Acórdão nº 43/08.6TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução23 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 43/08.6TBVNG.P1-Apelação Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia–Instância Central-3ª Secção Cível-J2 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues Sumário: I- A sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).

II- Todavia, não ocorre a nulidade prevista no artigo 615.º, nº1 al. c) do C.P.Civil se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação.

III- Se o tribunal conheceu de mérito é porque julgou, de forma implícita, não se verificar a existência de qualquer excepção peremptória inominada ainda que de conhecimento oficioso (artigo 579.º do CPCivil), razão pela qual não padece a sentença da nulidade prevista no artigo 615.º, nº 1 al. d) do CPCivil.

IV- O julgamento de facto resolve-se numa averiguação do domínio do ser, o julgamento de direito, numa actividade normativa do domínio do dever ser. Todavia, embora este princípio básico da distinção entre questão de facto e questão de direito pareça simples, a sua aplicação prática suscita muitas vezes, dúvidas, hesitações e dificuldades e, uma dessas dificuldades, provém da forma de expressão dos conceitos.

V- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

VI- A atribuição toponímica a uma determinada via em nada contende com os direitos e interesses dos particulares proprietários dos terrenos ou prédios confinantes, ou atravessados, ou que integram o espaço ocupado por essa via, sendo que, tal atribuição não pode ser considerado um acto administrativo nos termos estatuídos no artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo.

VII- A competência em razão da matéria dos tribunais é determinada pela forma como o autor configura a acção na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir.

VIII- Daí que não caiba à jurisdição administrativa pronunciar-se sobre a aquisição ou perda do direito de propriedade sobre imóveis, nos termos do artigo 1304.º do Código Civil.

IX- São dois os requisitos caracterizadores da dominialidade de um caminho: o uso directo e imediato pelo público e a imemorialidade daquele uso, imemorialidade essa reportada à afectação.

X- O conceito daquilo que são “tempos imemoriais” vem sendo tratado na doutrina e na jurisprudência, sustentando-se que o termo “imemorial” tem que ver “com a perda (ou desaparecimento) da memória dos homens quanto ao início, começo ou princípio do facto considerado, ou, ainda, com um período tão antigo que já não está na memória directa ou indirecta-por tradição oral dos seus antecessores-dos homens, que, por isso, não podem situar a sua origem.

XI- Daí que utilização imemorial não se confunde com utilização durante o período correspondente ao tempo de vida médio de um homem.

XII- Já a publicidade exige a sua afectação a utilidade pública, ou seja, que a sua utilização tenha por objecto a satisfação de interesses colectivos de certo grau e relevância.

XIII- A suficiência do uso imemorial a que se refere o Assento STJ, de 19-04-1989, hoje com valor de jurisprudência uniformizada, de modo algum exclui outras vias de aquisição da dominialidade, como acontecerá quando a lei directamente integra determinada coisa na categoria do domínio público, ou quando uma pessoa de direito público, depois de a construir, produzir ou dela se apropriar, a afecta à utilidade pública.

XIV- A desafectação das coisas públicas pode ser expressa ou tácita.

XV- Para aferir da desafectação tácita tem de apurar-se a modificação das circunstâncias de facto que originaram a afectação “ab initio” à satisfação da utilidade pública que era o objectivo da utilização colectiva.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B… e Sá intentou a presente acção declarativa com processo comum ordinário contra a Freguesia … e o Município de Vila Nova de Gaia, no sentido de obter: - A declaração de que o terreno, que constitui o leito do caminho que identifica, não é público.

- A declaração de que, na parte relativa aos prédios que invoca e lhe pertencem (melhor descritos na P.I.-art° 4 da petição corrigida a fis. 228 e ss.) tal terreno é sua propriedade.

- A condenação da RR a retirar o referido caminho da relação do património público.

Alega para tanto que: É dona e legítima proprietária da denominada C…, constituída por vários prédios contíguos entre si, rústicos e urbanos, todos situados na freguesia …, em Vila Nova de Gaia-uns na margem esquerda do Rio …, no …; outros na margem direita, no ….

A referida C… possui uma entrada (alameda) situada à face da …, que se desenvolve para o interior da mesma.

Essa alameda constitui a parte inicial de um caminho que atravessa a C…, cruza o rio … por uma ponte e continua até à entrada oposta da C…, que dá para a Rua …, também em …-no sentido Nordeste-Sudoeste.

Esse caminho, para além dos prédios da A., serve unicamente de acesso aos seguintes prédios: a dois outros prédios, propriedade de familiares da AA e uni armazém, antiga D…, desactivada há mais de 20 anos.

