Acórdão nº 381/08.8GCVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução18 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 381/08.8GCVFR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, o Ministério Público, acusou (i) B…, solteiro, pedreiro, nascido a 21 de junho de 1984, na freguesia …, concelho de Santa Maia da Feira, filho de C… e de D…, residente da Rua …, n.º …, em Santa Maria da Feira; (ii) E…, solteira, ajudante de cozinha, nascida a 10 de junho de 1987, em …, Santa Maria da Feira, filha de F… e de G…, residente na Rua …, n.º …, em Santa Maria da Feira; pela prática, em coautoria, de um crime de falsificação e de um crime de burla, respetivamente previstos e puníveis pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas b), c) e e) e n.º 3, e pelo artigo 217.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

Contestou a Arguida E…, invocando o merecimento dos autos e ser pessoa honrada, considerada, respeitadora e respeitada no meio em que vive.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada em 24 de março de 2014, foi decidido: «

  1. Absolver o arguido B… pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º n.º1 al. b) c) e e) e n.º 3 do Código Penal.

b) Absolver a arguida E… pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º n.º1 al. b) c) e e) e n.º 3 do Código Penal.

c) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217.º n.º1 do Código Penal, na pena de 115 (noventa e cinco) dias de multa à razão diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante global de 632,50€ (seiscentos e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos).

d) Condenar a arguida E… pela prática de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217.º n.º1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à razão diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante global de 550,00 € (quinhentos e cinquenta euros).

*Condeno os arguidos em taxa de justiça, fixando-a em 2 Uc’s (art.º 513.º do CPP).» Inconformada com tal decisão, a Arguida E… dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1. Nos presentes autos foi a arguida condenada pela prática de um crime de burla p. e p. pelo art. 217º, n.º 1, do Código Penal.

  1. A recorrente não se conforma com a douta sentença recorrida, dela interpõe o presente recurso, porquanto entende existir, desde logo, omissão de pronúncia, por duas razões: 3. Da primeira razão: Existe omissão de pronúncia (arts. 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1, alínea a), do CPP), porquanto o Meritíssimo Juiz a quo se não pronunciou sobre o alegado no artigo 4º da contestação, designadamente não referiu se os factos aí vertidos deveriam ou não considerar-se como provados 4. No presente caso, resulta claro que o artigo 4º contém matéria de facto com relevo para o doseamento de uma eventual pena a aplicar, porquanto é matéria que se insere na questão das relações da arguida com o meio social onde se integra e que pode inclusivamente trazer luz sobre o comportamento habitual da arguida na sua relação com os pares e, consequentemente, sobre a sua personalidade.

  2. Por outro lado, mesmo a entender-se que as expressões contidas no artigo 4º da contestação – “a arguida é pessoa honrada, considerada, respeitadora e respeitada no meio em que vive” – se consubstanciam mais em juízos de valor do que em factos, entendidos estes como acontecimentos, estados ou eventos, sempre o tribunal, tinha o dever de pronunciar-se e julgar sobre eles, uma vez que tais expressões enquanto juízos de valor decorrem de factos concretos que podem ser testemunhados.

  3. Pelo exposto, entende a recorrente que o Tribunal recorrido ao não se pronunciar na sentença sobre a matéria factual contida no artigo 4.º da contestação violou o disposto no artigo 374º, n.º 2, do CPP, com a consequente nulidade da sentença, ao abrigo do artigo 379º, n.º 1, alínea a) do CPP.

  4. Da segunda razão: existe omissão de pronúncia (arts. 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1, alínea a), do CPP), porque em relação aos meios de prova consubstanciados nos autos de reconhecimento feitos pelas testemunhas J… e I… em sede de inquérito, o tribunal a quo não explicou em que sentido os valorou, nem, consequentemente, as razões pelas quais os valorou em determinado sentido.

  5. E, se se percebe, pelo contexto, que o Tribunal a quo os teve em conta para dar como provado que foi a recorrente que levantou a quantia em dinheiro titulada pelo cheque em causa nos autos, sobre os motivos que conduziram a essa conclusão nada diz.

  6. Pelo que também aqui o tribunal recorrido violou o disposto no art. 374º, n.º 2, do CPP, com a consequente nulidade da sentença, ao abrigo do artigo 379º, n.º 1, al. a) do CPP.

  7. A douta sentença recorrida viola ainda os direitos de defesa da arguida, em especial o seu direito ao contraditório (art. 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa), na medida em que não foi dado a conhecer à recorrente o e-mail que o Centro de Segurança Social de Aveiro remeteu aos autos em 18 de Março de 2014. Com efeito, 11. Na audiência de discussão e julgamento de 18 de fevereiro de 2014, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Para uma boa decisão, nos termos do art. 340º do Código de Processo Penal, defere-se a diligência requerida pelos arguidos, a fls. 342/343, determinando-se que se oficie com nota de urgência ao centro social de Aveiro para que, no prazo de oito dias, informe o solicitado pelos arguidos no ponto 5 al. a) e b).” 12. Nessa sequência, foram juntos aos autos pelo Centro de Segurança Social de Aveiro, os e-mails datados de 06 de Março de 2014 e 18 de Março 2014.

