se encontra, actualmente, a trabalhar em Angola, onde tem alimentação e estadia pagas.

    7. O Arguido aufere o rendimento mínimo.

    8. O Arguido não paga renda de casa.

    9. Não tem filhos a cargo.

    10. O Arguido tem o 4.º ano de escolaridade.

    11. A sociedade Arguida foi declarada insolvente por sentença transitada em julgada a 14 de Novembro de 2013.

    12. No exercício fiscal de 2010, a sociedade Arguida teve um total de rendimentos no valor de 1.529.740,69 Euros e um lucro tributável de 14.454,99 Euros.

    13. No exercício fiscal de 2011, a sociedade Arguida teve um total de rendimentos no valor de 1.372.435,89 Euros e um lucro tributável de 17.505,11 Euros.

    14. No exercício fiscal de 2012, a sociedade Arguida teve um total de rendimentos no valor de 610.984,46 Euros e um prejuízo fiscal de 42.471,07 Euros.

    15. Os Arguidos não têm antecedentes criminais.

      * *b) Foram fixados os seguintesFactos Não Provados:Que o Arguido B… tenha recebido ou integrado no seu património e utilizado em benefício próprio, como lhe aprouve, o imposto devido.

      * *c) Da sentença consta a seguinte Motivação da decisão de facto:«A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto acima descrita resultou da análise crítica e conjugada, à luz das regras de experiência e critérios de normalidade (cfr. artigo 127.º do Código de Processo Penal), da prova produzida em audiência de julgamento, mormente das declarações prestadas pelo próprio Arguido B…, bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas D…, inspector tributário da Direcção de Finanças de Aveiro e E…, técnico oficial de contas da sociedade Arguida, bem como do teor dos documentos juntos aos autos, em especial, o parecer...

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