Em benefício destes três últimos prédios está constituída uma servidão de passagem pelos prédios da A., fazendo-se essa passagem pela descrita alameda, nos termos de um contrato celebrado pelos antepossuidores da A. A meio do caminho fica o rio …-que não dispõe no local de qualquer atravessadouro público, pois que não existe aí qualquer lugar povoado, sendo que, os moinhos que se encontravam no local estão desactivados há mais de 30 anos.

Do outro lado do rio, o referido caminho, no sentido R. …-…, encontra-se onerado com servidão de passagem relativamente a 4 prédios, propriedade de familiares da AA.

Alega os fatos constitutivos da usucapião, por si e antepossuidores, relativamente aos prédios por onde se desenvolve o aludido caminho e em relação, inclusive, ao leito do mesmo, que vem fruindo como parte componente da C…, exploração agrícola e espaço de lazer da A. e família.

A R. Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, em Julho de 2002, determinou que a referida alameda passasse a constituir a Rua …, tendo, alguns meses depois colocado duas placas toponímicas com os dizeres Rua …, uma à entrada da C… e logo após a ponte, na margem esquerda, face ao caminho.

Esta decisão camarária foi tomada mediante proposta efectuada pela R. Freguesia …, em Abril de 2002.

Certo é que até há cerca de 25 anos, existiu um caminho público que, vindo do antigo caminho para …, 200 metros a Sul da alameda da entrada da C…, vinha dar a um dos prédios propriedade de familiar da A., atravessando-o em direcção à desactivada D….

Não obstante, tal caminho encontra-se desactivado há mais de 20 anos, pois que foi cortado pela construção da … à E.N. …, que foi levada a efeito cerca do ano de 1983.

A ponte, que atravessa o rio … no local, também é propriedade da A., que a construiu há mais de 40 anos, e tem vindo a exercer, relativamente à mesma, em exclusividade, os factos constitutivos da usucapião.

O caminho não está ao serviço de nenhuma necessidade colectiva ou de qualquer interesse colectivo relevante, também não está no uso directo e imediato do público, nem nunca esteve-ninguém o atravessa ou atravessou.

*Regularmente citadas as Rés apresentaram contestação.

O Município de Vila Nova de Gaia contestou, a fls. 60 e ss., invocando a ilegitimidade da Autora para, desacompanhada do marido, intentar a presente acção.

Mais impugnou a generalidade dos factos alegados pela A.

Concluiu pela sua absolvição do pedido formulado.

A Ré Freguesia …, contestou invocando, de igual modo, a ilegitimidade da Autora, nos mesmos termos alegados pelo Município.

Invocou, ainda, a ilegitimidade passiva das Rés.

Alegou ainda uso imemorial do leito do caminho descrito pela população de …, uso que se mantém até aos dias de hoje e impugna o uso do mesmo pela A. nos termos descritos na petição inicial.

Concluiu pela sua absolvição da instância, ou caso assim se não entenda, do pedido.

*A Autora, a fls. 93 e ss., respondeu à excepção da ilegitimidade e impugnou os factos que, nas contestações, contradizem o uso do caminho em causa nos moldes por si definidos na petição inicial.

*A fls. 225 convidou-se a A. a corrigir a petição inicial apresentada.

A fls. 228 e ss., respondendo a tal convite, a Autora apresentou nova P.I..

Os RR. responderam a fls. 244 e 250.

*Realizou-se audiência preliminar, em 26-05-2011, nos termos que constam da acta de fls. 315/3 16.

*Proferiu-se despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade deduzidas afirmando, pois a legitimidade das partes.

Mais se procedeu à especificação da matéria de facto assente e à elaboração de base instrutória.

*Realizou-se audiência de discussão e julgamento com a observância do legal formalismo.

*Fixada a matéria de facto, foi, a final, proferida sentença que julgou parcialmente procedente, por provada, a presente acção e por via disso reconheceu que: 1º-Não constituem caminho público as faixas de terreno afectas a caminho descritas nos factos provados sob as alíneas G) a L), condenando-se as RR. a reconhecerem tal facto e a retirarem o mesmo da relação do património público.

  1. - A faixa de terreno de 160 metros de comprimento, afecta a caminho nos moldes referidos e descritos em H) e de acordo com o sentido de marcha referido em G), é propriedade da A. como parte integrante dos seguintes prédios: - 45 metros no prédio referido em A)-9°.

    - 65 metros no prédio referido em A)-2°.

    - 30 metros no prédio referido em A)-5°.

    - 20 metros no prédio referido em A)-1 1°) 3°- A faixa de terreno que apresenta uma configuração circular com cerca de 366 metros de comprimento por cerca de 1,5/2 metros de largura descrita em L) dos factos provados é...

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