  8. Apenas o e-mail datado de 06 março 2014 foi dado a conhecer à recorrente na audiência de discussão e julgamento de 17 de março de 2014, mas já não o e-mail de 18 de março de 2014, tendo a recorrente tomado conhecimento deste e-mail apenas quando procedeu à consulta dos autos para efeitos de interposição do presente recurso.

  9. Ora, entende a ora recorrente que o Tribunal a quo, na audiência de discussão e julgamento de 24 de março de 2014 – data designada para a leitura da sentença – podia e devia ter dado conhecimento à recorrente do e-mail que em 18 de março de 2014 o Centro Social de Aveiro remeteu aos autos.

  10. Ao não fazê-lo violou os direitos de defesa da arguida, em espacial o seu direito ao contraditório, vedando-lhe, assim, a possibilidade de sobre ele se pronunciar e ferindo de morte o princípio do contraditório e, nessa medida, o disposto nos arts. 32º, n.º 5, da CRP e 327º, n.º 1, do CPP, o que determina, em consequência, a nulidade da sentença recorrida.

    Caso não sejam atendidas as pretensões até agora formuladas, 16. A recorrente considera que foram incorrectamente julgados os seguintes factos, que a douta sentença julgou provados e que, ao invés, deveriam ter sido e devem ser declarados como não provados, a saber: 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8. e 9., da sentença recorrida.

  11. Entre outras, são as seguintes as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, pelas razões que ficaram desenvolvidas no texto desta motivação: - Declarações da recorrente, prestadas na sessão de julgamento que teve lugar no dia 16.01.2014, que foram gravadas entre as 12:22:55 e as 12:27:37 horas, com particular realce para o segmento acima transcrito, registado na gravação às rotações 00:39 a 01:15; - Declarações da testemunha e ofendido H…, prestadas na sessão de julgamento que teve lugar no dia 16.01.2014, que foram gravadas entre as 12:29:57 e as 12:41:49 horas, com particular realce para o segmento acima transcrito, registado na gravação às rotações 02:07 a 02:53; - Declarações da testemunha I…, prestadas na sessão de julgamento que teve lugar no dia 16.01.2014, que foram gravadas entre as 12:56:07 e as 13:02:42 horas, com particular realce para os segmentos acima transcritos, registados na gravação às rotações 00:34 a 01:02 e 03:24 a 03:54); - Declarações da testemunha J…, prestadas na sessão de julgamento que teve lugar no dia 16.01.2014, que foram gravadas entre as 12:42:47 e as 12:55:26, com particular realce para o segmento acima transcrito, registado na gravação às rotações 04:05 a 04:10; - Declarações da testemunha K…, prestadas na sessão de julgamento que teve lugar no dia 28.01.2014, que foram gravadas entre as 10:25:46 e as 10:34:19 horas, com particular realce para os segmentos acima transcritos, registados na gravação às rotações 01:37 a 02:07 e 05:50 a 05:57; Declarações da testemunha L…, prestadas na sessão de julgamento que teve lugar no dia 18.02.2014, que foram gravadas entre as 14:51:56 e as 14:57:35 horas, com particular realce para o segmento acima transcrito, registado na gravação às rotações 03:01 a 03:22; - E-mails de 06 de Março de 2014 e 18 de Março de 2014, juntos aos autos a fls. pelo Centro de Segurança Social de Aveiro; 18. Da análise dos referidos meios probatórios resulta que nenhuma prova foi feita quanto ao envolvimento da recorrente nos factos constantes da acusação.

  12. Assim, nos termos do disposto na al. b), do art. 431°, do Código de Processo Penal, pode e deve a Relação modificar a decisão recorrida e julgar não provados os factos constantes dos pontos 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8. e 9., da douta sentença recorrida.

  13. Sendo essa, como se espera, a decisão deste colendo Tribunal, resulta claríssimo que a recorrida tem de ser absolvida da prática do crime de burla, por não se verificarem todos os elementos constitutivos do crime de burla p. e p. pelo art. 217°, do Código Penal.

  14. Ora, ao condenar a recorrente pela prática de um crime de burla p. e p. pelo art. 217°, do Código Penal, o Tribunal a quo não fez uma correcta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, pelo que a douta sentença recorrida padece de insuficiência da prova para a decisão de facto encontrada.

  15. Tanto assim é que, não logrando obter prova sobre o lugar, tempo, modo e motivação da prática dos...

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