Acórdão nº 270/12.1GAILH.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Março de 2015
Magistrado Responsável | AUGUSTO LOUREN |
Data da Resolução | 25 de Março de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Proc. nº 270/12.1GAILH.P1 Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO No âmbito do processo nº 270/12.1GAILH, que correu termos no Juízo Criminal de Ílhavo, Baixo Vouga, em processo comum singular, foi a arguida B…, julgada e condenada nos seguintes termos: - «Em face do exposto, o Tribunal decide:
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Condenar a arguida B…, como autora material, de um crime de injúria, p. p. no artº 181º, nº 1, do cód. penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros).
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Condenar a arguida B…, como autora material, de um crime de violação de domicílio, p. p. no artº 190º, nº 1, do cód. penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros).
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Operando o necessário cúmulo jurídico das referidas penas, condenar a arguida B… na pena única de 115 (cento e quinze) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros).
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Condenar igualmente a arguida no pagamento das custas do processo-crime, devendo pagar de taxa de justiça 2,5 (duas e meia) UC.
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Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante C…, condenando a demandada B… a pagar à demandante a quantia de € 300, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal para os juros civis, nos termos peticionados, no mais se absolvendo a demandada.
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Sem tributação, dada a isenção prevista no artº 4º, nº 1, al. n), do Regulamento das Custas Processuais.
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Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes D… e C…, condenando a demandada B… a pagar a cada um dos demandantes a quantia de € 600, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal para os juros civis, nos termos peticionados, no mais se absolvendo a demandada.
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Sem tributação, dada a isenção prevista no artº 4º, nº 1, al. n), do Regulamento das Custas Processuais».
*Inconformada com a decisão, veio a arguida B… a recorrer nos termos de fls. 278 a 310, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 04 de Julho de 2014, nos autos de processo comum, que condenou a arguida pela prática de um crime de injúrias, p. p. no art. 181º, nº 1 do cód. penal e de um crime de violação de domicílio, p. p. no art. 190º, nº 1 do cód. penal.
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Discorda a Recorrente da douta sentença por entender, salvo sempre o devido respeito, em primeiro lugar, que a sentença padece de nulidades que, necessariamente, deverão conduzir à declaração de nulidade da mesma.
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Isto porque, os factos que foram dados como provados (7 e 9) não se coadunam com os constantes da acusação particular (6º, 7º, 8º e 9º).
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Acontece que “…o objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado. É a este efeito que se chama a vinculação da temática do tribunal.” Figueiredo Dias, ob. Cit, p.103.
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Pelo exposto, a sentença recorrida é nula, nos termos do art. 379º, nº 1, al. b), do C.P.P., porquanto condenou a recorrente por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e condições previstos nos arts. 358º e 359º do C.P.P.
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Acresce que o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação do art. 190º, nº 1 do cód. penal.
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Isto porque crê a Recorrente que da prova produzida resulta, claramente, que esta não praticou o crime de violação de domicílio.
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Dispõe o art. 190º, nº 1 do C.P. que “quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa” comete um crime de violação de domicílio.
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Ora, da prova produzida, a recorrente não só não é terceiro perante o bem em causa, como não está a exercer um abuso sobre a coisa. Quando muito, está a tentar exercer um direito legítimo, que é o de entrar na habitação, nos mesmos termos em que entrava o ofendido.
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Estando na convicção, no entanto, que, à data dos factos, aqueles já lá não residiam.
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Além de que, afirmou a arguida nas suas declarações, que durante algum tempo, anterior aos factos, bem sabia que os assistentes residiam na referida habitação.
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Não restam assim dúvidas que a Recorrente não praticou o crime de violação de domicílio em que foi condenada.
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Pelo exposto, o Tribunal não interpretou, nem aplicou, correctamente o art. 190º, nº 1 do cód. penal.
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Além disso, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por não ter feito uma correcta análise e ponderação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, impugnando-se, assim, a matéria de facto.
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Em primeira linha, porque cremos existir uma contradição insanável entre a matéria de facto dada como assente nos pontos 4, 5, 7 e 9 (e, naturalmente, 10 a 18), a prova produzida em audiência e a fundamentação da sentença, neste caso a credibilidade (ou não) que o Tribunal atribuiu às declarações da Arguida e das testemunhas de defesa.
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A Arguida relatou em audiência a sua participação nos factos em causa, de uma forma que se nos afigura honesta, sincera, clara e verdadeira, referindo, no que respeita à acusação de crime de violação de domicílio.
