Acórdão nº 15847/09.4TDPRT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMOREIRA RAMOS
Data da Resolução18 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 15847/09.4 TDPRT.P2 Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial) Acordam, em audiência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO: No processo supra identificado, por acórdão datado de 06/06/2014, rectificado e depositado na mesma data, e no que ora importa salientar, decidiu-se julgar procedente a decisão instrutória e, em consequência: – condenar o arguido B…, pela prática de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375º, nº 1, do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão efectiva; – condenar o referido arguido/demandado a proceder ao pagamento ao Estado da quantia de trinta e sete mil, cento e cinquenta e dois euros e treze cêntimos, em substituição da perda de vantagens, de montante equivalente ao benefício ilicitamente obtido, nos termos do disposto no artigo 111º, nºs. 2 e 4, do Código Penal.

Inconformado com a sobredita decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma nos termos constantes de fls. 1.496 a 1.510, aqui tidos como integralmente especificados, extraindo-se das respectivas e prolixas (53) “conclusões”, que entende que o acórdão é nulo, que existe contradição ao nível da fundamentação, que existiu erro de julgamento, que existe uma errónea subsunção legal da factualidade apurada e, finalmente, que a pena aplicada é desproporcionada e excessiva.

Juntou ainda o parecer jurídico que consta de fls. 1.511 a 1.530.

O recurso foi regularmente admitido (cfr. fls. 1.534).

O Ministério Público veio responder nos termos constantes de fls. 1.543 a 1.592, aqui tidos como reproduzidos, tendo concluído no sentido da improcedência do recurso e, consequentemente, da manutenção do acórdão condenatório proferido.

Não há outras respostas.

Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer junto a fls. 1.600 a 1.605, aqui tido como renovado, não se tendo determinado o cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, posto que o arguido requereu a realização de audiência (cfr. fls. 1.510 e artigo 416º, nº 2, do Código de Processo Penal).

Contudo, e tendo em vista a salvaguarda do contraditório, foi dado conhecimento ao recorrente do assinalado parecer.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir, nada obstando a tal.

II – FUNDAMENTAÇÃO: a) a decisão recorrida: No que ora importa destacar, o acórdão recorrido é do teor seguinte (transcrição): 1. Factos Provados: 1. O Arguido é solicitador de execução, inscrito na Câmara dos solicitadores, com escritório sito na …, …, .° andar, Porto.

  1. Para o desempenho da sua atividade o solicitador de execução, por imposição legal, tem que proceder à abertura de uma conta denominada “conta-cliente”, a qual tem por fim o depósito de todo o dinheiro ou valores penhorados que sirvam para pagamento das quantias exequendas, o que sucede in casu.

  2. O arguido, enquanto solicitador de execução e no âmbito dos processos executivos, atua na qualidade de oficial público.

  3. Enquanto solicitador, o arguido “sob fiscalização da Câmara e na dependência funcional do juiz da causa, exerce as competências específicas de agente de execução e as demais funções que lhe forem atribuídas por lei”.

  4. Enquanto solicitador encontrava-se obrigado a ser titular de conta bancária denominada “conta cliente”.

  5. Todas as quantias recebidas no âmbito de processos de execução, não destinadas ao pagamento de tarifas liquidadas, têm de ser depositadas na conta cliente de solicitador de execução”.

  6. As quantias depositadas em conta clientes não constituem património próprio do solicitador.

  7. Encontra-se vedado ao solicitador de execução a possibilidade de qualquer movimentação da conta-cliente dissociada dos processos judiciais a que respeita.

  8. À data dos factos os juros creditados pelas instituições de crédito resultantes das quantias depositadas na conta-cliente de solicitador de execução eram entregues proporcionalmente aos terceiros que a eles tenham direito.

  9. A 23 de Junho de 2008, por terem sido instaurados contra o arguido cerca de 362 processos disciplinares e 9 apreciações liminares, relacionados com uma elevada morosidade na tramitação dos processos, bem como com uma conduta processual negligente, a Secção Regional Deontológica do Norte da Câmara dos Solicitadores promoveu uma fiscalização ao escritório do Arguido.

  10. Nesse circunstancialismo, foram detetadas irregularidades relacionadas com a “conta- cliente” do solicitador de execução.

  11. Assim, entre os meses de Janeiro a Junho de 2008, o Arguido transferiu um total de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) que se encontravam provisionados na conta-cliente para uma conta pessoal.

  12. No dia 6 de Junho de 2008, dia em que foi notificado de que iria ser sujeito a uma fiscalização por parte da Câmara de Solicitadores, o Arguido repôs na conta-cliente os referidos € 1.500000,00 (um milhão e quinhentos mil euros).

