Acórdão nº 612/08.4GBOBR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução18 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 612/08.4GBOBR Comarca de Aveiro Oliveira Bairro - Inst. Local - Sec. Comp. Gen. - J2 Relator - Ernesto Nascimento Exame preliminar – artigo 417º/6 C P Penal.

  1. Relatório I. 1. Proferido que foi o seguinte despacho: “nos presentes autos, o arguido B… encontra-se acusado pela prática de um crime de dano, um crime de violação de domicílio, um crime de furto simples e dois crimes de furto qualificado, conforme resulta da acusação deduzida a fls. 38 a 41 dos autos.

    Não se logrou localizar o arguido para efeitos de prestação de TIR e notificação da data de realização de audiência de julgamento, razão pela qual foi o mesmo declarado contumaz por meio de despacho proferido em 5 de Setembro de 2012, constante de fls. 196.

    Efectuadas diligências para apuramento do paradeiro do arguido, dos autos resulta que o mesmo reside actualmente em …, …, …, …, em Espanha.

    Promove o Ministério Público que “atento o teor do acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 5/2014, se proceda à emissão de um MDE dirigido às autoridades judiciárias espanholas, com vista a fazer comparecer o arguido em juízo para efeitos de cessação da sua situação de contumácia – art. 36.º da Lei 65/2003, de 23.08.” Cumpre apreciar e decidir.

    O citado acórdão de fixação de jurisprudência veio colocar, no nosso entendimento (e porquanto pugnamos entendimento diverso), um grave obstáculo à acção dos tribunais em casos como os presentes, situações nas quais se obtém paradeiro conhecido de arguidos declarados contumazes, na medida em que firma este que “Ainda que seja conhecida morada de arguido contumaz residente no estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às autoridades desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz caducar a contumácia.” Na impossibilidade de emissão de carta rogatória, promove o Ministério Público a emissão de mandado de detenção europeu para efeitos de detenção do arguido para prestação de TIR, por forma a fazer caducar a contumácia.

    Julgamos que a solução avançada é inaplicável ao caso concreto, considerando as normas e condições de emissão do mandado de detenção, previstas na Lei 65/2003 de 23 de Agosto e o acto requerido de detenção para prestação de TIR.

    Vejamos.

    Consagra o artigo 2.º/1, 1.ª parte da lei citada, que define o âmbito material de aplicação do mandado de detenção europeu (doravante MDE) que este pode ser emitido para fins de procedimento penal e é aplicável a factos que sejam puníveis pela lei português a com pena ou medida de segurança, entre o mais.

    Assim, no quadro do processo penal português, há lugar à emissão do MDE para procedimento penal nas fases processuais de inquérito, instrução e fase de julgamento, até ao trânsito em julgado da sentença condenatória.

    Os factos pelos quais o arguido vem acusado subsumem-se à prática de crimes puníveis com pena de duração máxima não inferior a 12 meses.

    Nos autos, aquando da dedução da acusação e do recebimento da acusação, foi solicitada e determinada a prestação de termo de identidade e residência pelo arguido e não a sua sujeição a medida de coacção mais gravosa, mormente privativa da liberdade.

    Foi, entretanto, declarado contumaz.

    Ao processo de emissão e execução do MDE é aplicável, a título subsidiário, as disposições do Código de Processo Penal, conforme resulta do consagrado no artigo 34.º da Lei 65/2003.

    Assim, nos termos do Código de Processo Penal a detenção do arguido contumaz só se mostra fundamentada ao abrigo do preceituado no artigo 337.°/1 e 336.°/2 do citado diploma. Não tendo sido nos autos aplicada ao arguido qualquer medida de coacção privativa da liberdade, a sua detenção para efeitos de prestação de TIR apenas pode permanecer pelo período máximo de 48 horas, ao abrigo do artigo 254.°/1 C P Penal.

