Acórdão nº 1306/13.4TBMCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | PEDRO MARTINS |
Data da Resolução | 19 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acção comum 1306/13.4TBMCN do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes ……………………………………………… ……………………………………………… ……………………………………………… Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados: B… demandou a C…, SA, e C1…, SA, pedindo a condenação solidária das rés a pagar-lhe os danos por ele sofridos em consequência de um acidente de viação causado por culpa exclusiva de um segurado da 1ª ré, de que a segunda é representante em Portugal; esses danos correspondem a 5069,42€ para reparação do seu veículo automóvel, 4935€ pela privação de uso do mesmo, acrescida do valor diário de 35€, desde a data da entrada da presente acção até integral e efectivo pagamento da indemnização, 300€ pelas despesas que suportou na fase pré-judicial e 2000€ pelos danos não patrimoniais, tudo com juros até efectivo pagamento.
A C1…, SA, na qualidade de representante da 1ª ré contestou, assumindo a responsabilidade do segurado pela produção do embate, mas impugnando parte dos danos invocados, entre eles o do valor da reparação indicado pelo autor, que computa antes em 4463,30€; para além disso, entende que não tem de pagar o valor da reparação, já que teria havido uma perda total, mas apenas 2150€ que era o valor que permitiria ao autor adquirir um veículo automóvel idêntico e que já colocara à sua disposição em 27/05/2013; nem a indemnização pela privação do uso a partir daquela data.
Depois do julgamento foi proferida sentença condenando as rés a pagar ao autor 5069,42€ [= valor da reparação segundo o autor], mais 10€ por dia de privação de uso do veículo acidentado, desde a data do acidente (12/05/2013) até efectivo e integral ressarcimento do autor, 39€ a título de indemnização pelos danos patrimoniais e 750€ pelos não patrimoniais peticionados e sofridos em consequência do acidente descrito nos autos, acrescidos todos estes valores de juros moratórios, à taxa legal, contados desde a data desta decisão até integral pagamento, absolvendo as rés do demais peticionado.
A ré interpõe recurso desta sentença, para que esta seja revogada, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (minimamente sintetizadas por este acórdão): 1. Face aos factos provados entende a ré que a quantificação dos danos é manifestamente incorrecta, desajustada e onerosa.
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Quer pelo depoimento testemunhal, quer pelos documentos juntos (do documento n.º 2 junto com a contestação resulta que o veículo do autor teria um valor máximo de 2150€, valor esse que foi proposto pela ré), devia ter sido dado como provado, sob 32, que "...e o valor venal do veículo, à data do acidente era de 2150€" e devia ter sido dado como provado o facto vertido na alínea a) dos factos não provados [ou seja, na parte que interessa: a colocação imediata à disposição do autor essa quantia].
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Face à matéria de facto dada como provada, entende a ré que o valor arbitrado para a reparação do veículo não tem razão de existir.
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Com efeito, resultou provado que o veículo do autor tinha um valor venal de 2200€ e o salvado um valor de 250€; e que a reparação do veículo orçava em 5069,42€.
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Ora, o Dec.-Lei 291/2007, de 21/08, veio estabelecer as regras pelas quais se deve aferir na perda total de um veículo. No seu art. 41/1c), a lei estabelece que um veiculo interveniente num acidente se considera em situação de perda total quando se constata que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapasse 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.
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Significa isto que, no presente caso, o veículo do autor cumpre o requisito de se considerar perda total; com efeito, o valor da reparação do veículo é mais do dobro do seu valor venal.
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Só se pode considerar neste caso que a sua reparação era economicamente desaconselhável.
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Repare-se ainda que a ré encontrou e indicou ao autor um veículo exactamente igual ao seu, com menos quilómetros percorridos, pelo valor de 2150€. Isto é, o autor, recebendo a quantia proposta pela ré podia adquirir um veículo exactamente igual ao seu e com menos quilómetros percorridos.
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[…N]ão se compreende o porquê da não aceitação por parte do autor do valor proposto pela ré logo a seguir à produção do acidente, sendo certo que, com o recebimento da referida quantia, o autor poderia adquirir um veículo exactamente igual ao seu e com menos quilómetros percorridos.
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Por outro lado, o valor arbitrado ao autor pela reparação do veículo é demasiada onerosa para a reparação integral do seu dano.
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Com efeito, a reparação do veículo é mais do dobro do valor venal do veículo. Mais do dobro. Com esse valor o autor pode adquirir um veículo igual ao seu do ano de 2009, sendo já o novo modelo da Peugeot que nada tem haver com o seu.
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Trata-se, isso sim, de um enriquecimento ilegítimo e injustificado.
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Como se disse, a aceitação por parte do autor da proposta que foi efectuada pela ré no período de tempo que se seguiu ao acidente era mais do que razoável e justificada.
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Assim, condenando a ré a pagar ao autor apenas a quantia de 2150€ é mais do que razoável, o que se pede.
