Acórdão nº 91/14.7PCMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução11 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 91/14.7PCMTS.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – B… vem interpor recurso da douta sentença do 3º Juízo Criminal de Matosinhos (hoje: Instância Local de Matosinhos – Secção Criminal J1, da Comarca do Porto) que o condenou, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152º, nº 1 e nº 4, do Código Penal, na pena de um ano e quatro meses de prisão, assim como na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida pelo período de um ano e quatro meses.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões: «1.ª O Arguido foi condenado por Sentença proferida em 03 de Outubro de 2014.

  1. A uma pena de um ano e quatro meses de prisão efectiva.

  2. O presente Recurso é interposto de decisão proferida na douta sentença que condenou o Arguido, como autor material de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo n.º 152.º n.º 1 b) do Código Penal.

    I – DO DIREITO A – DO NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO PREVISTO NA ALÍNEA B) DO N.º 1 ARTIGO 152.º DO CÓDIGO PENAL 4.ª Os factos assentes, perpetrados pelo Arguido/Recorrente, não se enquadram na previsão do artigo 152.º do Código Penal.

  3. “O tipo legal de crime de violência doméstica visa proteger a pessoa individual e a sua dignidade humana (sublinhado nosso). O seu âmbito punitivo abarca os comportamentos que, de forma reiterada ou não, lesam a referida dignidade (sublinhado nosso). O bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é a saúde, entendida esta enquanto saúde física, psíquica e mental e, por conseguinte, podendo ser afectada por uma diversidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa e/ou afectem a dignidade pessoal e individual do cônjuge (sublinhado nosso).” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 06-02-2013, in: www.dgsi.pt) 6.ª “O bem jurídico protegido no crime de violência doméstica é complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física psíquica e mental e a dignidade da pessoa humana (sublinhado nosso), em contexto de relação conjugal ou análoga e mesmo após cessar essa relação. Não exigindo o tipo legal uma reiteração de acções, um único acto ofensivo só consubstanciará “maus tratos” se se revelar de tal modo intenso que ao nível do desvalor (quer da acção quer do resultado) seja apto a lesar em grau elevado o bem jurídico pondo em causa a dignidade da pessoa humana (sublinhado nosso).” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 10-09-2014, in: www.dgsi.pt) 7.ª Ora, não decorre da sentença, nomeadamente dos factos provados, que o Arguido, ora Recorrente, tenha agido de forma a diminuir e afectar a dignidade da assistente, menos ainda, que tenha afectado a sua saúde física ou psíquica.

  4. Os factos dados como provados, praticados pelo Arguido, apesar de graves, não assumiram, objectivamente, contornos violentos.

  5. Os factos praticados pelo Arguido/Recorrente, parecem melhor se enquadrarem na chamada “briga” de namorados do que no crime de violência doméstica.

  6. Mal seria do sistema judicial se todas as “brigas de namorados”, que, não raras vezes, abrangem violência – sobretudo psicológica, terminassem sempre em tribunal ao abrigo da previsão cada vez mais abrangente do crime de violência doméstica.

  7. Além disso, as situações provadas que constam da Sentença proferida pelo Tribunal a quo não têm um padrão de frequência nem intensidade desvaliosa, para se poderem enquadrar num modelo de comportamento que se inscreva na previsão do tipo legal de violência doméstica 12.ª A punição das condutas descritas no artigo 152.º do Código Penal, visa salvaguardar a pessoa humana na sua irrenunciável dimensão de liberdade e dignidade e pretende prevenir consequências gravosas que possam surgir para a saúde física e psíquica e para o desenvolvimento normal e correcto da personalidade do indivíduo.

  8. Pelo que, os actos praticados terão necessariamente de ser capazes de atingir precisamente a saúde física e psíquica do indivíduo de forma a afectar e marcar de forma irreparável o desenvolvimento harmonioso do sujeito ofendido, pelo que terão de se revestir de reiteração e gravidade suficientes para o efeito.

  9. Sendo necessário, ainda, que o comportamento do agressor demonstre uma especial crueldade, insensibilidade, uma atitude de vingança desnecessária e desmesurada ou ainda uma vontade de subjugar a vítima aos seus desejos e torná-la dependente de si.

  10. O que no caso concreto não se verifica e não se encontra nem provado nem dado como provado, pelo que não poderão os factos dados como provados integrar o ilícito de violência doméstica.

  11. Os actos praticados terão necessariamente de ser capazes de atingir precisamente a saúde física e psíquica do indivíduo de forma a afectar e marcar de forma irreparável o desenvolvimento harmonioso do sujeito ofendido, pelo que terão de se revestir de reiteração e gravidade suficientes para o efeito.