    A execução e cumprimento do MDE implicará necessariamente a detenção do arguido pelo período mínimo de 10 dias, sem ser presente a um juiz com vista a aplicação de medida de coacção, conforme decorre do disposto no artigo 26.° da Lei 65/2003.

    Pugnamos, pois, que tal período de detenção alargado, imposto pela emissão e cumprimento de MDE apenas e só para sujeição a Termo de Identidade e Residência, se afigura manifestamente desproporcionado a esse mesmo fim, violando princípios basilares da Constituição da República Portuguesa, mormente o seu artigo 18.º.

    Pelo exposto, indefere-se a emissão de MDE para efeitos de prestação de TIR por parte de arguido contumaz residente em Espanha.

    Notifique”.

  2. 2. Dele interpôs o MP recurso, pugnando pela sua revogação, apresentado as conclusões que se passam a transcrever: I. 2. Inconformada com o assim decidido, interpôs a Magistrada do MP, o presente recurso, apresentando aquilo que denomina de conclusões, mas que como tal não podem ser consideradas, pelo menos, na noção legal de resumo das razões do pedido e, que por isso aqui se não transcrevem, apenas se enunciando a questão aí suscitada e que é a de saber se, estando o arguido - declarado contumaz - ausente no estrangeiro e sendo aí conhecido seu domicílio, é possível ou não o recurso ao expediente do MDE, a fim de prestar TIR, para efeito de cessação da contumácia.

  3. 3. Não foi apresentada resposta.

  4. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto limitou-se a apor o visto.

  5. Fundamentação.

  6. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, a questão suscitada no presente é, tão só, a de saber se, estando o arguido - declarado contumaz - ausente no estrangeiro e sendo aí conhecido seu domicílio, é possível ou não o recurso ao expediente do MDE, a fim de prestar TIR, para efeito de cessação da contumácia.

  7. 2. Em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, cremos ser caso de decisão sumária, nos termos do artigo 417º/6 alínea b) C P Penal, devendo “o recurso ser rejeitado”, por “ser manifesta a sua improcedência”, artigo 420º/1 alínea a) C P Penal.

    Senão vejamos.

    Nos expressivos dizeres de Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 5ª ed., 2002, pág. 111, a improcedência é manifesta quando, “atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos Tribunais Superiores, é patente a sem razão do recorrente, sem necessidade de ulterior e mais detalhada discussão jurídica em sede de alegações“.

    Como se está face a caso de rejeição de recurso por ser manifesta a sua improcedência, artigo 420º/1 C P Penal, identificados que estão, já, nos termos do artigo 420º/3 C P Penal, o tribunal recorrido, o processo e os sujeitos, importa agora, especificar sumariamente os fundamentos da decisão.

  8. 3. Apreciando.

  9. 3. 1. O MDE.

    O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade – artigo 1.º/1 da Lei 65/2003.

    O mandado de detenção é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na supra referida Lei e na Decisão-Quadro - artigo 1.º/2 da Lei 65/2003.de 23AGO.

    Pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses, sem controlo, em muitos casos, da dupla incriminação, cfr. artigo 2.º.

    A emissão em Portugal de mandado de detenção europeu compete à autoridade judiciária competente para ordenar a detenção ou a prisão da pessoa procurada nos termos da lei portuguesa, estando a emissão e a transmissão do mandado sujeitas às regras previstas no capítulo I da citada Lei 65/2003, cfr. artigos 36.º e 37.º.

    Nos termos da Lei e da Decisão-Quadro, o mandado de detenção europeu direcciona-se quer ao cumprimento da decisão final do processo criminal – “cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade” -, quer ao cumprimento de um procedimento processual no decurso do processo – “efeitos de procedimento criminal”.

  10. 3. 2. O regime legal da contumácia.

    Como se sabe, a contumácia é a situação processual de suspensão dos ulteriores termos do processo por ausência do arguido, que não haja prestado termo de identidade e residência, e que...

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