Acórdão nº 5513/10.3TBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução02 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 5513/10.3TBVFR.P1-Apelação Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, 4º Juízo Cível Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues Sumário I- O interesse em agir pressupõe a necessidade e a adequação do meio de tutela de que se lança mão, ou seja, exige que para a solução do conflito o autor deve socorrer-se inevitavelmente da actuação judicial (a necessidade), e ainda que o meio processual usado deve ser aquele apto a reparar uma efectiva lesão do direito do autor (a adequação), tal como este a representa.

II- No caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso (artigo 263.º, nº 1 do CPCivil), aquele interesse no prosseguimento da lide, que aqui se compagina com a questão da legitimidade, continua a existir na pessoa do transmitente.

III- Este normativo cria uma situação de legitimidade ad hoc extraordinária, sendo fundamentalmente os interesses da parte estranha à transmissão que justificam a permanência do transmitente enquanto parte legítima na acção que só cessará com a eventual habilitação do transmissário.

IV- Desde que a pessoa, posto que tenha interesse directo na causa, não ocupa nela a posição que permita o seu depoimento como parte (artigo 452.º do CPCivil), pode depor como testemunha, podendo, como é evidente, tal depoimento ser apreciado tendo em conta aquele interesse.

V- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

VI- O direito de primazia concedido ao empreiteiro ou ao vendedor relativo à eliminação dos defeitos não é absoluto. Nos casos de urgência na reparação ou nos casos em que volvido um prazo razoável não realizar de forma definitiva e de modo útil a prestação a que está vinculado, o princípio da boa fé e o equilíbrio das prestações contratuais, determina que seja permitido ao dono da obra executar por si ou por terceiro, a eliminação dos defeitos à custa do empreiteiro.

VII- Neste particular contexto, quer a acção directa (artigo 336.° CC) como o estado de necessidade (artigo 339.º CC), justificam o afastamento do procedimento previsto nos artigos 1221.° e 1222.° do Código Civil, sendo legitimo que o dono da obra ou o comprador a realize por sua conta, com a possibilidade de ser reembolsado pelo empreiteiro ou pelo vendedor das despesas efectuadas.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, solteiro, residente na Rua …, n.º …, em …, concelho de Santa Maria da Feira, intentou contra C…, Lda., com sede na Rua …, n.º .., em …, concelho de Santa Maria da Feira, a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação desta a executar ou mandar executar à sua custa as obras necessárias e adequadas à eliminação dos defeitos existentes na fracção urbana identificada no art. 1º da petição inicial, descritos nos arts. 9º e 17º a 40º da petição inicial, no prazo de 30 dias ou, caso a Ré nesse prazo o não faça, a pagar-lhe a quantia correspondente ao custo da reparação, a liquidar em execução de sentença.

Alega para tanto, e em síntese, que comprou à ré, por escritura pública outorgada em 27/09/2006, a fracção autónoma designada pela letra A, correspondente a uma habitação T-3, que faz parte do prédio, em propriedade horizontal, sito à Rua …, n.º …, em …, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de S. M. da Feira sob o n.º 211, inscrito na matriz sob o artigo 2698 (art. 1º da petição inicial).

O referido prédio padece de vários defeitos, na parte exterior e na parte interior, que são discriminados no articulado inicial.

Para reparação dos vícios elencados, por que é responsável a Ré, é adequado o prazo de 30 dias.

*Devidamente citada, contestou a Ré que, pugnando pela improcedência da acção, não aceita a existência de defeitos de construção da sua responsabilidade.

Sem embargo, alega que há vícios alegados que eram do conhecimento do Autor aquando da compra ou são do seu conhecimento desde os anos de 2006, 2007 e 2008, ocorrendo, portanto, caducidade.

Para além disso, refere que o Autor fez obras no prédio, provocando a deterioração dos pisos e muros com o trânsito inapropriado de veículos. Não cuida do imóvel, nomeadamente através da aplicação de material hidrófobo transparente nas pinturas e pedras, de verniz no soalho, limpeza de caleiras e adequada ventilação e faz uso indevido da lareira, imprimindo-lhe excesso de calor.

*Replicou o autor, pugnando pela improcedência da excepção da caducidade, concluindo como na petição inicial.

*Foi proferido despacho saneador, foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória que não foi objecto de qualquer reclamação.

*O Autor apresentou articulado superveniente, alegando que, após a chuva que caiu em Dezembro de 2012, os defeitos se agravaram, entrando água da chuva na casa do autor, vendo-se obrigado a colocar baldes e toalhas em vários locais da casa, para evitar que a água se acumule no chão. Pondo em causa a segurança de pessoas e bens. Danificando os tectos, as paredes e os pisos em madeira.