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A Arguida assumiu, assim, nos presentes autos a prática de determinados factos, nomeadamente que durante algum tempo, anterior aos factos e posterior à sua saída, bem sabia que os assistentes residiam na referida habitação. Estando na convicção de que, no dia 8 de Julho de 2012 quando se dirigiu à referida residência, aqueles já lá não residiam.
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Ainda quanto às declarações da Arguida, e conforme consta da fundamentação da sentença, o Tribunal a quo desconsiderou, por completo o depoimento da arguida, que se mostrou coerente.
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O Tribunal desconsiderou, também, por completo o depoimento da Testemunha K…, que presenciou, integralmente, os factos.
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O Tribunal a quo ao dar como provados os factos descritos nos pontos 4 e 5, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127º do C.P.P.
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Quanto ao crime de injúria, entende-se que o Tribunal a quo deu, indevidamente, como provados os factos 7, 9, 10, 12 e 13.
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Baseando, mais uma vez, a sua convicção apenas nos depoimentos dos assistentes e das testemunhas de acusação.
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Desconsiderando, por completo, o depoimento quer da arguida, quer das testemunhas de defesa que presenciaram, integralmente, os factos.
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O depoimento da arguida foi prestado de uma forma sustentada e coerente e sobretudo com uma justificação clara do modo como tudo sucedeu.
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Merecem aqui destaque, pois corroboram a versão da arguida, as declarações das testemunhas E… e F…, militares da GNR que se desclocaram ao local e presenciaram toda a situação.
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Estes depoimentos foram prestados de forma coerente, coincidentes um com o outro com perfeito conhecimento dos factos e foram prestados de forma livre e isenta uma vez que estas testemunhas não tinham nos factos nenhum interesse pessoal.
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Os depoimentos prestado por tais testemunhas, não foram, no entanto, valorados pelo Tribunal, porque claramente contraditórios com o depoimento prestado pelos ofendidos e testemunhas de acusação e até com os factos descritos na acusação particular.
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Senão vejamos, dos depoimentos destas duas testemunhas (agentes da GNR) não resultou minimamente provado o descrito na acusação particular em 7º, 8º e 9º.
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Pelo contrário, as testemunhas E… e F…, agentes da GNR que se deslocaram ao local, demonstraram, sem margem para dúvidas, que, na sua presença, nunca a assistente foi injuriada.
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Além de que, não se compreende, como é que o Tribunal a quo considerou como provados os factos descritos no ponto 7 e 9 da douta sentença, senão vejamos, é a própria assistente que afirma que antes da GNR chegar a arguida apenas lhe disse “estou aqui estou, queres entrar entra, anda entra agora”.
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Ora, nunca a própria assistente, hipotéticamente ofendida neste processo, afirmou que o que foi dado como provado nos pontos 7 e 9.
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Estranha-se, por isso, que o Tribunal a quo tenha dado como provados estes factos se a própria assistente/ofendida não os confirmou nas suas declarações.
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Assim, tirando diferente conclusão das declarações da Assistente, incorreu o Tribunal a quo em erro notório na apreciação da prova, conforme decorre dos excertos da gravação transcritos supra.
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Posto isto, incorreu o Tribunal a quo em vício na apreciação e valoração da prova ao dar como provado os factos constantes dos pontos 7, 9 e 10 a 14 uma vez que a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento não é compatível com essa conclusão.
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O Tribunal a quo ao dar como provados os factos ocorridos no dia 8 de Junho de 2012, na versão que consta da fundamentação da sentença, violou o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127º do C.P.P.
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Pode, pois, o Tribunal de recurso controlar a convicção do julgador da primeira instância, designadamente quando esta se mostre contrária às regras experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
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In casu, cremos que a decisão recorrida violou o princípio in dubio pro reo.
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Entendemos, pois, contrariamente à sentença recorrida, que da prova produzida, e não se entendendo que dela resulta claramente a inocência da Arguida, resulta, pelo menos, uma dúvida, que é mais do que uma dúvida razoável, é insanável! 39. Na sentença recorrida desconsiderou-se, por completo, tais princípios, assim se violando, consequentemente, o princípio nulla poena sine culpa, porquanto foi proferida uma sentença de condenação sem que o juiz pudesse estar convicto da existência de pressupostos de facto para a condenação.
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Pelo exposto, impõe-se, pois a absolvição do Arguida B….
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Nos termos do supra alegado e não tendo a recorrente praticado os crimes em que foi condenada, deve a mesma ser absolvida dos pedidos de indemnização civil.
Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogada a sentença com todas as consequências legais. Assim se fará Justiça!» *O Ministério Público em 1ª instância respondeu à recorrente de...
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