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E daqui advém igualmente o porquê da ré não concordar com o valor que foi arbitrado ao autor a título de privação do uso do veículo.
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Com efeito, tal dano é da exclusiva responsabilidade do próprio autor. Ao não aceitar a proposta da ré na fase imediatamente a seguir ao acidente o autor colocou-se numa situação de privação do uso do veículo para a qual a ré em nada contribuiu. Muito pelo contrário.
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A ré fez tudo, mas tudo, para que o autor pudesse usufruir o mais rapidamente possível de um veículo exactamente igual ao seu.
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Isto é, não se pode culpar a ré de ter actuado de forma culposa na não regularização deste sinistro, nem pode ser condenada por um dano para o qual não contribuiu.
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E repare-se que a ré na proposta que fez apenas se refere ao dano do veículo, porque obviamente se iriam apurar quais os danos que sofreu em consequência da privação do uso.
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Como é óbvio, a ré só pode ser condenada a indemnizar o autor pela privação do uso no período que mediou entre a data do acidente e a data em que apresentou a proposta final e a indicação de um veiculo usado exactamente igual, isto é, 28/06/2013 (cfr. doc. nº 12 junto com a PI e doc. nº 2 junto com a contestação).
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E o mesmo se diga em relação ao dano não patrimonial atribuído ao autor. Efectivamente o mesmo ocorre por sua exclusiva culpa, pelo que, no presente caso não tem razão de existir.
O autor contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.
*Questões que importa decidir: se a matéria de facto deve ser alterada no sentido pretendido pela ré; se a ré não devia ter sido condenada a pagar o valor da reparação; e, concluindo-se neste sentido, se o valor das restantes parcelas da condenação deve ser alterado.
*Factos dados como provados com interesse para a decisão destas questões (não se consignando, por isso, todos os factos que têm a ver com o acidente, cuja responsabilidade a ré assumiu, ou com o seguro, que não está em discussão): 9. Como causa directa e necessária do embate com consequente queda do veículo [seguro] sobre o capot e tejadilho do lado esquerdo do veículo [do autor], resultaram danos materiais neste veículo, 10. ... danos que obrigam a trabalhos de chaparia, pintura e alinhamento de direcção, orçados pela oficina D…, Lda, em 5069,42€.
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O autor despendeu o valor de 39€ na obtenção de cópia certificada da “participação de acidente de viação”.
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O veículo [do autor] não se encontra reparado até ao presente, 13. ... encontrando-se, em consequência dos danos referidos em 9 e 10 impedido de circular.
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O autor utilizava o [seu] veículo automóvel para transportar todos os dias o seu filho menor à escola e de volta, que se loca-liza a cerca de três quilómetros da sua residência, aos treinos de futebol, em horário pós-escolar, aos jogos de futebol em que este participa aos fins de semana, às consultas de terapia da fala e de psicologia ao centro da cidade de Marco de Canaveses, que fica a cerca de quatro quilómetros da sua residência.
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Encontrando-se o autor desempregado, este utilizava o aludido veículo ainda nas suas deslocações a entrevistas de emprego, 16. ... tendo já recusado duas propostas de trabalho por não ter agora veículo automóvel.
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O autor passou a ter de recorrer à ajuda de terceiros para o transportarem a si e ao seu agregado familiar, 18. … o que tem causado perturbações e incómodos no seu modus vivendi e lides diárias.
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Em consequência do embate e da privação do uso do veículo, o autor passou a ser uma pessoa mais isolada, evitando o convívio social, tornou-se mais agressivo para com a mulher e intolerante para com o filho, tornando a sua vida familiar desagradável.
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[Esse] veículo automóvel era o único de que o autor dispunha para se deslocar diariamente, 21. … veículo que adquiriu com dois anos de idade, apresentando, à data do embate, as revisões em dia e sempre tendo sido tratado com estima e cuidado.
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Por cartas datadas de 31/5/2013 e 07/6/2013, o autor solicitou à 2ª ré que lhe facultasse carro de substituição, nos termos que constam do teor das mesmas, juntas a fls. 40-41 e 48-50, que se deu por reproduzido.
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Em resposta, datada de 28/06/2013, a 2ª ré respondeu “quanto ao valor do veículo de substituição será necessário fazer prova do custo que teve para podermos reembolsar, sendo que apenas aceitamos o máximo de 29 dias, conforme previsto na lei, desde 14/05.2013 a 11/05/2013”.
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Por carta de 12/05/2013 [é lapso, a carta é de 27/05/2013], dirigida ao autor, a 2ª ré assumiu-se como representante da 1ª ré e informou que, após a peritagem efectuada à viatura propriedade do autor, foi a mesma considerada perda total [ao abrigo do art. 13 do DL 44/2005, de 23/02, por o valor de reparação ser superior a 70% do valor venal do veículo à data do acidente] e que o valor de venda do mercado é de 2000€ e o valor do veículo acidentado é de 250€ (cfr. doc. de...
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