Acórdão nº 100/12.4GAVLC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec n º 100/12.4GAVLC.P1 TRP 1ª Secção Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc. C. S. nº 100/12.4GAVLC.P1 do 2º Juízo do tribunal Judicial de Vale de Cambra foram julgados os arguidos B…, e C… e após julgamento por sentença de 14/1/2014 foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, e ao abrigo das supras citadas normas, decido:

  1. Condenar o arguido B…, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), no total de €1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros).

  2. Condenar a arguida C…, pela prática, por omissão, de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelos artigos 10.º e 137.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), no total de €1.500,00 (mil e quinhentos euros).

  3. Condenar o arguido B… pela prática de duas contraordenações, prevista pelo art.º 24.º, 25.º, 134.º, n.º 2, 145.º, n. 1. al. e) e 147.º, todos do Código da Estrada, na sanção acessória de inibição do exercício da condução pelo período de 2 (dois meses), por cada infração.

  4. Condeno o arguido B…, ao abrigo do disposto no art. 134.º do Código da Estrada, em cúmulo jurídico material de sanções acessórias, na sanção acessória de inibição do exercício de conduzir pelo período de 4 (quatro) meses.

*Determino, ao abrigo do disposto no art.º 160.º, n.º 1 do Código da Estrada, a apreensão da sua carta de condução, em ordem ao cumprimento efetivo de sanção acessória de inibição do exercício da condução pelo período de 4 (quatro) meses.” Recorreram os arguidos os quais no final das respectivas motivações apresentam conclusões, das quais emergem as seguintes questões: Recurso do arguido B… - impugnação da matéria de facto; - as contraordenações em que foi condenado não foram causais; - não teve culpa do acidente, sendo a culpa da lesada; - suspensão da execução das sanções acessórias de inibição de condução; Recurso da arguida C… - impugnação da matéria de facto - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - erro notório na apreciação da prova, e - violação do princípio in dubio pro reo.

Respondeu o MºPº a ambos os recursos pugnando pela manutenção da decisão.

Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos Por decisão sumária de 9/7/2014 do Exmº Relator foi decidido: “julgam-se manifestamente improcedentes os recursos interpostos, mantendo-se, consequentemente a decisão recorrida” Reclamou para a conferência a arguida C… para que sobre o decidido recaísse acórdão.

Notificados os sujeitos processuais não se pronunciaram Procedeu-se à conferência com observância das formalidades legais.

Após mudança de relator, cumpre apreciar.

É do seguinte teor a sentença recorrida (transcrição): “III.

Fundamentação de facto 3.1.

Factos provados Instruída e discutida a causa, com interesse para a boa decisão da mesma encontram-se provados os seguintes factos: 1.º No dia 10 de março de 2012, cerca das 10h05, o arguido B… conduzia o veículo automóvel ligeiro, de matrícula ..-..-MQ, na Estrada Nacional n.º …, na localidade …, em Vale de Cambra, no sentido Vale de Cambra/Arouca.

  1. Essa estrada, ao km. 48,100, possui 6,15 metros de largura de faixa de rodagem, pavimento em asfalto betuminoso em bom estado de conservação e, nesse dia, seco, e é constituída por duas vias de trânsito, uma para cada sentido de marcha, separadas por uma marca rodoviária denominada linha longitudinal contínua (M1), formando a estrada, nesta extensão, um traçado com curva à esquerda, seguida de curva à direita com uma inclinação ascendente atento o sentido em que seguia o arguido.

  2. A faixa de rodagem encontra-se delimitada, de ambos os lados, por guias (marca M19) e, do seu lado direito, no sentido Vale de Cambra/Arouca, é, após a guia, marginada por berma, com largura variável.

  3. Nesse dia, D…, nascida a 15.05.2008, encontrava-se à guarda e cuidados da arguida, C…, sua avó materna, tendo-a acompanhado até ao minimercado, situado naquela Estrada Nacional, do lado direito, no sentido Vale de Cambra/Arouca.

  4. Assim, cerca das 10h00, quando a arguida C… estava dentro do minimercado com a menor, esta saiu sozinha do mesmo, sem que a avó a segurasse ou de qualquer outra forma controlasse os seus movimentos.

  5. Já fora do estabelecimento e sem que ninguém estivesse junto a si, a menor saltitou nos degraus, existentes à saída da porta do mesmo, e na berma, situada antes da linha guia ali existente.

  6. O arguido viu a menor junto à porta do estabelecimento, nas circunstâncias referidas em 6.º, a, pelo menos, 17,27 metros.

  7. Quando o arguido se aproximava do estabelecimento, ao volante do MQ, a menor saltitou para a via de trânsito, transpondo a marca relativa à guia, entrando, dessa forma, cerca de 50/60cm da linha guia na faixa de rodagem destinada ao trânsito automóvel, no sentido em que seguia o arguido B….