  12. Sendo ainda que a autonomização do crime de violência doméstica de outros menos graves exige, ainda, ou uma reiteração de condutas ofensivas ou, no mínimo, um acto que seja de tal forma grave que por si só, e sem mais, seja susceptível de produzir o dano descrito.

  13. É necessário que o comportamento do agressor demonstre uma especial crueldade, insensibilidade, uma atitude de vingança desnecessária e desmesurada ou ainda uma vontade de subjugar a vítima aos seus desejos e torná-la dependente de si.

    Além disso 19.ª Dispõe o artigo 152.º do Código Penal (vigente à data e actual): “1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.° grau; ou d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

  14. “O crime em causa pressupõe uma determinada relação entre os sujeitos activo e passivo (sublinhado nosso), e assim a vitima, ofendido, lesado ou sujeito passivo de tal crime, tem de revestir numa relação com o agressor/ arguido a qualidade: - de cônjuge ou ex-cônjuge;- - pessoa com quem o arguido mantenha ou tenha mantido uma relação análoga á dos cônjuges (ainda que sem coabitação), situação que se traduz: a) na união de facto entendida como comunhão de mesa, cama e habitação, ou b) numa situação idêntica à de união de facto com comunhão de mesa e cama, mas sem coabitação, no fundo fazendo vida em comum (mas não habitando juntos), ou formando um casal; E de forma mais abrangente, no acórdão da Relação de Coimbra de 27/2/2013, disponível em www.dgsi.pt/jtrc entende-se que a existência e manutenção por parte de uma pessoa casada de uma relação paralela com outra pessoa (mas sem coabitação), configura uma relação análoga à dos conjugues, situação que até a existência de um relacionamento amoroso poderia preencher desde que seja não apenas estável mas também que se aproxime da relação conjugal de cama e habitação - Ac. TRC de 24-04-2012 in www.dgsi.pt/jtrc., devendo no fundo para preencher a qualidade necessária para ser vitima do crime, conduzir-nos a uma situação em que as pessoas envolvidas criaram um projecto comum de vida (sublinhado nosso) e se podem relacionar quer sendo namorados, amantes ou sendo cônjuges ou ex-cônjuges.

    E não podemos deixar de concordar com a ideia expressa por André Lamas Leite, da exigência de “uma proximidade existencial efectiva” (sublinhado nosso). “Do mesmo passo, meros namoros passageiros, ocasionais, fortuitos, flirts, relações de amizade, não estão recobertas pelo âmbito incriminador do art.152.º, n.º1, al. b).”, ou seja “ter-se-á de provar que há uma relação de confiança entre agente e ofendido, baseada em fundamentos relacionais mais ou menos sólidos, em que cada uma deles é titular de uma «expectativa» em que o outro, por via desse laço, assuma um dever acrescido de respeito e abstenção de condutas lesivas da integridade pessoal do parceiro (sublinhado nosso).” - in A violência relacional íntima: reflexões cruzadas entre o direito penal e a criminologia, Revista Julgar, n.º12 Especial, 2010, ASJP, pág. 52 - ou seja, exista e esteja imbuído de um especial dever relacional onde seja já possível vislumbrar (embora com menor intensidade) os deveres que reciprocamente vinculam os cônjuges como sejam deveres de respeito, fidelidade, cooperação e assistência (artºs 1672º Código Civil sem coabitação) (sublinhado nosso). (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 10-09-2014, in www.dgsi.pt). “pois só assim essa relação se pode equiparar ou considerar-se ser análoga á dos cônjuges, pois não faz sentido (face ao principio da subsidiariedade e ultima ratio), que seja o direito penal a proteger especificamente uma relação de namoro, quando o direito civil não o faz a não ser numa fase adiantada desse relacionamento e apenas em vista da protecção da promessa de casamento (artºs 1591º a 1595º CC) (sublinhado nosso). (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-01-2014, in www.dgsi.pt) 21.ª “Uma relação de namoro não constitui uma “relação análoga à dos cônjuges (sublinhado nosso), ainda que sem coabitação”, expressa no artº 152º n.º 1, al. b), do Cód. Penal. (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-01-2014, in www.dgsi.pt) 22.ª Para que tal aconteça, a relação amorosa tem de ser estável e constituir o desenvolvimento de um projeto comum de vida do casal, exigindo-se uma relação próxima do ambiente familiar com sentimentos de afetividade, convivência, confiança, conhecimento mútuo, atos de intimidade, partilha da vida em comum e cooperação mútua (sublinhado nosso). (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-01-2014, in www.dgsi.pt).

  15. O que, no presente caso...

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