Acórdão nº 1002/10.4TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução23 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Sumário (da responsabilidade do relator): 1 – A prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão. 2 – Mas a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias. 3 – Neste enquadramento será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir a declaração favorável que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie. 4 – Não padecendo de qualquer inconstitucionalidade este entendimento, o qual, ao invés, continua a respeitar o princípio da livre apreciação da prova. 5 – O conceito de atividade perigosa – em razão de si mesma ou por causa da natureza dos meios utilizados (artigo 493, n.º 2 do CC) – tem de ser preenchido em concreto, ou seja, na generalidade das atividades, é necessário atender ao acréscimo de perigosidade que revela. 6 – Cabe ao lesado, beneficiário da presunção de culpa, demonstrar os factos reveladores da referida perigosidade.

Processo 1002/10.4TVPRT.P1 Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Recorrente – B… Recorridas – C…, SA e D… – Companhia de Seguros, SA Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 – Relatório 1.1 – Os autos na 1.ª instância: B… instaurou a presente ação e, demandando as sociedades C…, SA e D… – Companhia de Seguros, SA, pediu a condenação destas no pagamento da quantia de 149.463,43€ (a título de danos patrimoniais atuais, de danos patrimoniais futuros, de incapacidade permanente geral e ainda a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora desde a citação.

A autora, fundamentando a sua pretensão, alegou ter sofrido uma queda, quando passava na Rua …, nesta cidade, queda que adveio da ruína de um passadiço metálico ali instalado pela 1.ª ré, enquanto empreiteira a quem a Câmara Municipal … havia adjudicado obras de requalificação daquela artéria. Entende que, à luz da responsabilidade civil, pode reclamar das rés a indemnização pelos danos sofridos (e que concretiza), pois a 1.ª ré é a empreiteira e transferiu para a 2.ª ré a sua responsabilidade civil, através de contrato de seguro que era, à data do evento, válido e eficaz.

A ré C… contestou. Impugnou os factos alegados pela demandante e, em particular, invocou ter cumprido as regras de segurança e sinalização exigíveis para o tipo de obra que levava a cabo, tanto mais que, ao longo desta, foi fiscalizada e nunca foi detetado qualquer vício ou irregularidade nos passadiços ali existentes. Entende que a queda da autora resultou de imprevidência dela, uma vez que passava por um local em obras e, não tendo tomado as “devidas precauções”, escorregou e caiu. Por último, considera que, atenta a transferência da sua responsabilidade, cabe à seguradora o pagamento das indemnizações reclamadas, a haver procedência da pretensão da autora.

Também a seguradora D…, SA veio contestar. Impugna, por desconhecimento, os factos alegados e defende a prescrição do direito da autora, uma vez que o sinistro aconteceu em 23.11.2007 e a contestante só foi citada em 25.11.2010. Sustenta, por outro lado, que, resultando o sinistro da violação pela empreiteira das regras de segurança (conforme versão da autora) a sua responsabilidade de seguradora está excluída, atentas as condições particulares da apólice e, sem prescindir, chama a terreno a existência de uma franquia de 10% sobre os prejuízos indemnizáveis, com um mínimo de 250,00€.

Depois de completados os articulados da autora e da 1.ª ré (despacho de fls. 145/146 e articulados de fls. 151 e 154) teve lugar a audiência preliminar, com saneamento e condensação do processo. Nessa ocasião, foi fixado o valor da causa e julgou-se improcedente a exceção da prescrição invocada pela 2.ª ré (fls. 169 e ss.). Os autos prosseguiram com a realização do julgamento e a resposta à Base Instrutória (fls. 697/707). Foi, de seguida, proferida a sentença (objeto desta apelação), a qual julgou a ação improcedente e absolveu as rés dos pedidos contra elas formulados.

1.2 – Do recurso: Inconformada, a autora veio apelar. Pretende a revogação da sentença (quer quanto aos factos que fixou, e que ora são impugnados, quer quanto à aplicação do Direito) e formula as seguintes Conclusões (onde negritos, sublinhados, itálicos e maiúsculas são da sua autoria): 1 - Encontra-se incorretamente julgada a matéria dos arts. 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 12.º da Base Instrutória, que o Tribunal a quo deveria dar como PROVADA.

2 - O Tribunal dispunha de um vasto acervo probatório para considerar tal factualidade como PROVADA, designadamente:

  1. Depoimento da Testemunha E…, considerado “isento e rigorosamente imparcial” que referiu ter visto a autora dentro de um buraco – 02:35’ -, que o “passeio tinha umas passadiças mas estava um bocado deteriorado do lado direito, onde a senhora caiu” – 03:00’ – que havia “um rasgo de fora a fora” e que era “um bocadinho fundo” pois quando a Autora caiu “ficou pelo menos pela cinta” – 08:16’ – e “a senhora estava de pé dentro do buraco – 13:15’.

  2. Depoimento da Testemunha F… que relatou o que a autora lhe havia contado, ou seja, “ao passar por um passadiço para os peões, a placa de metal terá deslizado” do que resultou a queda da Autora – 04:45’.