  8. O arguido viu a menor saltitar para a sua faixa de rodagem a, pelo menos, 4,85metros.

  9. Em virtude da velocidade a que seguia, 50km/h, e apesar de ter desviado a sua trajetória para a esquerda, não travou de imediato, nem conseguiu imobilizar o veículo em tempo e de modo a evitar o embate, acabando por bater com a parte frontal direita do veículo que conduzia no lado esquerdo do corpo de D… fazendo com que esta embatesse com a cabeça no capô e, depois, fosse projetada para a berma do lado direito da via no espaço compreendido entre o limite do edifício do minimercado e um poste de iluminação.

  10. Esta colisão ocorreu na faixa de rodagem da direita, atento o sentido em que seguia o arguido, espaço destinado à circulação automóvel, e a cerca de 50/60 cm de distância da linha guia, atento o sentido de marcha Vale de Cambra/Arouca.

  11. Em virtude do embate, D… sofreu ferimentos, tendo sido socorrida no local pelos Bombeiros Voluntários … e transportada até ao Hospital de São João, no Porto, onde foi internada e submetida a cirurgia laparotomia exploradora com esplenectomia e craniotomia descompressiva, mantendo coma arreativo com midríase fixa e, após, evolução para morte cerebral, tendo sido verificado o seu óbito no dia 13 de março de 2012, pelas 12h14m.

  12. Como consequência direta e necessária da colisão, D… sofreu as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 28 a 37, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que foram causa da sua morte, designadamente: a) nas meninges, edema, com filme hemorrágico extradural e hemorragia subaracnoideia generalizada, mais intensa no hemisfério esquerdo, com congestão vascular generalizada; b) no encéfalo: edema, perda encefálica dos lobos frontais, com múltiplas áreas de infiltração sanguínea corticais generalizadas, com congestão do parênquima.

  13. Antes da curva que antecede o minimercado e o local onde ocorreu o embate encontrava-se colocado sinal vertical de perigo (A14) alertando os condutores que se trata de local frequentado por crianças.

  14. No início dessa mesma curva encontrava-se colocado sinal de perigo avisando da aproximação de uma passagem de peões (sinal A16a) e, após, sinal alertando para a aproximação de entroncamento com via sem prioridade à esquerda (sinal B9a) e imediatamente antes do local de embate sinal avisando a proximidade de uma sucessão de curvas perigosas, a primeira das quais à direita (sinal A1c).

  15. A complementar estes sinais, imediatamente antes do minimercado e do local onde ocorreu o embate encontravam-se apostas na via, em tinta branca visível, bandas cromáticas (marca M20) que consistem numa sequência de vários pares de linhas transversais contínuas com espaçamentos degressivos alertando os condutores para a necessidade de praticar velocidades mais reduzidas naquele local.

  16. Por se tratar de estrada ladeada de habitações, o limite máximo de velocidade permitida era de 50 km/h, velocidade esta que deveria ter sido reduzida pelo arguido em virtude da sinalização de perigo acima indicada.

  17. Depois do embate, o veículo conduzido pelo arguido ficou imobilizado após a passagem de peões, a 34,68metros de distância da porta do minimercado, em posição oblíqua em relação ao eixo da faixa de rodagem, com a frente na berma.

  18. No pavimento não existiam marcas de travagem, nem outras marcas de pneumáticos, apenas vidros partidos espalhados pela via da direita atento o sentido Vale de Cambra/Arouca, antes da passagem assinalada para a travessia de peões.

  19. Em virtude do embate, o veículo conduzido pelo arguido ficou com a ótica do lado direito partida, o capô, guarda-lamas e para-choques amolgados.

  20. Submetido a exame de pesquisa no sangue B… não apresentava presença de etanol, mas uma concentração de 8,60 ng/mL de THC-COOH, devido ao consumo, na noite anterior, de cannabis.

  21. O arguido B… atuou de forma livre e consciente, conhecendo as regras de cuidado a que estava obrigado para a condução de veículos automóveis, bem sabendo que circulava em estrada nacional e que, naquele local, devia reduzir especialmente a velocidade a que seguia e dedicar a sua atenção ao trânsito e aos peões por ser local ladeado de edificações e frequentado por crianças, por se aproximar de passagem de peões e entroncamento e atendendo à aproximação de troço com curvas perigosas, o que o arguido não fez, bem sabendo que poderiam surgir crianças e que, ao agir desse modo, não conseguiria imobilizar o veículo em segurança sem atingir os demais utentes da via, como veio a suceder.

  22. Em virtude de seguir a velocidade excessiva para o local, por não ter reduzido a velocidade a que seguia e, por conduzir de forma descuidada e desatenta, o arguido B… apesar de ter visto D…, criança de apenas 4 anos de idade, na berma e depois na sua faixa de rodagem, não travou, nem imobilizou o veículo que conduzia de forma a evitar o embate, não tendo assim atuado...

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