  13. Entre Janeiro e o dia 6 de Junho de 2008, isto é, entre a data que se iniciaram as transferências da “conta-cliente” para a conta pessoal que perfizeram um total de € 1.500.000,00 e a data em que esse valor foi reposto na conta originária, o Arguido realizou na conta pessoal diversas aplicações financeiras, reportando-se todas elas a depósitos a prazo cuja remuneração se encontrava indexada à cativação de determinada quantia.

  14. Em virtude dessas aplicações o arguido auferiu uma quantia de € 37.152,13 (trinta e sete mil cento e cinquenta e dois euros e treze cêntimos) a título de juros.

  15. Desde a data em que a quantia de € 1.500.000,00 foi reposta na conta cliente (06.06.2008), não se verificaram quaisquer outras transferências entre as duas contas tituladas pelo arguido, mantendo a “conta- cliente” até ao final do ano um saldo superior a um milhão de euros.

  16. Com a sua conduta, o Arguido utilizou em benefício próprio os dinheiros que sabia pertencerem em parte aos exequentes, os quais lhe foram entregues, entraram na sua posse e lhe eram acessíveis em razão das suas funções de solicitador de execução, utilizando-os para fins alheios àqueles a que se destinavam.

  17. Atuou com a intenção utilizar as quantias pertencentes aos exequentes, em benefício próprio e de se apropriar dos rendimentos obtidos com as mesmas, bem sabendo que tais quantias não lhe pertenciam na totalidade, que atuava contra a vontade dos seus legítimos proprietários, bem como contra as regras deontológicas a que se encontra adstrito.

  18. O Arguido agiu, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  19. Do Registo Criminal do arguido B… constam as seguintes condenações: a. por decisão de 01.02.2005, transitada em 16.02.2005, proferida no processo comum coletivo nº 2032/00.0PSPRT, da 4ª Vara Criminal do Porto, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa pelo período de 3 anos, pela prática, em novembro de 2000, de um crime de falsificação de documento, um crime de furto. A pena foi julgada extinta em 15.10.2008; b. por decisão de 16.05.2012, transitada em julgado em 11.06.2012, proferida no processo comum singular nº 198/10.0TAGRD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, na pena de 3 anos de prisão, suspensa pelo período de 3 anos, pela prática, em setembro de 2009, de um crime de falsificação de documento.

  20. Condições pessoais, sociais e económicas do arguido: a. B… é o mais novo de três filhos.

    1. O seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado familiar de origem, tendo nascido na Venezuela, país para onde os progenitores emigraram, sendo o pai comerciante e a mãe doméstica.

    2. Contava 17 anos de idade quando os progenitores optaram por regressar a Portugal, tendo acabado por fixar residência na cidade do Porto.

    3. B… teve um percurso escolar regular, tendo frequentado formação em solicitadoria no C… a que se seguiu uma formação complementar ministrada na Câmara dos Solicitadores em Lisboa.

    4. Mais tarde, já a trabalhar, habilitou-se com a licenciatura em solicitadoria, no Instituto Superior de Ciências da Administração em Lisboa, a que se seguiu a licenciatura em direito na Universidade Lusófona, também em Lisboa.

    5. Trabalhou em regime de prestação de serviços, em exclusividade, para a imobiliária Réplica, durante cerca de cinco anos.

    6. Na sequência da reforma a ação executiva, frequentou a formação para o exercício da atividade de “solicitador de execução”, tendo-se estabelecido por conta própria no exercício daquelas funções, que mantém desde 2003 até ao presente.

    7. Contava com 32 anos de idade quando contraiu matrimónio do qual resultou o nascimento de dois filhos.

    8. À data dos factos na origem do presente processo o arguido permanecia integrado no agregado familiar que constituiu por matrimónio, presentemente composto pelo cônjuge (40 anos de idade, técnica de anatomia patológica) e dois filhos (de 5 anos e 3 meses de idade), residindo em apartamento de tipologia T3, inserido em zona mista (habitação e serviços), próxima de um dos centros de comércio/serviços da cidade.

    9. O seu volume de trabalho tem vindo a diminuir.

    10. Por força da diminuição do volume de trabalho, nos últimos tempos reduziu o valor do seu salário para metade, referindo auferir € 500 líquidos, a que se acresce ao salário de cônjuge (€ 1050 líquidos).

    11. Na declaração para efeitos de IRS referente a 2012 consta um rendimento global no valor de €16.726,48.

    12. Foram dirigidas queixas à Câmara dos Solicitadores por atrasos em processos em que o arguido teve intervenção, contudo apenas uma se relacionou com o não pagamento das suas obrigações.

    13. B… identifica como principal impacto decorrente da presente situação processual, o processo disciplinar que lhe foi instaurado pela Câmara dos Solicitadores, ainda em curso, que, durante cerca de três anos teve a conta profissional bloqueada, a qual só podia ser movimentada com autorização da Câmara.

    14. O arguido revelou dificuldades em efetuar análise, em abstrato, face à natureza dos factos por que está acusado, não os perspetivando como ilícito...

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