  3. Depoimento da Testemunha G… que, relatando o que a autora lhe havia contado, esclareceu: “O que ela me disse e´ que a chapa virou, e que ela virou com a chapa.” – 08:00’ - “ela explicou-me que ia a passar na Rua … e por causa das obras pôs o pé numa coisa dessas vedações e caiu redonda num buraco” – 10:00’; d) Declarações de Parte da autora: “tinha lá´ um passadiço que estava suportado em duas caixas de pedra, penso que teriam os saneamentos ou caixas ou assim.. e aquilo oscilou e eu rodopiei e cai´.”, “Não tinha parte lateral e era ferro ou metal.

    ” – 02:30’; “Quando rodopiei cai´ numa zona funda” – 03:15’; “estava sob um buraco e fazia a ligação entre duas caixas. Portanto tinha dois paralelepípedos assim de ferro e havia duas caixas.. e portanto ele fazia essa ligação. Naquele bocado onde eu cai´ não havia qualquer espécie de passeio.” – 04:35’; “Era uma vala e portanto cai em cima do buraco. Buraco que se mantinha pela estrada fora” – 06:45’; “O passadiço a que eu me estou a referir acompanhava a zona toda das lojas, não era um passadiço em metal, eram duas placas, placas grandes, grossas, mas que estava uma sobreposta sobre outra e devera´ ter sido isso que ocasionou a queda.” – 10:00’; “aquilo oscilou e eu cai´” – 25:00’; “A soutora já explicou que pôs o pé na placa, a placa oscilou, e a senhora desequilibrou-se e caiu. Foi assim que a senhora caiu. Pela forma que a senhora referiu.” – resumo das declarações da Autora feito pelo Mm.o Juiz em interpelação à Advogada da ré.

  4. Relatório completo de Episódio de Urgência a fls. 294.

    3 - Ao invés, o Tribunal deu apenas como provado que: “ao circular na dita Rua … e já depois do edifício do H…, a Autora, ao passar sobre um passadiço em metal ali existente, em circunstâncias não apuradas, veio a cair ao solo, caindo num espaço no dito arruamento que se encontrava a um nível inferior àquele em que antes circulava.” Ou seja, de um modo geral, o que o Tribunal não acolheu foi que o passadiço tivesse oscilado, porque mal colocado, donde resultou a queda da autora. E só.

    4 - Pois que, deu como provado o acidente, deu como provado que o acidente ocorreu quando esta atravessava uma estrutura (passadiço) ali colocado pela ré empreiteira (art. 10.º da BI), deu como provados os danos e estabeleceu um nexo de causalidade entre o acidente e os danos.

    5 - Para fundamentar a decisão, o Tribunal a quo valorizou os depoimentos das testemunhas, considerando-os credíveis, isentos e imparciais, e, não encontrando contradições nas declarações da autora, prestadas em audiência e submetidas ao contraditório, deu-lhes credibilidade – vide resposta aos arts. 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 37.º e 38.º da Base Instrutória.

    6 - Considerou, no entanto, que para prova da causa concreta da queda da Autora – a questão do passadiço ter oscilado – não bastariam as declarações da parte, que necessariamente tinham que estar apoiadas noutro meio de prova objectivo e imparcial.

    7 - Concordando com o resguardo que hão de merecer, sempre, as declarações de parte enquanto único meio de prova, não concordamos que, in casu, as mesmas não se mostrassem suportadas por outros meios de prova, testemunhal e documental, como supra referimos.

    8 - Contudo, não podia o Tribunal impor limites injustificados aos meios de prova de que a autora dispunha, o que deve ser analisado no caso concreto. Falecendo a prova testemunhal por si requerida e que poderia ter presenciado os factos (os trabalhadores da ré´ empreiteira presentes no local dos factos cuja identificação foi trazida aos autos pela própria ré, e que declararam nada saber quanto ao acidente que vitimou a autora; autor da chamada de emergência médica, a testemunha E… que, todavia, declarou não ter visto a autora a cair, só a tendo visto já caída), falecendo a prova por documentos, através da requerida e não efectivada junção do “livro de obra”, onde pudesse estar registado o acidente que a vitimou (vide despacho constante da Ata de 17/06/2014), veio a autora requerer a prestação de declarações.

    9 - Com efeito, a autora, melhor do que ninguém, sabe porque caiu, e disse-o várias vezes – “a placa oscilou” – sem que fosse, de qualquer modo, infirmada esta sua percepção. A sensação da autora, e só por si sentida, de que o passadiço - ou chapa, ou placa em metal que nesse momento atravessava – oscilou, e´ um facto pessoal que só quem efetivamente atravessasse o dito passadiço poderia constatar.

    10 - O esvaziamento completo do valor probatório das declarações de parte para prova daquela factualidade afigura-se contrário à lei (por violação do disposto no art. 466, n.º 3, do CPC – livre apreciação da prova) e é a negação absoluta do direito a` prova previsto no art. 20 da CRP, assim inconstitucional. O...

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