Apresentou, depois, novo articulado, alegando que os tectos e paredes ficaram podres e a instalação eléctrica começou a ter graves anomalias, tendo mandado proceder aos trabalhos indispensáveis para que as principais causas de infiltrações na moradia fossem eliminadas. Peticiona, por isso, que a ré seja condenada no pagamento da quantia da reparação.

*Foi proferido despacho a admitir o articulado superveniente e a Ré respondeu a ambos os articulados, concluindo como na contestação.

Nessa decorrência, foram aditados factos à Base Instrutória (elencados a fls. 190 e 191).

*Realizou-se, depois, a audiência de julgamento. Foi proferido despacho a admitir a ampliação do pedido requerida pelo autor (fls. 169 a 177), a saber, a condenação da ré no pagamento da quantia de € 4618,65 e, bem assim, na rectificação de erro de escrita no despacho de fls. 190 e 191 [cfr. fls. 222 e 223].

*A final foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente por provada condenou a Ré C…, Lda: a)- a pagar ao Autor B… a quantia de € 3.178,65 (três mil cento e setenta oito euros e sessenta e cinco cêntimos); b)- a executar, ou mandar executar à sua custa, as obras necessárias e adequadas à (cabal) eliminação dos defeitos referidos no ponto 8, als. a), b), c) e e), no ponto 9, als. a), b) e d), no ponto 10, als. e), g), h) e k), no ponto 11, als. a), b), c), d), e) e f) (no tocante às juntas abertas), g), h), e, bem assim, nos pontos 25 e 33 da factualidade provada nesta sentença, ainda subsistentes, na fracção referida no ponto 1 da mesma factualidade provada, no prazo de 30 dias e, caso o não faça nesse prazo, a pagar ao autor a quantia correspondente ao custo da reparação, em falta, no montante que vier a ser liquidado; c) e absolveu-a quanto ao mais peticionado.

*Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1ª- O recurso vem interposto da sentença de 1ª instância proferida em 31-03-2014 que, entre o mais, condenou a apelante C…, Lda a (i) pagar ao autor B… a quantia de € 3 178,65 (três mil cento e setenta oito euros e sessenta e cinco cêntimos), e a executar, ou mandar executar à sua custa, as obras necessárias e adequadas à (cabal) eliminação dos defeitos referidos no ponto 8, als. a), b), c) e e), no ponto 9, als. a), b) e d), no ponto 10, als. e), g), h) e k), no ponto 11, als. a), b), c), d), e) e f) (no tocante às juntas abertas), g), h), e, bem assim, nos pontos 25 e 33 da factualidade provada nesta sentença, ainda subsistentes, na fracção referida no ponto 1 da mesma factualidade provada, no prazo de 30 dias e, caso o não faça nesse prazo, a pagar ao autor a quantia correspondente ao custo da reparação, em falta, no montante que vier a ser liquidado; 2ª- Em 20-11-2010, data em que propôs a acção, o apelado detinha interesse em agir, mas após 7-7-2011, data em que foi registada a venda do prédio pelo apelado a terceiros, o apelado deixou de ter interesse em fazer prosseguir esta acção, o que constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso (questão cujo conhecimento o tribunal omitiu, incorrendo assim em nulidade por omissão de pronuncia), conducente à absolvição da instância da apelante, o que se pede; 3ª- Resulta da Acta de 14-11-2013 a fls. 217, que prestou depoimento como testemunha, D…, a quem o autor vendeu o imóvel na pendência da acção, venda essa registada em 7-7-2011, depoimento este prestado por quem pode depor como parte, o qual foi arguido de nulo, mas indeferido por despacho que aqui se impugna; 4ª-Tal depoimento influiu decisivamente na fixação da matéria de facto, como resulta, designadamente do último parágrafo de fls. 229, pelo que o julgamento deve ser anulado, e repetido quanto à matéria de facto afectada, que é toda a factualidade que consta da base instrutória; 5ª-A apelante peticiona a reapreciação da prova produzida no que concerne a parte dos factos provados constantes de 8. da sentença; 6ª- Da prova por confissão de parte do autor, ouvido em audiência de julgamento, assinalado pela apelante nestas alegações, e tido por reproduzido nesta conclusão, é admissível alterar-se, por aplicação do disposto no art. 662º do CPC, a matéria de facto impugnada, como enunciado pela apelante nestas alegações; 7ª- Os defeitos invocados pelo apelado, surgidos antes de proposta a acção, aparecerem nos 5 anos subsequentes à celebração da compra e venda, provando-se, porém, que o prazo de denúncia foi excedido, razão pela qual se pode concluir pela invocada caducidade do direito do apelado; 8ª- Em casos excepcionais de urgência na efectivação das obras, o apelado não estava dispensado de, atenta a natureza dos defeitos, interpelar a ré para o efeito, e somente caso esta não leve a cabo as obras...

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